Gaudêncio Torquato é chamado ao Palácio do Planalto com frequência para dar opiniões. Jornalista, consultor político e professor da USP, é amigo e um dos mais próximos conselheiros do presidente interino Michel Temer. Nesta entrevista a Zero Hora, Torquato diz que, superado o impeachment de Dilma Rousseff, a reorganização da economia e as reformas previdenciária e trabalhista se apresentam como desafios imediatos do novo governo. Para o especialista, Temer prefere ser um "magistrado" na eleição de 2018. Se a recuperação econômica der certo, ele acredita que Henrique Meirelles e José Serra poderão ser os candidatos do PMDB à presidência.
A tendência é de efetivação de Temer na presidência. Quais os desafios pós-impeachment?
Confirmada a saída da presidente e a consolidação do Michel Temer na presidência, os desafios vão começar a aparecer. Primeiro, precisa recompor a situação da economia. A situação é muito complicada. Primeiro passo é esse: melhorar os índices da economia. Aprovar a PEC da limitação dos gastos públicos, pela qual se estabelece um teto, a renegociação da dívida dos Estados e buscar caminhos para que os Estados adotem o mesmo comportamento da União no sentido de ter um teto para os gastos. Fazer a reforma da Previdência, procurando o mínimo de consenso em torno da idade da aposentadoria, com 65 anos para o homem e 63 anos para a mulher. Reforma trabalhista é outro ponto a se abordar mais adiante, particularmente no sentido de desengessar as relações trabalhistas, fazer com que os acordos das convenções coletivas prevaleçam sobre o legislado e tentar aprovar a terceirização. Na minha visão, são esses os desafios que se apresentam ainda neste ano ao presidente Michel Temer.
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A terceirização seria para a atividade-fim?
Tem dois projetos. Um está no Senado, foi aprovado na Câmara. E outro foi aprovado pela Câmara e pelo Senado, foi para a sanção presidencial em 2002 e o Lula devolveu esse projeto para a Câmara em 2003. Trata-se de verificar qual o projeto é mais viável. É terceirização da atividade-fim e atividade-meio. Isso precisa ser discutido à luz da modernidade. Não se trata de precarização. Ao contrário, dará segurança jurídica aos terceirizados, que terão todas as condições dos trabalhadores efetivos, como férias, 13º salário, todos os direitos serão garantidos. O terceirizado será mais amparado. Temos 12 milhões de desempregados. É importante aprovar. As centrais sindicais não querem evidentemente porque, para elas, interessa ter uma massa efetiva. Eles arrecadam mais. As centrais estão preocupadas apenas com o bolso delas. Não olham a situação do desemprego.
Uma reforma sindical poderá ser pautada?
Eu acredito que a reforma é a trabalhista. Os sindicatos, na minha visão, precisam se adequar a realidade e deixarem de ser esses monstrengos paquidérmicos que se preocupam com os seus cofres.
As reformas são delicadas e dependem de base parlamentar sólida. Passado o impeachment, Temer precisará rever e fortalecer a base aliada, fazer mudanças em ministérios? Uma repactuação com o PSDB está na pauta? Os comentários são de relação difícil.
Michel Temer foi presidente da Câmara três vezes. Certamente, terá habilidade para discutir com a Câmara e com o Senado para chegar a bom termo. Evidente que essa polêmica com o PSDB é pontual e circunstancial, tem como eixo a questão do aumento dos salários no Supremo Tribunal Federal de R$ 33 mil para R$ 39 mil. O PSDB não concorda com isso. O momento é muito difícil. Como que, em momento de contenção, você vai aumentar salários? O pleito do STF já vem de muito tempo, o problema é chegar em consenso sobre o que fazer. Teme-se que esse aumento crie uma cadeia que atinja os tribunais de todos o país, gerando uma despesa de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões. Eu acho que essa questão será rediscutida após o impeachment. Aí é possível chegar ao mínimo de consenso. Eu vejo a possibilidade de o governo ter sua base preservada de forma a garantir maioria confortável para garantir a governabilidade, com 350 deputados, até mais eventualmente. Na medida que a economia se recupera, evidente que a adesão ao governo será maior. Mostrando avanços na área econômica, creio que ele vai obter maior simpatia tanto na Câmara quanto no Senado.
Uma recomposição de forças e minirreforma ministerial é necessária?
Acredito que, depois do impeachment, poderá acontecer um redimensionamento para verificar se o atual ministério corresponde ao quadro de forças. Talvez um ou outro nome que não esteja dando respostas satisfatórias seja mudado. Mas acredito que Michel Temer vai inaugurar o que chamo de presidencialismo-mitigado, atenuado, sem aquela força do presidencialismo imperial e absolutista que tem caracterizado os governos desde o Fernando Henrique para cá. O Michel vai querer governar compartilhando o poder com o Congresso, fazendo um semiparlamentarismo. Não se trata apenas de indicar cargos para o governo, mas definir e participar das políticas e governar conjuntamente. Isso poderá acontecer depois do impeachment.
Esse semiparlamentarismo será apenas na forma de atuar ou poderá haver proposta de mudança constitucional no modelo de governo brasileiro?
Isso na conduta, em termos de prática, e não mudança de regime. Não há condição de mudar regime. É questão de inaugurar na prática o semiparlamentarismo.
Como será a primeira manifestação de Temer na TV quando confirmado presidente?
Será simples. Vai dizer que governará acima dos interesses de grupos, tendo como lema a ordem e o progresso. Vai mostrar que o compromisso dele é de resgatar a economia, os valores da democracia brasileira, tentando respeitar os poderes, trabalhar para diminuir o desemprego. Vai motivar o empresariado e os setores produtivos, fazer as reformas necessárias para a modernização do país. Cuidando sempre dos programas sociais, não deixando eles sem apoio, até pelo contrário, procurando reforçar o Bolsa Família, o Minha Casa Minha Vida. Ele vai pedir que olhemos para o futuro. E vai se posicionar como um democrata, pessoa que respeita as minorias.
Na reunião do G20, na China, como ele deverá se manifestar?
O presidente vai procurar mostrar a força do Brasil, o potencial do país e procurar entusiasmar os empresários chineses a fazerem investimentos no Brasil. Ele vai mostrar que temos áreas importantes que podem ser alvo de investimentos. Portos, aeroportos, estradas, exploração de recursos naturais. Nosso Estado está muito gordo. Podemos nos desfazer de algumas áreas que poderiam ser tocadas pela iniciativa privada.
Então privatizações e concessões são foco de Temer na ida à China?
Certamente. Vamos chamar de desestatização de algumas áreas.
Quais seriam essas áreas?
Portos, aeroportos, a própria exploração de petróleo. A Petrobras não precisa ser obrigada a participar de tudo. Abrir um pouco o país para os investimentos, mostrando a segurança jurídica e a força da economia brasileira.
O PT bateu bastante na tecla do golpe no Exterior, em busca de apoio. Alguma manifestação de Temer na China será feita para repelir isso diante de líderes mundiais?
Não. Ele não vai se referir ao passado, mas ao futuro. Essa questão de golpe está ultrapassada. Ficou desmanchada com a participação de Dilma no julgamento.
Lava-Jato é o principal fator de preocupação para o governo Temer?
A Lava-Jato deve seguir normalmente, é operação de alto interesse ao país. É preciso extirpar os tumores do câncer cuja metástase se espalha pela política nacional. É preciso que a operação vá adiante com apoio do governo e da sociedade civil, evidentemente dentro do estado de direito, dando expressão aos acusados para que possam fazer suas defesas. Me parece que existe hoje uma querela entre o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal, isso faz parte do jogo. Mostra que nossas instituições estão em pleno funcionamento.
A citação de Temer na delação da Odebrecht, pedindo dinheiro para campanhas do PMDB, é um risco político?
As delações precisam provar o que é propina e o que foi doação oficial. Os partidos que receberam recursos da Odebrecht e que publicaram esses recursos em suas contas, estão ancorados na lei. Se houve propina, que se prove. Quem recebe uma quantia, não vai querer saber de onde saiu, mas deve colocar na prestação de contas da campanha. Acho que essa questão não deve entrar na pauta do governo nos próximos tempos.
O senhor acredita que o governo irá se posicionar no debate das 10 medidas de combate à corrupção sugeridas pelo MPF? Há itens elogiados, mas outros criticados.
Tenho impressão que todas as iniciativas no sentido de investigação serão apoiadas por toda a sociedade e governos de modo geral. Agora, é preciso procurar verificar o que é ou não direito. Essa questão das provas ilícitas conseguidas com boa-fé (risos)... Isso é um debate que deixo ao crivo dos operadores do direito, mas faço essa observação. É preciso discutir as 10 medidas para ver se elas atendem ao Estado de Direito.
Temer disse que não se candidata em 2018. Caso chegue lá com o país fora da crise e avaliação popular melhor, poderá ser pressionado a concorrer?
Muito difícil. O Michel Temer tem o sonho de arrumar contas do país, pacificar e entregar ao sucessor em 2018 de forma tranquila, com as reformas e em processo de desenvolvimento. Tenho impressão de que ele gostaria de ser mais um magistrado em 2018 do que um concorrente. Se a economia der certo, haverá, na minha visão, alguns candidatos interessados, como o ministro Henrique Meirelles (Fazenda), o ministro José Serra (Relações Exteriores), ao lado de concorrentes que já conhecemos como Aécio Neves e Geraldo Alckmin. O Michel não tem essa intenção de se candidatar. Não faz parte do plano dele.
Meirelles poderá ser nome do PMDB?
Ele é filiado ao PSD, mas até lá...Pode ser candidato do PSD ou pode ir para o PMDB. O ministro Serra pode sair do PSDB e ir para o PMDB. Tudo isso é possível. As janelas estão abertas. Tem todo o 2017 para avaliar isso. Tudo dependerá dos cenários político e econômico. Com a economia arrumada, os atores políticos vão querer se apresentar como mães, pais ou parentes dessa arrumação.
Em 2018, o PT ainda deve ser o maior adversário do bloco que está no poder com Temer?
O PT está em declínio e precisa renascer. O partido está dividido em alas. O próprio Lula poderá ser a pessoa a comandar o PT diante da divisão que existe hoje entre a CNB e a Mensagem ao Partido, do Tarso Genro e do José Eduardo Cardozo. Essas duas alas vão se digladiar. O Lula poderá ser o candidato salomônico. O Lula vai ter de correr atrás dos valores que inspiraram a criação do PT. Vai ser um partido menor. Na minha visão, neste ano, o PT não terá aquela força de campanha. Hoje tem 650 prefeitos. Se eleger a metade, já está bom. E o Lula vai ter de buscar apoio dos movimentos sociais e, talvez, se basear num sindicalismo de resultados. Essas bandeiras socialistas clássicas de um estado gordo. O PT vai ter de renascer das cinzas. Mas acredito que a polarização entre PT e PSDB deixa de existir. Teremos novos atores no espectro ideológico. Esse Centrão, de oito, nove, dez partidos médios, terá papel importante no quadro político. O PMDB continuará o maior e o PSDB vai ter bom desempenho nas eleições, sem dúvida.
O senador Romero Jucá pode voltar ao governo?
Vai depender da eventual absolvição ou condenação dele pelo STF. Acho que ele é um exímio articulador político, conhece bem os números da economia, é experiente, mas não vejo necessariamente a volta dele como essencial. Ele poderá fazer bom trabalho como líder no Senado. Mas, se absolvido, certamente voltará ao ministério.