Eram 7h da manhã de terça-feira, quando Vera Lúcia dos Santos da Rosa, 55 anos, chegou no trabalho. Ela colocou o uniforme de assistente de serviços gerais e começou a rotina de limpeza no prédio da Secretaria dos Transportes do Estado.
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Logo na primeira sala de reuniões que entrou, deparou-se com um montinho de dinheiro em cima de uma cadeira e algumas notas no chão. Sem nem verificar qual era o valor do maço, ela fez a única coisa lógica que passou pela cabeça: devolver.
- O que eu pensei na hora foi: "nossa, eu aqui, dura, precisando de dinheiro, enquanto tem tantas pessoas com bastante, deixando até cair dos bolsos" - fala a faxineira com bom humor.
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Mesmo estando sozinha na sala no momento e sabendo que se tratava de uma grande quantia, Vera imediatamente chamou o estagiário e entregou o bolinho de notas, no valor de mais de R$ 800, a ele.
Fotos: Ronaldo Bernardi / Agência RBS
- Eu sou pobre, mas aprendei desde criança a sempre devolver o que não é meu. Se não é meu, não é meu e ponto. Fui criada pela minha avó e, apesar de passarmos dificuldades, fui educada a lutar para conseguir sozinha as minhas coisas. Então nem passou pela minha cabeça ficar com aquilo, nunca mesmo. Foi algo lógico devolver.
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Vera mora em uma casa de madeira emprestada nos fundos da residência da mãe, no Morro da Tuca, no Bairro Partenon. Com o salário mínimo que recebe precisa sustentar o filho, a nora e uma neta. No último temporal em Porto Alegre, parte do telhado da casa se desfez. Com o dinheiro que encontrou, poderia ter feito o conserto ou até pagado a entrada da casa própria, sonho ainda ser conquistado.
- Acredito que as pessoas não precisam ser desonestas para ganhar as coisas. Sei que tem muita gente por aí que já tem tudo na vida e ainda quer mais. Isso eu não entendo. Se eu tivesse ficado com esse dinheiro, não iria conseguir dormir à noite.
Empresário
Como só tinha três pessoas na reunião da segunda-feira, foi fácil para Valmir Mioso (na foto abaixo), assessor do secretário Pedro Westphalen, identificar quem teria perdido a quantia.
O dinheiro deixado para trás acidentalmente era de Adroaldo Couto, 68 anos, empresário de Taquari, no interior do Estado. Na segunda-feira, ele tinha marcado uma reunião na Secretaria de Transportes para resolver o problema de um bueiro em uma estrada de chão próximo a General Câmara.
- Fui para a reunião de táxi. O dinheiro era para pagar os gastos da viagem. Ele estava dentro do meu bolso, mas uma hora devo ter me escorado na cadeira e as notas caíram. Peguei um táxi novamente para ir embora e, quando fui acertar a conta, não tinha mais um real - relembra Adroaldo, que teve que pedir emprestado a um colega o dinheiro da corrida.
Recompensa
O empresário conta que ficou assustado, achando que tinha deixado cair as notas na rua. Sem esperança de rever o dinheiro, foi surpreendido nesta terça-feira com uma ligação.
- O pessoal da secretaria me contou que tinham encontrado o dinheiro. Fiquei muito feliz e emocionado pela boa atitude da dona Vera, uma pessoa muito honesta - exclamou.
Como Adroaldo já tinha voltado para Taquari, um colega que também mora na mesma cidade ficou de devolver o dinheiro ao dono.
- Assim que eu estiver com o dinheiro, com certeza vou recompensar a Vera com alguma parte dele - afirma Adroaldo.
Sonho continua
Vinda de uma família de seis irmãos e mãe empregada doméstica, Vera Lúcia foi aos 12 anos morar com a avó em São Paulo. Lá, estudou até a 6ª série, quando se viu obrigada a largar para poder trabalhar mais.
Quando voltou a Porto Alegre, aos 26 anos e uma filha de dois, não teve tempo para retomar a educação, pois tinha que "colocar comida na mesa". Com muito trabalho, para que nunca faltasse nada em casa, a filha conseguiu concluir os estudos e se tornou educadora em uma escola infantil.
Nos últimos seis meses, a auxiliar de serviços gerais estava desempregada e, por isso, decidiu largar currículos em toda cidade.
- Há um mês me ligaram da Secretaria, perguntando se eu não queria cobrir umas férias. Aceitei na hora. Agora, eu espero é ficar neste emprego. Quem sabe voltar a estudar e correr atrás dos meus sonhos. Acredito que o importante é que eu estou batalhando por algo, uma hora vou conseguir.
Honestidade
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Alessandra Noal
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