
Apuros na Interstate I 90

Na primeira aventura automobilística nos EUA a ideia era ir de carro de Seattle até Bozeman, cidade próxima ao lendário parque Yellowstone (Sim, aquele do Zé Colmeia!). A saída da longa road trip foi tranquila. Seria uma viagem longa que duraria um dia e uma noite atravessando três estados. Washington, Idaho e Montana.
O motor V8 da velha e confiável Jeep Cherokee roncava macio na Interstate 90. Uma estrada dos sonhos que corta os EUA da costa oeste até a costa leste. Nada parecido com nossas esburacadas e perigosas BRs. Sempre pista dupla que por vezes se abriam em três e até quatro pistas. Acompanhado de um casal de amigos, andávamos na velocidade correta de 60 milhas por hora (96 km/h) pois a única coisa que eu não queria era problemas com a State Patrol – a Polícia Rodoviária –, ou levar uma multa em dólares.
Leia mais
Pedro Guerra: mais barulho, por favor
Nivaldo Pereira: as luzes do aguadeiro
Curso para "pais de primeira viagem" ensina os principais cuidados com o bebê
Desbravadores de Torres: fatos e curiosidades da relação com Caxias
Os acontecimentos dramáticos começaram a se precipitar em cascata a partir do momento que cruzamos o estado de Idaho na cidade de Post Falls. Já anoitecera e discutíamos se era conveniente parar em uma mega loja de pesca que existia naquela cidade. Reduzi a velocidade enquanto confabulávamos se deveríamos parar e qual seria a saída quando as luzes apareceram. Eram fortes! Azuis e vermelhas, piscavam no retrovisor. Era uma viatura da State Patrol na minha traseira. Ué? Não fiz nada, pensei. Meu amigo disse então:
– Não é contigo, troca de faixa e deixa ele passar. Foi o que fiz mas as luzes continuavam lá. Troquei para uma terceira faixa e a viatura seguia na minha traseira piscando. Mais uma discussão dentro do carro e achamos por bem parar. Encostei no acostamento e o carro da polícia fez o mesmo. As luzes não nos permitiam ver nada. Ia tirar o cinto e descer do carro quando a Fani disse:
– Não! Nunca faça isso! Tem que esperar sentado com o cinto!
Aqueles minutos pareceram horas quando a coisa toda dramatizou. Esperávamos um policial de chapelão aparecer no lado do motorista quando fortes pancadas com um objeto pesado quase quebraram o vidro do carona. Foi um susto geral no carro. Devemos ter até gritado. Abri o vidro e para meu pavor tinha uma policial mulher com uma enorme lanterna na mão esquerda e uma não menor pistola engatilhada na mão direita gritando palavras indecifráveis para o meu inglês do Carmo. Ela gritava com raiva a plenos pulmões. Meu Deus, ela vai atirar! Pensei, em pânico. As minhas mãos e as do Gustavo ao meu lado já estavam levantadas, mas isso parecia não bastar. A gritaria continuava. A versão feminina do Clint Eastwood estava possessa. Então a Fani, nossa tradutora, entendeu que ela gritava para que colocássemos as mãos no painel.
Ela então, sempre com a arma apontada e a lanterna na nossa cara, deu a volta e veio para o meu lado. Aí meu Deus! Baixei o vidro com o movimento mais suave que consegui e comecei a ouvir um monte de gritos. Pedi ajuda a Fani. Ela queria documentos. Entreguei meu passaporte italiano, o brasileiro, o seguro do carro e , se tivesse, daria também meu Imposto de Renda e meu exame de sangue.
Não contente, ela gritava agora para eu abrir bem os olhos e seguir o movimento dos seu dedos. Sem mexer a cabeça!!! Ela olhou para essa carinha de inocente que tenho com os olhos vermelhos de um dia inteiro com as lentes de contato e perguntou:
– Are you drunk? (Você está bêbado?)
– Maginarse, madame! Tô o dia inteiro sentado nesse carro. Não! Nunca!
A Fani então traduziu que estávamos viajando todo dia e nosso destino era Montana. Ela guardou a arma (ufa!) e perguntou por que eu estava andando abaixo da velocidade da rodovia e por que diabos não havia parado na primeira advertência? Expliquei com palavras que até hoje não lembro mas que oscilavam entre o choro, o arrependimento e eterno pedido de desculpas. Nem um cachorro labrador faria melhor. Ela devolveu então os documentos e professoralmente ordenou: não ande tão devagar! Não atrapalhe o trânsito.
Que cagaço!
Conexão Panamá

Um dos problemas de quem viaja para o exterior são as famosas encomendas. Amigos, parentes, conhecidos e até desconhecidos não se furtam em encomendar alguma coisinha. Vão de caixas de som, iPods, iPhones, iPads, bolsas, roupas, peças para automóveis e, se deixar, até um freezer com duas portas. Além das encomendas que devem vir ainda tem as encomendas para levar. Revistas, livros, remédios, rapadura, erva-mate, feijão e uma infinidade de itens para algum parente que está aflito de saudades ou precisando de um artigo tipicamente brasileiro. O jeito é se fazer de louco e ir se esquivando. Porém, em algum momento, isso fica impossível. Foi o caso da Tia Tamara que me escalou como transportador de ceras de depilação para sua sobrinha que estava na Califórnia. Não tive como negar. Foi pra mala.
Até aí, nenhum problema. As coisas começaram a entortar em Porto Alegre. Quem nunca teve voo atrasado por causa da neblina? Um atraso na saída resulta em atraso na chegada. Quem tem conexão perde a conexão, certo? Foi o que aconteceu. Conexão perdida na Cidade do Panamá. Como a companhia aérea era a mesma, foi providenciado hotel e um dia de atraso com pernoite forçado na capital panamenha. No dia seguinte, partida para Los Angeles. Tudo indo normal. Com atraso, mas normal. Chegada em LA, passagem pela imigração, uh la la la… nunca foi tão fácil. Localizada a esteira, vou lá bem pimpão buscar a mala. Tava lá. Beleza. Tudo indo como um dodge até que na saída da área de bagagens, pronto pra passar pela última porta antes do Welcome, um inesperado chamado.
O rapaz não tinha uma feição muito simpática. Um negro forte como uma versão reforçada do Mike Tyson apontou o dedo para mim e sentenciou:
– You! Follow me! (Você! Siga-me! )
– E-eu? Why? Por quê?
Nenhuma resposta. Apenas um olhar de secar samambaia foi suficiente. Lá ia eu para a temida salinha do aeroporto. Aiaiaiai. Uma sala sem janela, com uma mesa e uma cadeira. Decoração minimalista. Primeiro uma pergunta de soco: Por que havia ficado uma noite no Panamá? Onde havia ficado? Por quê? (Depois fui saber que o Panamá é a conexão favorita dos traficantes, desde do tempo do Pablo Escobar. Podem assistir Narcos e vejam onde ele se refugiava!). Então, o irmão do Mike Tyson começou a vestir luvas cirúrgicas. Ai, Meu Deus! Lembrei de um médico proctologista e comecei a suar. O pequeno colocou a minha mala em cima da mesa e começou a tirar tudo que tinha dentro.
– O que é isso? – perguntava.
E, eu, tentando manter a calma, respondia:
– Isso é uma vara de pesca.
– Isso é pó pelotense pro chulé.
– Isso é nanquim.
– Neosaldina!
De repente, ele se depara com o pacote da tia Tamara. Ai, Jesu Bambino! Eram potes e potes de cera de depilação. Tinha de várias marcas, sabores e cores. Acho que tinha quantidade suficiente pra depilar o King Kong e sobrava. O simpático olhou pra mim com um pote de cera de depilação cremosa para microondas de amêndoas e perguntou:
– What’s this? (O que é isso? )
– Woman…body… hair!!! – respondi fazendo gestos de mímica.
– What?
Não sabia o que dizer. Ai Ma Dio! Como que é isso em inglês???? – pensei e disparei:
– DEPILATION!!!!
Acho que foi de pena, mas fui liberado. Com as ceras todas. Incluindo a de amêndoas para microondas!
Independence Day e bunda de fora

O dia 4 de julho é muito importante para os norte-americanos. É o dia da independência, o dia da festa da libertação, um acontecimento. Independence Day. Todo país para e comemora. Em todos lugares há desfiles, comilanças, beberranças, churrasco e festa. Tudo finaliza à noite com fogos de artifício. Um foguetório lindo. Em todo país. Dessa vez, ninguém discute, os americanos mostram a forma correta de queimar pólvora. Um espetáculo!
Para aguardar os foguetório, fui convidado por uma amiga brasileira a passar a tarde em um churrasco na casa de amiga americana. Ou seja, não conhecia a anfitriã. Chegando lá nem era uma casa, era uma mansão À beira de um lago gigante com janelas gigantes e carpetes onde um anão poderia se perder lá dentro. Falando um inglês macarrônico estava tão À vontade como uma cebola em uma salada de fruta. Nossa anfitriã era uma advogada de sucesso e chefiava o setor jurídico de uma grande empresa americana. Era só caixa alta. E o cartunista do Pioneiro lá, de penetra.
Apesar do desconforto devo dizer que os americanos são muito simpáticos e possuem uma cordial curiosidade sobre outras pessoas e culturas. Quando souberam que eu era brasileiro e desenhista de histórias em quadrinhos, aí que vinham falar comigo. Em algum momento achei que todos olhavam para mim com um sorriso esperando que contasse algo surpreendente. E eu lá, tentando disfarçar a timidez. Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Ao localizar o cachorro da nossa rica advogada, um bordoga simpático, resolvi entabular uma amizade. Tinha certeza que com ele a comunicação iria fluir. Tínhamos interesses em comum. Comer e cair fora. Ao tentar alcançar um pedaço de presunto pro meu novo amigo, me abaixei e ouví aquele som de pano rasgando. Um som largo, algo como rasgar uma bandeira. Depois senti o ar entrando. Não é possível, pensei! Minhas calças!!! Meus fundilhos. De norte a sul, um rasgo do Oiapoque ao Chuí!
Me endireitei de soco. Fiquei ereto como um poste com os olhos arregalados. Coloquei a mão pra certificar a catástrofe e petrifiquei. Um rasgo maior que aquele que levou a pique o Titanic! Bem na minha popa. A casa das máquinas já inundando. Aí comecei a fazer o relatório de dados e descobri algo pior. Estava usando uma cueca amarela limão que tinha ganhado da minha irmã. Aquelas remanescentes do fim de ano pra dar dinheiro. Amarelo limão. Poderia agora ser localizado no Google Earth. Lá vai aquela ponto amarelo. Pior, não havia levado um moletom, nada. Nada pra amarrar na cintura. Pensei em me enrolar em uma cortina mas chamaria mais a atenção. Me encostei num sofá da era vitoriana e fiz um balanço da situação. Tava ferrado. A casa cheia de gente e eu de bunda de fora. Sentei num pufe e fiquei por ali. O cachorro voltou me olhando como quem diz:
– Tá, e o presunto, mano?
– Te some, pivô da desgraça!
Fiquei uns instantes sentado sorrindo para os convivas quando a dona da casa ordenou:
– Todos na fila!
O hambúrguer estava pronto, e cada um deveria montar o seu. Não tinha jeito, teria que ir. Esperei todos irem e fui me esgueirando pela parede. Parecia uma barata gigante andando encostado na parede. A reencarnação do Gregor Samsa, o personagem do Kafka em Metamorfose que acorda virado num inseto monstruoso. Os ingredientes todos do hambúrguer estavam em um balcão. Nunca ninguém montou um sanduíche de costas pro buffet como eu. Sempre com um sorriso amarelo no rosto como minha cueca. Limão. Comi encostado na parede. Aceitava bebida encostado na parede. Concordava com as pessoas encostado na parede. Aquilo era uma tortura. Durou horas. Mas enfim, uma luz no fim do túnel. Uma luz em forma de explosão. Começaram finalmente os fogos de artifício. Todos foram para o pátio. Finalmente sabia que todos olhavam para cima. Foi a deixa para sair de fininho, eu e a cueca amarelo limão. Viva a independência! Viva os fogos!
Muitos e muitos anos!

Não tenho medo de avião. Nunca tive. Acho bacana quando aquela coisa descomunal sai do chão empurrado por motores. Uma façanha da humanidade, uma vitória da ciência. Toda decolagem deveria ter a Cavalgada das Valquírias do Richard Wagner como trilha sonora. Não tenho medo. Porém, não posso dizer o mesmo de aeroportos. Tudo me assusta em aeroportos. O medo de perder o avião, de errar o portão, de me perder e ficar para todo sempre preso naquele labirinto de gates e esteiras. Isso sem falar nas áreas de checagem. Seguranças, raio-X e scanner. Me pelo de medo! Aí que essa gente, vendo o meu medo, se prevalece!
As áreas de segurança dos aeroportos americanos então, nem se fala. Depois de atentados, todo cuidado é pouco. Mesmo assim, com toda a extrema precaução ainda acontecem porcarias. O preço da liberdade é a vigilância eterna, já dizia Thomas Jefferson. Mas que assusta, assusta. E eles sabem apavorar um viajante já apavorado.
Sempre tento fazer o mais certo possível. Levo todos os documentos impressos. Passaporte válido, relatório ESTA quando uso o italiano. Tudo checado e revisado ao extremo. Mas parece que essa gente tem uma predileção em me parar. Uma vez tinha um professor no Emílio Meyer que dizia que minha cara tinha três estágios: aprontou, está aprontando ou vai aprontar. Sinceramente não concordo mas por vezes sinto que sou uma voz solitária nessa defesa.
A primeira vez que fui sozinho aos EUA estava tranquilo. Já havia entrado mais de uma vez e nada de grave havia acontecido. Minto! A primeira vez o cara da imigração ficou invocado como podia eu ficar três meses de férias em Montana. Como? Imagina como um americano que , com sorte, pode tirar no máximo 15 dias de férias, iria entender um brasileiro _ com passaporte italiano _ ficar TRÊS! meses de férias? Não entrava na cabeça dele. Foi aí que eu mostrei um gibi do Radicci para ele. Ele folhou, olhou, coçou o bigode e foi verificar no computador. Ficou uns 10 minutos olhando, olhando… sem dizer uma palavra. De repente se virou pra mim sorrindo e disse:
– Mas é um Homer Simpson italiano!
Entrei.
Mas ainda houve outra vez. Entrava sozinho pelo aeroporto de Houston, Texas. Havia ensaiado tudo que diria. Alguém havia me dito que era importante ressaltar que tinha um lugar para ficar. Iria ficar na casa de amigos em Seattle e tinha um papel com nome, endereço, Cep e tudo mais. Na hora o oficial da imigração começou uma série de perguntas. Respondia com cuidado e com os papéis todos para comprovar. Finalmente então ele perguntou onde eu iria ficar. Mostrei o papel com endereço e disse:
– Vou ficar na casa de amigos.
Então o oficial me olhou e perguntou:
– How long will you be staying? (Quanto tempo você irá ficar? )
E o burraldo aqui achou que a pergunta se referia a quanto tempo eu conhecia meus amigos e então cometi a pior resposta possível à uma pergunta de quanto tempo você pretende ficar nos EUA:
– Many , many years!!! (muitos e muitos anos!)
Levou tempo pra consertar a burrada, mas por fim entrei. Se tivesse prestado atenção nas aulas de inglês no Carmo, nada disso teria acontecido.