O Ministério Público de Pelotas aponta contradições em depoimentos e histórico de agressões para acusar o ex-marido e o filho da professora universitária Cláudia Hartleben por homicídio duplamente qualificado por motivo torpe, recurso que impossibilita a defesa da vítima, feminicídio e ainda ocultação de cadáver. Após o pedido de acesso à denúncia pela reportagem da Rádio Gaúcha, o sigilo do inquérito foi quebrado.
Apesar de não haver provas materiais, o promotor José Olavo Passos acredita ter motivos suficientes para indiciar o agrônomo João Morato Fernandes e o estudante João Félix Hartleben Fernandes. O crime seria uma vingança devido à separação do casal. O documento de onze páginas foi protocolado na sexta-feira (11) e depende da decisão do juiz Paulo Ivan Medeiros para ser aceito.
Segundo o MP, Cláudia foi morta pela dupla em circunstâncias ainda não definidas. Em 9 de abril deste ano, a docente saiu da casa de uma amiga, na rua Rafael Pinto Bandeira, Centro, e foi para a própria residência, na avenida Fernando Osório, Zona Norte. O trajeto durou aproximadamente dez minutos. A vítima estacionou o carro na garagem, deixou as chaves na ignição e foi até o quarto, onde trocou os sapatos, deixou a carteira de cigarro e tomou uma xícara de café. Desde então, não há notícias de seu paradeiro. Não houve vestígio de briga ou invasão no imóvel.
A investigação aponta que o ex-marido sabia dos passos de Cláudia naquele dia e também que estaria sozinha em casa, já que o atual companheiro, Pedro Gomes, estava em viagem a Porto Alegre. Essas informações, de acordo com o promotor, foram fornecidas pelo filho.
A principal contradição encontrada pelo MP é que a perícia comprovou que João Félix usou o computador às 22h40, pouco depois de a mãe entrar em casa. À Delegacia de Homicídios e Desaparecidos (DHD), ele disse que já estava dormindo e não viu ou ouviu Cláudia chegar. Assim como o pai, ele se recusou a fazer o polígrafo, o teste da mentira.
A conduta do estudante de Engenharia Química da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) também chamou a atenção de José Olavo. Usuário da internet nas madrugadas, justamente naquela noite João Félix deitou-se antes das 23h. Na manhã seguinte, ao atender um telefonema de um amigo de Cláudia, afirmou com certeza que a mãe não estava em casa. Além disso, a partir do desaparecimento, "seguiu a rotina normalmente sem apresentar angústia ou preocupação", inclusive não colaborando com as buscas policiais.
As agressões e ameaças que João Morato Fernandes fazia à docente são consideradas pelo promotor como fundamentais para a denúncia. Segundo familiares, ele não aceitava o divórcio e a culpava pela sua "destruição". Conforme o inquérito, João Morato chegou a dizer que "as chances de eles se separarem só existia se ele ficasse viúvo". O ex-marido ainda responde por crimes dentro da lei Maria da Penha devido a uma agressão contra Cláudia no restaurante universitário da UFPel, em Capão do Leão. O agrônomo cursa doutorado no mesmo campus em que a professora dava aulas.
Foram analisadas 85 horas de câmeras de segurança, ouvidas treze testemunhas e cumpridos dois mandados de busca e apreensão em propriedade rural de João Morato. É nesta fazenda que o promotor acredita que possa estar o corpo de Cláudia. Segundo o MP, não houve necessidade de pedir a prisão preventiva ou temporária dos acusados, devido ao tempo decorrido do desaparecimento, mas solicita a proibição de ausentar-se da comarca durante a investigação ou instrução do caso.
Em entrevista à Zero Hora, João Morato Fernandes disse que a denúncia é uma armação contra ele, e que nunca ameaçou a antiga companheira. A defesa ainda não se pronunciou.