
Uma tentativa de conciliação na quinta-feira na 2ª Vara Cível de Caxias do Sul terminou sem sucesso, e a greve do transporte coletiva está mantida na cidade. Anunciada pelo sindicato da categoria para começar à zero hora da próxima segunda-feira, dia 20, a mobilização deve tirar das ruas os coletivos por tempo indeterminado. Os trabalhadores exigem o dissídio salarial, que era negociado desde dezembro do ano passado, mas a concessionária alega que só concede o benefício em caso de reajuste da tarifa, congelada em R$ 3,40 pelo prefeito Daniel Guerra no começo de seu mandato. A empresa quer R$ 4,25.
À juíza Maria Aline Vieira Fonseca, os representantes da Visate reafirmaram que não há condições de pagar o dissídio aos funcionários sem que seja discutido a elevação do valor do bilhete. Sem chegar a um consenso, todas as partes saíram da audiência preparadas para travar uma batalha nos tribunais do Trabalho. Enquanto isso, a população sofrerá com a ausência de ônibus ou com uma frota reduzida.
– O sindicato entende que uma proposta que tenha validade e possibilidade de ser aprovada em assembleia é de, pelo menos, a compensação do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que em 1º de janeiro estava em 6,58%. Em caso de greve, a ferramenta é o ajuizamento de revisão do dissídio coletivo junto ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) – explica o advogado da entidade, João Batista Wolff Oliveira.
Mesmo se tratando de uma negociação entre patrões e empregados, a solução para o impasse está nas mãos do Executivo. Isso porque a Visate é irredutível na posição de só falar em valores do dissídio quando Guerra rever a manutenção da tarifa e aceitar sentar para uma negociação. Conforme o diretor-superintendente da concessionária, Fernando Ribeiro, os salários dos empregados incidem em mais de 50% do preço do bilhete:
– Eles estão diretamente vinculados à passagem, não há como dizer o contrário. Não conseguimos avançar porque não há a mínima vontade do poder público, que abandonou a regra vigente e decidiu por conta própria, o que trará graves consequências para a cidade como um todo.
Guerra foi representado na audiência por dois procuradores. O município ingressou na última semana com uma ação que pede multa para o Sindicato dos Rodoviários se garagens e ruas forem trancadas pelos trabalhadores. Mesmo que o encontro tenha tomado outras proporções, a procuradora-geral adjunta, Ana Cláudia Doleys Schittler, não acredita que a posição do prefeito será revista:
– Pelo que foi colocado, parece que não temos razão nenhuma, e não é verdade. O processo administrativo de revisão tarifária foi muito bem justificado, não tiramos do ar isso. Buscamos transparência também nesta questão. Vamos conversar com ele (Guerra). Porém, a princípio, vejo que o assunto está encerrado.

"Lava-Jato" nas planilhas
O argumento do Executivo para congelar a tarifa é que a concessionária não comprovou a necessidade de "reequilibrar o equilíbrio econômico-financeiro da atividade" por meio da abertura total de suas planilhas – ação que Guerra chamou, durante a campanha eleitoral do ano passado, de "Lava-Jato da Visate". O prefeito defende auditoria completa em todas as contas da empresa.
– Com seus documentos contábeis, ela terá de mostrar o desequilíbrio que justifique a elevação da passagem. Como é uma concessão pública e o contrato prevê a modicidade do bilhete, o município pode requerer até que baixe o valor, se tiver subsídios suficientes das informações contábeis da concessionária – diz o chefe de Gabinete do Executivo, Júlio César Freitas da Rosa.
A abertura dos balancetes, porém, não é uma obrigatoriedade legal, de acordo com o doutor em Direito Público e professor da FSG Adriano Tacca:
– Não tem sustentação. Se encareceram os custos e isso fica comprovado e o município não permite o aumento, ele impede que a empresa cumpra obrigações contratuais. Não vejo guarida jurídica para abrir os balancetes financeiros, conforme o princípio da legalidade que norteia os contratos.
A Visate se apoia, para contrapor a prefeitura, na cláusula sexta do documento de concessão, que estabelece que as passagens "serão fixadas na forma prevista nas planilhas de cálculo tarifário para ônibus, conforme modelo da Secretaria Municipal dos Transportes, fundamentada na metodologia elaborada pelo Ministério dos Transportes – GEIPOT, aplicado o percentual de desconto sobre a tarifa geral calculada, de 0,3%".
Em dezembro de 2016, um trabalho técnico de funcionários de carreira da Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade recomendou que a passagem fosse R$ 4,01 em 2017 para compensar fatores como redução de passageiros transportados e pagantes, aumento nos valores de chassis e carrocerias e o fim da isenção do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN) e da Taxa de Gerenciamento das Concessões e Permissões.
Na atual situação, a empresa projeta déficit de R$ 27 milhões no final do ano. Em última instância, ela poderia tentar a rescisão do contrato sem pagamento de multa.
– Se a Visate provar que foi prejudicada, o Judiciário pode decidir pelo aumento estipulado pela empresa ou pela secretaria, ou até mesmo chegar a um meio termo – pontua o professor da FSG, Adriano Tacca.

Rombo mensal de R$ 2 milhões
Para mostrar porque teria um ano de grandes dificuldades com a passagem a R$ 3,40, a Visate entregou ao Pioneiro as planilhas que compõem o cálculo tarifário. Em uma delas, 30 dos 44 itens analisados tiveram alta entre dezembro de 2015 e janeiro de 2017.
Entre os mais caros estão "preço ponderado de um chassi novo para veículo leve", "preço ponderado de um chassi novo para veículo pesado", "preço ponderado de um chassi novo para veículo especial", "despesa anual (frota total) com seguro de responsabilidade civil", "despesa mental de manutenção de bilhatagem eletrônica" e "quilometragem mensal percorrida". A somatória de todos os itens chega a um déficit, segundo a empresa, de R$ 2.007.612,24 por mês.
Em outra tabela, a Visate apresenta a composição aproximada dos custos que totalizam R$ 4,25 para cada quilômetro rodado: R$ 3,27 (pessoal), R$ 1,28 (combustível e lubrificantes), R$ 0,80 (depreciação, peças e acessórios), R$ 0,41 (remuneração de capital - veículo, almoxarifado e máquinas), R$ 0,19 (despesas administrativas) e R$ 0,15 (pneus). A soma, de R$ 6,11, é acrescida de 5% de tributos, e fica em R$ 6,43. Subtraindo 0,30% da modicidade tarifária e R$ 1,51 do IPKe (passageiro equivalente transportado e quilometragem média mensal), tem-se os R$ 4,2499 pretendidos pela Visate.
Em uma terceira tabela, a empresa sustenta que valores de itens fundamentais cresceram, como litro de combustível, pneus, recapagem, chassis, carrocerias, seguros e vistorias.
"O congelamento da tarifa, além de inviabilizar financeiramente a concessionária, irá prejudicar a qualidade do serviço, visto que importantes itens do contrato de concessão, como o reajuste dos salários dos funcionários, manutenção, renovação e ampliação da frota e compromissos com fornecedores e instituições financeiras poderão ser comprometidos. Isso trará prejuízos ao município em razão do déficit que irá causar", afirma a empresa.
O ex-secretário de Transporte de Caxias, Manoel Marrachinho, relata que, no final de 2016, um estudo técnico da secretaria apontou que a tarifa deveria ser de R$ 4,01 pelos seguintes fatores: redução de passageiros pagantes (3.128.281 para 2.839.534 – queda de 9,23%); aumento médio de 15,58% no valor dos chassis e de 10,82% das carrocerias; aumento de até 30% nos preços orçados junto às montadoras, e fim da isenção do Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISSQN) e Taxa de Gerenciamento das Concessões e Permissões, que equivalem a 3% sobre o faturamento da empresa.
Ele propôs, então, que o poder público avaliasse alternativas como reeditar a lei de isenção de impostos sobre a passagem, o que a faria baixar R$ 0,12; renovar parcialmente a frota, para chegar a menos R$ 0,10; e um estudo em todas as linhas para flexibilizar a rodagem de veículos em horários com índice de passageiros por quilômetro rodado muito baixos e deixar os veículos sem cobrador.
– Com tudo isso, teríamos um reajuste próximo ao índice da inflação ou até menor, isso já incluído o dissídio dos funcionários – sugere Marrachinho.

Tensão e boatos de demissões em massa
As sugestões da equipe técnica da secretaria, porém, não foram adotadas pela atual gestão. A explicação dada pelo governo Guerra é que a Visate somente protocolou na Secretaria dos Transportes um "ofício de meia página solicitando a revisão da tarifa", o que é insuficiente. O chefe de Gabinete do prefeito afirma que o conselho que analisa o tema se debruçou sobre o procedimento licitatório e o contrato, e concluiu pela manutenção dos R$ 3,40.
– O prefeito sempre deixa claro que o lado da administração é o da população que utiliza o serviço público. A tarifa tem de cobrir os valores e dar lucro, sem penalizar quem anda de ônibus, que são as pessoas mais carentes. Esse é o lado que estamos – salienta Júlio César Freitas da Rosa.
A Visate, por outro lado, acusa a prefeitura de criar um "fato novo" para justificar o congelamento, e ser intransigente para o diálogo:
"Durante todo o processo, o qual iniciou-se em 22 de setembro de 2016 (quando foi amplamente demonstrado o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato e a necessidade de reajuste tarifário), em nenhum momento o poder concedente solicitou os balancetes, e não solicitou porque para a realização dos cálculos não é necessário. O governo municipal que assumiu em 2017 decidiu por não reconhecer o trabalho técnico da própria Secretaria dos Transportes. Afirmar que não pode dar o reajuste pela falta de apresentação de balancete é procedimento puramente protelatório e não-justificável, pois os balancetes estão à disposição do poder público sempre que solicitado ou em qualquer diligência fiscal. A exigência é um fato novo, criado para justificar a decisão. Este posicionamento intransigente diz tudo".
O chefe de Gabinete de Guerra rebate a acusação e ressalta que o diálogo está aberto:
– Tudo tem o seu canal, seu regramento, que neste caso é a Secretaria dos Transportes. A comunicação (do pedido de aumento da tarifa) foi feita no final do ano passado. Vamos atender agora para que? A questão está encerrada. Vamos discutir 2018? Ok, protocola na secretaria e comprova o desequilíbrio econômico-financeiro.
O Pioneiro consultou o Tribunal de Contas do Estado (TCE), que disse que só fará auditoria nas contas da Visate por meio de uma denúncia, que até agora não teria chegado à sede em Caxias do Sul. Enquanto o impasse não é resolvido, crescem os boatos de demissões em massa e consolida-se a possibilidade de greve prolongada.
– Eu quero falar ao prefeito que ninguém morde e que estamos dispostos a conversar. Ele é o responsável pelo transporte público e tem como solucionar essa confusão que está aí. O prejuízo caiu para o trabalhador, não vamos aceitar isso e paar a conta. Se não trouxerem proposta para a gente, é greve por tempo indeterminado – garante o presidente do sindicato dos Rodoviários, Tacimer Kulmann da Silva.
O déficit projetado pela Visate para 2017
CUSTOS (R$ 144,3 milhões)
– Custo variável: R$ 38 milhões
– Remuneração de capital: R$ 9,2 milhões
– Depreciação: R$ 12,3 milhões
– Pessoal: R$ 73,5 milhões
– Despesas Administrativas: R$ 4,3 milhões
– Provisionamento para Tributos e Repasses: R$ 7,2 milhões
– Passageiro Transportado Equivalente: R$ 34 mil
– Déficit 2016: R$ 2 milhões
– Desconto sobre a tarifa (0,30%): R$ 434 mil
RECEITAS (R$ 110 milhões)
– Receita Bruta: R$ 115 milhões
– Tributos e Repasses (desconta da receita): R$ 5,79 milhões
DEMONSTRATIVO DE RESULTADO 2017 (com a passagem a R$ 3,40)
– Receita Bruta Média: R$ 115 milhões
– Tributos sobre a Receita Média: R$ 5,79 milhões
– Receita Líquida Estimada: R$ 110 milhões
– Custo Total: R$ 144,3 milhões
– Lucro ou Prejuízo: R$ 34,2 milhões (prejuízo)
– Crédito em Tributos Estimado pelo Custo Total: R$ 7,2 milhões
– Déficit anual: R$ 27 milhões
Os custos dos principais insumos do transporte público
DEZEMBRO 2015
– Litro do combustível: R$ 2,6979
– Pneu novo para veículo leve: R$ 1.370
– Pneu novo para veículo pesado: R$ 1.429,20
– Chassi novo para veículo leve: R$ 138.331,43
– Chassi novo para veículo especial: R$ 276.960,10
– Carroceria nova para veículo pesado: R$ 122.802,22
– Despesa anual (frota total) com seguro de responsabilidade civil: R$ 39.906,77
– Despesa mensal de manutenção de bilhetagem eletrônica: R$ 29.023,85
– Despesa anual com taxas de vistoria: R$ 111.687,66
– Quilometragem mensal percorrida: R$ 1.842,447
JANEIRO 2017
– Litro do combustível: R$ 2,8909
– Pneu novo para veículo leve: R$ 1.506,36
– Pneu novo para veículo pesado: R$ 1.576,87
– Chassi novo para veículo leve: R$ 167.348,31
– Chassi novo para veículo especial: R$ 327.082,61
– Carroceria nova para veículo pesado: R$ 156.948,31
– Despesa anual (frota total) com seguro de responsabilidade civil: R$ 66.608,84
– Despesa mensal de manutenção de bilhetagem eletrônica: R$ 57.841,96
– Despesa anual com taxas de vistoria: R$ 134.529,12
– Quilometragem mensal percorrida: R$ 1.873.392,9