Utilizados como munição por militantes, artigos de jornais estrangeiros têm provocado polêmica nas discussões entre aqueles que são favoráveis e contrários ao impeachment da presidente Dilma Rousseff. Nas últimas semanas, textos escritos por pesquisadores e jornalistas, e publicados por jornais de grande circulação, foram compartilhados nas redes sociais como se expressassem a opinião dos veículos. Às vezes retirados de contexto, os materiais serviram para acirrar os debates sobre a existência ou não de um "golpe" em curso no país. ZH consultou as principais publicações dos Estados Unidos, da Europa e da América Latina para medir como tem sido a cobertura da imprensa mundial a respeito da crise política no Brasil.
De uma maneira geral, os jornais estrangeiros não ecoam o discurso governista de que o processo de impeachment se constitui em um "golpe" contra a presidente Dilma Rousseff. Nos editoriais, espaços em que as publicações manifestam a sua posição, as análises têm sido amplas, desde os motivos que levaram ao início do processo até as consequências políticas e econômicas da saída da presidente. À exceção do argentino Pagina 12, de viés esquerdista, que classifica o afastamento de Dilma como "golpe" e do conservador La Nación, que apoia a destituição da presidente, a maioria dos jornais têm optado por tentar traduzir para o seu público específico o que vem ocorrendo no Brasil e quais são os cenários possíveis para a saída da crise. O Público, de Portugal, por exemplo, levanta preocupações sobre o vácuo de poder que pode ser criado.
"Não há, na linha da frente deste indecoroso circo, nome ou vulto que sobressaia pela positiva e inspire confiança. Por isso, o risco de ingovernabilidade é grande", afirma o jornal.
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Alguns jornais, além de contextualizar o momento, chegam a opinar a respeito da melhor saída para a crise enfrentada pelo país. É o caso do Washington Post, que sugere a realização de novas eleições por entender que nem Dilma, nem Michel Temer, nem Eduardo Cunha, os dois seguintes na linha de sucessão presidencial, têm condições de recuperar o Brasil. "Dilma Rousseff insiste que o movimento de impeachment contra ela é 'um golpe contra a democracia'. Não é", afirma o jornal norte-americano.
O Chicago Tribune, mais preocupado com as questões econômicas, pede agilidade ao vice-presidente Michel Temer na adoção de medidas para recuperar as finanças do país e mostra que está atento às propostas do peemedebista, listando inclusive pontos do documento Ponte para o Futuro, protocolo de intenções dele para o futuro governo.
A abordagem em relação ao vice-presidente tem sido crítica por parte dos jornais. Em editoriais, artigos de opinião e reportagens, a capacidade de liderança de Temer é vista com desconfiança, e a sua impopularidade, colocada como entrave para que ele retire o país da crise. O El País classifica o peemedebista como um "personagem obscuro".
Além dos espaços para reportagens factuais – aquelas a respeito dos últimos acontecimentos –, os jornais estrangeiros têm publicado textos com análises mais profundas e interpretativas da crise, além de artigos de opinião.
"O impeachment é também sobre outra coisa: a vitória eleitoral da presidente há dois anos com uma margem pequena de votos mostra que uma grande parte da sociedade brasileira tem estruturas conservadoras", criticou o alemão Spiegel, ao falar sobre as constantes referências dos deputados a Deus e à família na sessão do dia 17 de abril.
O conteúdo por vezes causa confusão entre os militantes, que utilizam os materiais para sustentar determinada tese. O site do PT, por exemplo, fez um apanhado de reportagens publicadas a respeito do impeachment sob o título "Mídia internacional denuncia golpe em curso no Brasil". A matéria foi compartilhada por milhares de seguidores da sigla, mas, se o teor das supostas denúncias for examinado a fundo, se notará que, à exceção de jornais claramente identificados politicamente com a esquerda, as publicações apenas registram declarações da presidente e de apoiadores, que se dizem vítimas de golpe, e contextualizam o cenário político vivido pelo país, com a briga entre oposição e governo e o andamento do processo no Congresso.
– Existe uma batalha midiática em torno da narrativa do impeachment. Os grupos têm os seus argumentos e reproduzem essas ocorrências internacionais de acordo com os seus interesses, dentro dos próprios grupos, das suas bolhas – explica o especialista em jornalismo internacional e professor da PUCRS Alexandre Elmi.
Veja abaixo como cada publicação aborda a crise política brasileira: