Deixe a grande ideia para a pessoa mais jovem do laboratório.
No final de janeiro, Xuyu Qian, de 23 anos, estudante do terceiro ano de pós-graduação da John Hopkins, estava conversando com o neurologista Hongjun Song.
Song tentava descobrir como testar seu modelo tridimensional de cérebro – bem, não exatamente um cérebro, mas um "organoide", essencialmente uma pequena bola de células formada por células-tronco e que imitam o desenvolvimento inicial do órgão.
"Precisamos de uma doença", disse ele.
E Qian falou sobre algo que havia visto nas manchetes: "Por que não damos uma olhada no vírus zika?".
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Em poucas semanas, essa sugestão levou a uma das descobertas mais significativas nos esforços para responder a uma pergunta central: como o vírus zika causa danos no cérebro, incluindo cabeças anormalmente pequenas, em bebês nascidos de mães infectadas?
A resposta poderia estimular descobertas para prevenir os problemas neurológicos devastadores. E o tempo é essencial. Um ano após o vírus ter sido confirmado na América Latina, e ter desencadeado uma crise abrangente capaz de atingir os Estados Unidos neste verão, ainda não existem tratamentos ou vacinas.
Song, no Instituto de Engenharia de Células da universidade, onde ele e sua mulher e parceira de pesquisa, a doutora Guo-Li Ming, ofereceram um tour por pipetas e placas de petri, diz: "Não podemos esperar. Traduzir nosso trabalho para a clínica, para o público, geralmente leva anos. Este é um caso em que podemos fazer a diferença agora mesmo".
O avanço inicial do laboratório, publicado em março com pesquisadores de duas outras universidades, mostrou que o vírus zika ataca e mata as chamadas células progenitoras neurais, que se formam no início do desenvolvimento fetal e geram neurônios no cérebro.
Em abril, a equipe e outros colaboradores publicaram um estudo no jornal Cell mostrando que esse ataque do vírus resultou em organoides cerebrais menores: células progenitoras danificadas criam menos neurônios, fazendo com que o cérebro tenha um volume menor.
Isso pode explicar os cérebros e cabeças menores, uma condição chamada microcefalia, de alguns bebês expostos ao zika durante a gravidez.
"Acho que eles acertaram em cheio. É totalmente consistente com a patologia que foi vista nas crianças que morreram ou nos fetos abortados", afirma o doutor Eric Rubin, professor de Imunologia e Doenças Infecciosas de Harvard.
As pesquisas sugerem outros aspectos preocupantes da infecção pelo zika: que mesmo pequenas doses do vírus por períodos curtos podem causar danos e que ele é mais prejudicial no primeiro trimestre da gravidez, mas também pode ser perigoso no segundo.
Ainda há muito mais a aprender, e a colaboração iniciada por uma observação de um cientista iniciante agora inclui nove laboratórios em seis locais em todos os EUA.
Equipes do Brasil e da Universidade da Califórnia, em San Diego, também descobriram que o vírus ataca as células progenitoras neurais e encolhe os organoides cerebrais. A equipe de San Diego relatou que o zika superativa uma molécula que normalmente protege contra os vírus, e o excesso de atividade parece ligar genes que estimulam a destruição das células progenitoras.
No Rio de Janeiro, Stevens Rehen, neurocientista do Instituto D´Or de Pesquisa e Ensino, explicou que a equipe brasileira também está testando medicamentos, buscando algum que bloqueie a ação do vírus zika. Mas eles podem testar apenas os aprovados no Brasil; importar remédios de outros lugares envolve semanas de burocracia. "Precisamos ser rápidos", diz Rehen.
Em fevereiro, Song e Guo-Li Ming estavam confusos sobre como estudar o zika quando não tinham nem amostras do vírus; mesmo que conseguissem algumas, seu laboratório não possuía aprovação para trabalhar com ele.
Então Song recebeu um e-mail de seu amigo Hengli Tang, virologista da Universidade Estadual da Flórida.
Segundos depois da chegada do e-mail, o telefone de Tang tocou.
"Ele disse: ‘Nem li o e-mail, só vi a palavra zika e liguei’. Ele parecia muito animado e explicou: ‘Estávamos agora mesmo discutindo onde encontrar o zika, porque temos um sistema perfeito para estudar o vírus’", relembra Tang.
No dia seguinte, células neurais partiram para o laboratório de Tang na Flórida, embaladas em frascos no gelo, as primeiras de várias trocas rápidas pelo correio. Os pesquisadores da Johns Hopkins mandaram quatro tipos de células: dois de células tronco, que podem ser transformadas em outros tipos de células humanas; neurônios; e células progenitoras neurais.
Song e Guo-Li Ming estavam apostando que o vírus da zika tinha como alvo as células progenitoras neurais. Eles haviam estudado longamente casos de microcefalia que não estavam relacionados com o vírus zika e sabiam que as células progenitoras haviam sido danificadas naqueles casos.
Leva anos para aprender a lidar com essas células exigentes. Tang não tinha esse tipo de experiência, então uma aluna de pós-doutorado da Johns Hopkins, Zhexing Wen, imediatamente voou para a Flórida para ajudá-lo. Mais tarde, Xuyu Qian também foi.
Tang não estava esperando muito da primeira experiência adicionando o zika aos quatro tipos de células. "Para ser honesto, esse devia ter sido um estudo piloto. Não tínhamos nem ideia, primeiro, se o vírus iria infectar aquelas células."
Mas, em uma semana, os resultados foram surpreendentes. O vírus atacou as células progenitoras neurais muito mais agressivamente do que os neurônios ou as células-tronco.
"Fiquei impressionado", afirma Song.
Os resultados mostraram que o vírus zika é mais perigoso no primeiro trimestre, quando a maioria das células progenitoras é formada. Nessas células, a infecção aumentou a atividade de uma enzima, a caspase 3, que sinaliza e também contribui para a morte das células, explica Guo-Li Ming.
Em humanos saudáveis, essa enzima e outras contribuem para "a morte programada das células", necessária para que não se dividam ou cresçam sem parar, como células cancerosas. Mas matar muitas células ou na hora errada, cria problemas drásticos para o desenvolvimento.
Rapidamente, à medida que outros cientistas viram meios de trabalhar com os resultados, os celulares dos pesquisadores da Johns Hopkins começaram a tocar.
Mas eles sabiam que as primeiras experiências não tinham um elemento crucial. Elas foram feitas em células em placas, em 2-D. Como o zika trabalharia em 3-D, em uma experiência mais complexa e mais parecida com o que ocorre no cérebro?
É aí que entram os organoides do cérebro, esferas contendo células tronco diferenciadas em vários tipos de células cerebrais. À medida que elas crescem, imitam o desenvolvimento do cérebro dos fetos; um organoide de 100 dias se parece com o final do segundo trimestre de gravidez, diz Guo-Li Ming.
Eles mandaram os organoides para Tang na Flórida, uma tarefa que ficou mais fácil porque três alunos do colegial passaram seus estágios de verão projetando biorreatores giratórios em miniatura, usados para incubar os organoides. Construída com partes impressas em 3-D, eram menores do que os biorreatores padrão e mais baratos para usar porque precisavam de menos material de crescimento de células.
Enquanto isso, depois das descobertas de março, o laboratório do Centro Nacional para o Avanço das Ciências Translacionais (NCATS, na sigla em inglês para National Center for Advancing Translational Sciences) em Rockville, Maryland, começou a agir. Wei Zheng, que administra o laboratório, parte do programa de Terapias para Doenças Raras e Negligenciadas, diz que o fato de o vírus aumentar a enzima caspase 3 lhe deu uma maneira de testar medicamentos em células infectadas com o zika.
A primeira coisa era procurar drogas que bloqueassem o ápice da caspase 3. Depois, eliminar os medicamentos que são tóxicos para as próprias células. Finalmente, ver se os remédios restantes impediriam que o vírus zika matasse as células.
Depois de receber as células progenitoras, Zheng descobriu 173 drogas que bloqueiam o crescimento da caspase 3, cerca de três dúzias o fizeram sem prejudicar as células e uma – apenas uma – evitou que o vírus zika matasse a célula. O medicamento, que ele não quis identificar, não é aprovado, mas passou por exames de segurança e está em testes clínicos com pacientes de câncer, explica o pesquisador.
Ele mandou o medicamento para a Johns Hopkins, onde exames preliminares estão dando o mesmo resultado. Mas mesmo se as respostas forem replicadas em ratos e em humanos, os obstáculos permanecem, entre eles, determinar se é seguro para mulheres grávidas e decidir quem tratar já que muitas mulheres infectadas com o zika tiveram bebês saudáveis.
Além disso, um medicamento que pode "salvar as células depois que estão infectadas" não é o prêmio real, explica Song. "Na verdade, o melhor remédio seria prevenir a infecção das células em primeiro lugar."