Durante uma década, Pedro Osvaldo Salvia figurou em uma lista com nomes dos 63 agentes da repressão mais procurados pela Justiça da Argentina, suspeitos de mil assassinatos durante a ditadura (1976 a 1983). Informações que levassem ao paradeiro de Lobo, seu codinome, renderiam R$ 228 mil, tamanho era o interesse na captura e extradição do ex-policial federal argentino.
Refugiado em Viamão, na Grande Porto Alegre, Salvia morreu em junho, aos 62 anos e, desde então, não desperta mais interesse. Há seis meses, o corpo do ex-agente ocupa a gaveta B2 do necrotério do Departamento Médico Legal (DML), em Porto Alegre, atualmente superlotado, com 68 cadáveres - dois deles também sem parentes, como Salvia (leia ao lado).
O ex-policial não tem familiares vivos na Argentina e muito menos no Brasil para reclamar o corpo, e o sepultamento depende de decisão judicial. Autoridades argentinas silenciam.
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Integrante do Grupo de Tarefas 3.3/2, o mais temido da Escola de Mecânica Armada - maior centro de tortura argentino durante os anos de chumbo -, Salvia desapareceu de Santa Fé após a Suprema Corte daquele país anular duas leis que anistiavam repressores. Acompanhado pelo ex-colega do GT 3.3/2, Roberto Oscar González, fugiu para o Brasil.
Buscas no estado se intensificaram em 2010
O amigo González escolheu Porto Alegre, onde tinha parentes, e depois se mudou para Viamão. Solteiro, sem pais, irmãos, mulher ou filhos, Salvia se aventurou sozinho no Rio de Janeiro, mesmo destino de outro companheiro da repressão, Gonzalo Sánchez, o Chispa, todos com nomes e fotos em lista vermelha de procurados pela Interpol (polícia internacional) desde outubro 2005.
Tempos depois, investigadores argentinos descobriram que os três, assim como outros tantos, moravam no Brasil. As buscas da Interpol no Estado (representada por policiais federais) se intensificaram a partir de 2010, quando se fortaleceram as suspeitas de que ao menos um deles, González, estava nos arredores de Porto Alegre.
Em fevereiro de 2013, Chispa foi preso em Paraty, no sul fluminense, e Salvia abandonou o Rio. Com saúde debilitada, foi acolhido em Viamão pelo velho amigo González, passando a viver em um sítio, onde o ex-colega plantava hortaliças, criava galinhas e vendia ovos. Vítima de Parkinson, Salvia enfrentou os últimos dias de vida em cima de uma cama, comendo pela mão de González.
Naquela época, três policiais de Buenos Aires estiveram em Porto Alegre, atendendo a uma solicitação de apoio da Polícia Federal gaúcha para captura de González e Salvia. Existiam pedidos de extradição ao governo brasileiro, e o Supremo Tribunal Federal (STF) emitiu ordens de prisão preventiva dos dois fugitivos.
Em 17 de junho deste ano, Salvia morreu no hospital de Viamão, e o corpo foi para o DML, sem quaisquer contatos de parentes. González, 64 anos, foi preso no mês seguinte pela PF, e seus familiares na Argentina contrataram advogados gaúchos para tentar soltá-lo - um pedido é analisado pelo STF.
Atendendo a um desejo de González, o advogado Rodrigo Mariano da Rocha entrou, em agosto, com um processo na Vara de Registros Públicos do Foro Central na Capital, requerendo o direito de retirar o corpo de Salvia do DML e sepultá-lo em Porto Alegre. Ainda não há decisão. Rocha lamenta a indiferença do governo argentino.
- A Argentina solicitou a extradição e, sendo assim, é responsável pelo translado do corpo, mas se negou. Não queremos que ele seja sepultado como indigente - afirma o advogado.
Zero Hora telefonou 10 vezes ao consulado argentino em Porto Alegre no intervalo de uma semana, mas não obteve retorno.
Ditadura
Corpo de argentino procurado pela Interpol está há meio ano no DML de Porto Alegre
Pedro Salvia é apenas um dos 68 mortos que estão armazenados nas gavetas departamento, na Capital
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