Edson Luiz Christian Wahlbring representa um perfil comum entre os mais de 2 mil moradores de rua presentes nas calçadas de Porto Alegre. Dependente de crack, o jovem de 25 anos abandonou a casa onde morava, no bairro Viamópolis, em Viamão. Saiu depois de vender, para comprar a droga, todos os pertences da família: máquina de lavar, fogão, bicicleta e até mesmo as toalhas de banho. Nada restou.
O rapaz seria somente mais um personagem de um drama anônimo se não tivesse sido a vítima em uma cena de covardia registrada por câmeras de segurança na véspera do Réveillon. Alemão, como é chamado, foi espancado por três seguranças contratados pela Assembleia de Deus por supostamente ter furtado um corrimão da igreja.
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Na infância, Edson Luiz foi criado pela avó, com quem morou desde os quatro anos. À época, os pais haviam se separado e não tinham condições de cuidar dele. Ele sequer concluiu os estudos. Depois de repetir três vezes o 5º ano na Escola Estadual Tolentino Maia, em Viamão, desistiu.
Ainda adolescente, teve de trabalhar. Fazia bicos: auxiliava o pai em reformas e, mais tarde, começou a cortar grama, depois de ganhar uma roçadeira. O serviço não durou muito: Edson Luiz vendeu o equipamento para comprar crack. Aos 17 anos, ele havia começado a fumar maconha. Um ano depois, estava entregue à pedra.
– Ele não era mais o mesmo, pedia dinheiro a toda hora. A pessoa muda – conta o pai, o aposentado Leonir Wahlbring, 49 anos.
Ao menos oito vezes, Leonir tentou internar o filho em clínicas de recuperação. Nunca precisou forçar uma internação: Edson Luiz sempre ia de bom grado. Mas os tratamentos não se prolongavam. No maior tempo de abstinência, somou cerca de 20 dias no Hospital Psiquiátrico São Pedro, em Porto Alegre. Na última tentativa, desistiu da estadia em uma clínica em Novo Hamburgo e voltou a pé para casa – um trajeto de pelo menos 50 quilômetros e mais de 10 horas de caminhada.
De volta para Viamão, o jovem vendeu tudo que havia na casa da avó em menos de um mês. Sobraram somente as paredes e um portão velho. O restante havia se transformado em pagamento para a compra de crack.
Edson Luiz ainda mudou-se para Taquari, onde vivia a mãe, morta há um ano vítima de um câncer no estômago. Como uma raiz que não se firma em solo algum, também não vingou por lá. Passou, então, a se dedicar à venda de galinhas com um amigo. Em uma noite, quando estacionaram o caminhão em um posto de combustíveis, Edson Luiz caiu em um buraco e sofreu um problema no baço.
Ele recebeu atendimento no Hospital de Pronto Socorro (HPS) da Capital. Depois da alta, fixou residência na Avenida Osvaldo Aranha. Em um telefonema para o pai, avisou que não voltaria mais para casa – estava cansado de lhe dar trabalho.
Em 2014, uma prisão em flagrante por roubo
Alemão tornou-se morador de rua há pouco mais de quatro anos. Neste período, manteve o hábito de ligar semanalmente para o pai, sempre a cobrar, de orelhões. Depois que ligar de telefones públicos para fixos passou a ser grátis, a comunicação entre os dois ficou mais fácil.
Edson Luiz circula pelas ruas de Porto Alegre empurrando um carrinho de supermercado, no qual acumula a sucata que encontra pela cidade na tentativa de arranjar uns trocados com a reciclagem. Ele também costuma pedir esmola e nega que tenha se entregue ao crime. No sistema policial, porém, consta uma prisão em flagrante por roubo.
Em 14 de dezembro de 2014, o jovem assaltou um pedestre na Avenida Farrapos. Levou a carteira da vítima e, segundo o boletim de ocorrência, a agrediu. Acabou preso em flagrante e cumpriu cinco meses de reclusão entre o Presídio Central e a Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas. Em liberdade, voltou às ruas.
Em 2017, o pai ainda não havia tido notícias do filho, que ligou pela última vez na noite de Natal. Pela enésima vez, Leonir pediu que ele deixasse o vício. O andarilho desconversou.
O aposentado soube do paradeiro de seu primogênito somente ao meio-dia desta quinta-feira, quando um vizinho mostrou o vídeo que, naquele momento, já somava milhares de visualizações na internet. Havia reconhecido Edson Luiz como a vítima das pauladas. Leonir chocou-se com tamanha violência e foi para as redes sociais: "Não é fácil saber que você perde um filho pras drogas e ainda tem que ver isso", publicou no Facebook.
– Eu sei que a droga é errada e que talvez não fosse de graça, mas me choca essa crueldade. Eu acho que, se a pessoa fez alguma coisa, você chega nela e fala, porque no vídeo fica bem explícito que ele não estava nem esperando. É uma covardia o que fizeram, independente do motivo. Não se faz isso aí nem com cachorro sarnento, como diz o gaúcho – desabafou Leonir na manhã desta sexta-feira.
Enquanto o pai concedia entrevista para ZH, Edson Luiz seguia errante pelas imediações da Avenida Voluntários da Pátria. Vestia somente bermuda e chinelos de dedo, deixando visíveis no dorso os ossos saltados pela magreza e as escoriações das pauladas que sofreu. Sobre a cabeça, usava um chapéu de pescador.
– A dor não é física, e sim aquela dor por dentro, a dor interior, por não respeitarem um morador de rua – disse Alemão, em entrevista à Rádio Gaúcha.