A psiquiatra e sexóloga Carmita Abdo é a primeira mulher em 50 anos a assumir a presidência da Associação Brasileira de Psiquiatria. O Diário Gaúcho encontrou Carmita na 34ª edição do Congresso Brasileiro de Psiquiatria, em São Paulo, e perguntou a ela como anda a vida sexual dos brasileiros. Confira o bate-papo:
Diário Gaúcho: Pesquisadora da área, como a senhora avalia a vida sexual do brasileiro?
Carmita Abdo: As disfunções sexuais (ejaculação precoce, falta de ereção, falta de orgasmo, desejo sexual inibido), tudo isso é tão prevalente na população que chega a ser problema de saúde pública. São índices altíssimos dessas dificuldades. Tenho feito estudos desde 2000 e a população chega a ter índices de 25 a 30% de ejaculação precoce. São compatíveis com a literatura internacional.
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O que esses números mostram?
Esses números nos trazem a percepção de que é muito constrangedor e um risco para a vida desse homem não conseguir ter controle sobre a sua ejaculação. Além disso, 1/4 das mulheres não tem orgasmos e não sabe o que fazer. Pelo menos 10% das mulheres não têm desejo de forma nenhuma por causas como a depressão, ansiedade, alterações hormonais e diabetes. Mas a depressão é um dos maiores fatores. Elas se queixam da falta de desejo, mas no consultório a gente descobre a depressão.
O que atrapalha a vida sexual das mulheres?
Causas como a depressão, ansiedade, alterações hormonais e diabetes.
Quem mais procura ajuda especializada, eles ou elas?
Os índices femininos são maiores porque a mulher vai mais ao médico, ela previne mais. Temos mais mulheres indo ao psiquiatra do que homens, como indo ao médico de modo geral. Eu trabalho junto a outras especialidades, a campanha que a gente faz na urologia é pedindo para que as mulheres levem seus parceiros ao médico, porque elas têm consciência de que é importante cuidar preventivamente. Mulher vai no ginecologista todo ano, ela vai pegar um câncer começando e vai poder tratar. Agora, se um homem tiver um câncer de próstata, ele só vai procurar um médico quando estiver com dor e o câncer já estiver disseminado, isso é muito frequentemente. Além do homem ir menos ao médico, ele volta menos.
De um lado, vemos mulheres conquistando espaços e lutando pelos seus direitos. Do outro, aumento da violência contra as mulheres como revelou a pesquisa do Datafolha, em que um a cada três brasileiros culpa a mulher em casos de estupro. Como essa dualidade atinge a sexualidade da mulher?
É muito simplório resolver que alguém por estimular o outro tem culpa de ter provocado algum tipo de estímulo refreável. Se ele desse um tapa na cara de uma outra pessoa, ninguém diria que a pessoa que levou o tapa tem culpa. Por mais que a pessoa tivesse provocado. Agora, o homem que não se controla diante de uma mulher seja por ela estar de saia curta, decote acentuado ou por ter feito algum gesto, ele se sente no direito de estuprar essa mulher?
Acho que a mulher está bem mais empoderada do que antes. Talvez o que acaba acontecendo é que nós estamos vivendo um momento de muita dificuldade de assumir até onde vai o nosso direito. Está havendo uma situação generalizada de não respeitar o limite, até onde eu posso ir, não só no campo sexual.Zero
Acompanhando os crimes contra a mulher, é possível perceber que as novas gerações continuam repetindo a mesma violência. Por que isso acontece?
Se você assistiu isso na sua vida, se formou dentro deste meio, a tendência é achar a violência natural. Ou ele se volta contra o pai em defesa da mãe ou ele acha natural bater. Mesmo que aquele garoto não tenha nascido com uma tendência à violência, se ele vivencia a violência doméstica ele pode ficar muito parecido com o pai. O mesmo ocorre com meninas que engravidam aos 15 anos.
Provavelmente são filhas de mulheres que também engravidaram aos 15 e não foram estimuladas a perceber outras realidades. Temos que trabalhar com a educação antecipando os fatos, não depois que eles aconteceram. Precisamos investir no combate à violência, não só contra a mulher, mas como um todo. Estamos vivendo um colapso de falta de respeito do ser humano.
Quais bandeiras a senhora pretende defender como a primeira mulher a assumir a ABP?
Estamos vivendo uma tendência universal de reconhecer a importância da mulher no trabalho junto à especialidade. É uma honra estar sendo aclamada pelos meus pares como alguém com competência para assumir a presidência. Tem muita coisa boa acontecendo que tenho intenção de apoiar, como levar conhecimento à população, desestigmatizar a doença mental e a prevenção do suicídio por meio do setembro amarelo.
A minha expertise é a sexualidade, logicamente é uma área que o psiquiatra é uma figura fundamental. As disfunções sexuais, muitas vezes, tem como causa a depressão, ansiedade, estresse e fobia. Mas não podemos esquecer da psiquiatra que trabalha os transtornos parafílicos (comportamentos, fantasias ou pensamentos sexuais recorrentes) e as disforias de gênero (incompatibilidade de gênero e sexo).