Reagir com mais vigor é uma das estratégias do Palácio do Planalto para brecar a crise política. Ministro do Trabalho e da Previdência, Miguel Rossetto incorpora esse papel ao subir o tom das críticas contra o juiz federal Sergio Moro, que conduz processos da operação Lava-Jato e levantou o segredo de justiça de grampos feitos em conversas telefônicas do ex-presidente Lula. Não estão descartadas medidas do governo e do PT contra Moro, embora Rossetto evite falar sobre detalhes.
Ele também é contumaz nas críticas ao ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Para Rossetto, Mendes atua como agente político e deveria ser "impedido de julgar ações que envolvem o PT, Lula e o governo".
Na última sexta-feira, o ministro suspendeu liminarmente a posse de Lula como ministro-chefe da Casa Civil. Confira abaixo a íntegra da entrevista:
Quanto às declarações do novo ministro da Justiça, de que caso haja vazamento equipes da Polícia Federal (PF) devem ser trocadas, existem interpretações de que isso possa ser uma intimidação à Lava-Jato. Como é que o governo está analisando esta situação?
Em hipótese alguma. O ministro da Justiça é responsável pela gestão do ministério e isso envolve a Polícia Federal. A autonomia da Polícia Federal seguramente será preservada pelo novo ministro, como sempre foi. O país vive uma situação de enorme gravidade institucional, a partir da instalação da comissão de impeachment. Apostar nessa aventura ilegal é jogar o país numa desordem social, econômica e institucional por longo prazo. Imaginar deputados federais liderados por Eduardo Cunha, réu por decisão do Supremo Tribunal Federal, liderando o afastamento de uma presidenta eleita por 54 milhões de votos e que não cometeu nenhum crime, é um atentado a qualquer senso de Justiça e de responsabilidade política com o país. Este movimento deverá ser derrotado na comissão e em plenário. Não há nenhum crime de parte da presidenta Dilma Rousseff, condição única prevista na Constituição Federal para afastamento de presidente.
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Qual é a posição do governo hoje, oficialmente, em relação à Polícia Federal e à Operação Lava-Jato?
O governo tem valorizado a Polícia Federal, já a partir do governo do presidente Lula e fortalecido as instituições da Polícia Federal durante o governo da presidenta Dilma Rousseff. Assegurando profissionalismo, autonomia funcional para que a Polícia Federal cumpra o seu papel. Eventuais desvios de alguns agentes da Polícia Federal deverão ser coibidos, porque a obrigação da Polícia Federal é trabalhar dentro ou a partir das leis da Constituição Federal, como todas as instituições. Todos aqueles que, sinceramente, combatem a corrupção devem reconhecer no presidente Lula e na presidenta Dilma lideranças claras do fortalecimento das instituições, Polícia Federal, Ministério Público Federal, colaboração com o Judiciário com o combate e constituição de organismos de controle, como a CGU, de controle e combate à corrupção. Não é isto que divide o nosso povo neste momento, o que divide o povo brasileiro, o que separa, o que divide, são aqueles que têm compromisso com a democracia, com a Constituição, com a legalidade do mandato popular e aqueles que, infelizmente, vão às ruas pedindo a volta da ditadura, estimulam o racismo, a xenofobia, a intolerância. O testemunho claro do compromisso da presidenta Dilma, que em nenhum momento obstruiu o processo judicial, foi a recondução para a Procuradoria-Geral da República, de Janot, condutor da Operação Lava-Jato.
Na questão da gravação da conversa de Lula e Dilma, ficou a sensação de que eles estariam supostamente arquitetando algo para que ele pudesse ter o foro. Como os senhores têm analisado essa situação?
Em hipótese alguma. Os dados mostram, e o próprio depoimento formal do juiz (Sergio) Moro, de que as gravações envolvendo a presidenta Dilma foram feitas sem autorização judicial, o que é gravíssimo. Tão grave quanto a divulgação, pelo próprio juiz Moro, destas gravações, e de gravações de natureza particular envolvendo o presidente Lula, que em nada têm a ver com o processo. Isto é um atentado às garantias constitucionais básicas das liberdades individuais. A gravidade, é grave a situação quando juízes usam dos seus instrumentos de força para o exercício da atividade judicial, escuta telefônica, condução coercitiva, prisão, para fazerem política. Isto é grave.
Na avaliação do senhor, a Polícia Federal e o juiz Sergio Moro exorbitaram algumas das suas competências?
O juiz Moro registra que a Polícia Federal gravou a presidenta Dilma sem autorização judicial. O juiz Moro desenvolve ações condenadas pelo pensamento jurídico brasileiro, como a condução coercitiva, como o abuso das delações premiadas, que constitui regime de exceção. A própria OAB recentemente entra com denúncia junto ao Conselho Nacional de Justiça por esta conduta do juiz Moro, que grava advogados no exercício de suas atividades. Portanto, se a lei é para todos, é também para os juízes. Portanto, é um momento de atenção do nosso país para que se evitem esses excessos e todos respondam à legalidade e à Constituição. Todas as instituições. O presidente Lula é convidado e vai para o governo da presidenta Dilma num momento de gravidade política do país para colaborar com a presidenta Dilma na recomposição da estabilidade política para o país. O que é fundamental, com a sua extraordinária liderança e experiência para que o país possa retomar uma agenda de desenvolvimento e o governo cumpra suas obrigações, cumpra suas tarefas de governar o país. Dizer que a ida do presidente Lula para o governo é buscar impunidade é desrespeitar os ministros do Supremo Tribunal Federal. Todos, e isto inclui ministros, senadores, deputados que recebem denúncias passíveis de investigação, são investigados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. É um desrespeito à Suprema Corte, à Justiça brasileira. O presidente Lula em nenhum momento deixou de se apresentar a todas as instâncias do Judiciário brasileiro, sempre teve uma conduta de colaboração. O que nós estamos vivendo é uma intensa luta política no nosso país, onde os setores derrotados nas eleições de 2014 buscam inviabilizar permanentemente, inviabilizar o governo, impedir que o governo trabalhe e criam instabilidades artificiais de uma forma permanente usando todos os meios possíveis. A presidenta Dilma foi eleita com 54 milhões de votos, uma imensa maioria social, com um programa de mudanças, para continuar as grandes mudanças para o país, mudanças que constituem um patrimônio do povo brasileiro, que tem mais escola, que tem mais casa, que tem uma renda maior, que tem um salário mínimo maior, que tem mais oportunidades, e é esse movimento que a oposição busca inviabilizar, a construção desse país mais igualitário, mais justo.
Como é que o governo está analisando e avaliando o impacto da decisão da OAB de dar apoio ao processo de impeachment?
Isso é muito importante. A informação que tenho, diretamente da OAB é de que a OAB não aprovou o apoio ao impeachment. A OAB apoiou ou aprovou a abertura de investigação, o que é outra coisa. Esta mesma reunião da OAB aprova a denúncia, junto ao Conselho Nacional de Justiça, do juiz Moro, pela forma autoritária e ilegal com que vem conduzindo a Lava-Jato. Da mesma forma, e isso é muito importante, como exige uma atenção à conduta de Gilmar Mendes, absolutamente incompatível com o que se espera que o magistrado, na sua imparcialidade e serenidade no julgamento de temas que envolvem o presidente Lula e o governo PT. O senhor Gilmar Mendes agride permanentemente aquilo que se espera da ponderação, e estou repetindo, da serenidade de um juiz, e deveria, se responsável fosse, impedido de julgar ações que envolvem o PT, o presidente Lula e o governo.
O senhor avalia que o ministro Gilmar Mendes está jogando um papel político-partidário?
Permanentemente. É notório. Suas opiniões são claras, públicas e permanentemente desrespeitosas com o PT, com o presidente Lula, com a presidenta Dilma, com a OAB, com os advogados. Foi assim durante todo o processo que envolveu o financiamento empresarial das campanhas, em todos os momentos. Portanto, não se espera do senhor Gilmar Mendes uma conduta que é uma exigência para um juiz, serenidade, imparcialidade e efetiva dedicação ao cumprimento da legalidade. Isso é grave.
Na opinião do senhor, a que se deve essa conduta?
Se deve a uma postura política e ideológica. O ministro Gilmar Mendes, de uma forma permanente e desrespeitosa, se afasta da conduta que a toga exige como servidor público da Justiça e garantidor da legalidade.
Existem medidas que o governo pensa em tomar a respeito disso?
A OAB, nós estaremos sim avaliando, e aqueles que se sentem agredidos, iniciativas no sentido de coibir uma conduta que não seja orientada pela legalidade e pela postura adequada de um juiz.
Mas coibir como, ministro? Tem medidas mais objetivas que o senhor poderia citar?
Não, são medidas que deverão ser tomadas por todos aqueles que se sintam agredidos por esta conduta.
Está circulando na bancada do Partido Progressista (PP) um documento pedindo o chamamento do diretório nacional, possivelmente para o dia 29, para votar uma eventual ruptura, saída do governo Dilma, o PMDB na mesma linha. Dentro dessa grave crise política que o senhor mesmo mencionou e com essas ameaçadores defecções da base, como é que o governo vai ter possibilidade de trabalhar na comissão do impeachment para tentar manter a sustentabilidade e rechaçar esse processo?
Sim, mas esta iniciativa do PP gaúcho, entre os deputados federais que estão indiciados na Lava-Jato, todos eles estão indiciados na Lava-Jato, todos os deputados federais do PP gaúcho, são eles que tomam essa iniciativa? São os parlamentares do PMDB que também estão indiciados na Lava-Jato e seguem a liderança do também indiciado deputado Eduardo Cunha? Isso não é sério. Os impasses do país serão resolvidos dentro da democracia e do respeito à Constituição ou não serão resolvidos. Não há qualquer acusação, não há qualquer crime de responsabilidade que envolva a presidenta Dilma Rousseff. Esta é a primeira pergunta que os parlamentares devem responder: qual o crime que a presidenta Dilma Rousseff cometeu que justifique o seu afastamento dentro das normas constitucionais do nosso país, esse é o tema central.
Dentro dessas possíveis defecções da base aliada, PMDB e PP são partidos fundamentais...
Tanto o PMDB como o PP têm divisões já no processo eleitoral. Lembre que o próprio vice-presidente Michel Temer, que disputou a indicação para vice-presidente, foi eleito por maioria. Existem divisões, o próprio PMDB do Rio Grande do Sul e o PP do Rio Grande do Sul não apoiaram a presidenta Dilma nem o vice-presidente Michel Temer. Portanto, divisões vêm já do processo eleitoral. O PTB tem uma divisão clara entre uma maioria responsável, que participa do governo, que trabalha pela estabilidade do país, que cumpre a sua responsabilidade, e uma outra parcela que é liderada por Eduardo Cunha, não tem uma unidade nisso. Da mesma forma o PP, são deputados, todos eles envolvidos na Lava-Jato. Que sempre fizeram oposição com o governo. Não há uma unidade nisso. O que o governo da presidenta Dilma busca é uma estabilidade, e é nesse sentido que o presidente Lula no governo vai colaborar, é a estabilidade que interessa ao país. Para que o governo possa trabalhar. É isto que interessa à população e à sociedade brasileira. E não esta estabilidade política artificialmente construída. A estabilidade que interessa só será construída a partir do respeito à democracia, à Constituição e à lei.
Existiu uma avaliação durante a última semana de que o Eduardo Cunha conseguiu colocar deputados próximos dele ou da confiança dele nas principais funções da comissão do impeachment, o presidente Rogério Rosso, e também o relator Jovair, e a própria questão que houve polêmica do Carlos Sampaio na primeira vice-presidência. O governo faz avaliação de que talvez a comissão esteja dominada por aliados do Eduardo Cunha?
Não, não, não, não. A comissão expressa uma maioria responsável do ponto de vista político. É preciso que fique claro, o limite da política é a lei. Os deputados da comissão deverão se posicionar é a partir da identificação de crimes de responsabilidade da presidenta Dilma Rousseff, o que não existe. Portanto, não há hipótese de que a Constituição seja rasgada ou fraudada, esse é o tema central. É o único tema que deverá ser respondido pelos deputados, previsto na Constituição brasileira, a existência de crime ou não pela presidenta Dilma Rousseff. Fora disso, é golpe. Inaceitável para o país.
Do ponto de vista político, ministro, o senhor que é uma liderança experiente e de larga trajetória, existe hoje um clima de dificuldade política, fora o clima do país inteiro, mas na comissão, existe uma avaliação de que há líderes pró-Cunha nas funções principais?
Aqui, nesta comissão, não existe espaço para a política. Existe espaço para a Constituição brasileira e os deputados devem responder a esta única questão: a presidenta Dilma Rousseff cometeu algum crime de responsabilidade como estabelecido na Constituição? Não, não há. Esse é o tema central. Sair disso é conduzir o país para a ilegalidade, a aventura, a desordem.
No domingo passado, ocorreram manifestações muito fortes no país inteiro, com milhões de pessoas. Na última sexta-feira, houve um número menor mas bastante significativo de pessoas que foram às ruas em defesa da presidente Dilma, de Lula e do governo. Está posto um processo de polarização do país, com uma certa radicalização. Preocupa a vocês a possibilidade de confronto?
O país vive um processo de polarização, ela dá continuidade à polarização das eleições de 2014. Por isso, é importante ter absoluta responsabilidade neste momento. As diferenças de opinião, as polarizações políticas, elas deverão ser resolvidas dentro do ambiente da democracia e do respeito à legalidade. Faz parte da democracia e é uma garantia democrática a expressão da diversidade de opiniões. O Brasil será vitorioso, sairá maior dessa crise, fortalecido, desde que resolva seus desafios, suas diferenças, respeitando este ambiente democrático e a legalidade. Fora disso, não existe a estabilidade. O que nós devemos combater é a intolerância, a violência, a agressividade que infelizmente têm se manifestado em manifestações. Esta polarização política do país, expressa opiniões diferentes, mas o que é fundamental é a preservação deste ambiente de respeito e a recuperação de um ambiente de respeito e de tolerância e da nossa capacidade de solução das diferenças neste ambiente, enfim, de respeito, democrático e da legalidade.
O país está vivendo uma crise bem significativa, grave, do ponto de vista econômico institucional. Existem críticas de que o governo não está propondo uma agenda para sair da crise, por mais difícil que isso seja. Na visão do senhor, como ministro e que tem um papel central, qual é a pauta hoje que precisa ser colocada para o Brasil sair de uma crise e seguir pelo menos até 2018 numa normalidade?
Crescimento econômico e desenvolvimento. Retomar uma agenda de crescimento e desenvolvimento econômico para o país, com prioridade absoluta para a geração de trabalho e emprego.
Mas qual o mecanismo para fazer isso?
Esta é a pauta prioritária. Nós vivemos hoje um ambiente de restrição internacional, todos os países do mundo estão dedicados a essa agenda nos seus países, essa é a prioridade do nosso governo, de recuperação de investimento, redução da inflação, retomada dos investimentos na infraestrutura, nos serviços do nosso país. Essa é agenda que orienta hoje todo o diálogo que estamos fazendo com o setor empresarial, com as centrais sindicais, com a sociedade brasileira. É evidente que a instabilidade política artificial e irresponsável construída por aqueles que foram derrotados traz enormes dificuldades para que essa agenda se torne central. Por isso é uma iniciativa contra o povo brasileiro. E nós temos que estabilizar rapidamente, e quem tem capacidade de estabilizar é a presidenta Dilma Rousseff, porque ela foi eleita pelo povo brasileira.
Dentro dessa crise toda, parece que perdeu força o debate da reforma da Previdência e até da CPMF. E até nos bastidores circula a informação de que o senhor, por sua formação política e pelo seu posicionamento, é contra essa reforma da Previdência. Como está esse debate hoje?
É evidente que há uma outra centralidade na agenda política do país. Nós temos dialogado permanentemente com as lideranças do Congresso e há um tema central que é a agenda do impeachment que concentra toda a agenda política do Congresso Nacional, especialmente da Câmara. E todo o esforço é no sentido de derrotar esta política e recuperar o ambiente de trabalho e estabilidade no país.
O governo vai tomar medidas contra o juiz Sergio Moro?
Todas as medidas são permanentemente avaliadas e estudadas no sentido de garantir a legalidade de todas as iniciativas, seja do Judiciário, do Ministério Público, de todas as instituições. A responsabilidade do governo é assegurar a manutenção da legalidade do país. E é nesse sentido que ele se conduz e irá se conduzir.
Mas o que significa isso? O governo poderá ingressar, eventualmente?
Significa um processo permanente de avaliação das condutas de todos os agentes públicos. Essa é a tarefa de um governo. Preservar os direitos constitucionais e assegurar que os agentes públicos cooperem dentro das regras institucionais e legais. Seja ele do Executivo, ou do Ministério Público, todas as instituições.