Há quem tenha vibrado com a abertura do processo de impeachment e, por certo, não faltará ardor patriótico para revestir com lágrimas a manobra. É preciso insistir, entretanto, que o impedimento não é remédio para governos ruins, nem receita para se debelar crises econômicas. Aceitá-lo nessas circunstâncias equivaleria a ferir gravemente nossa frágil experiência democrática. Não se trata de Dilma, então, mas da soberania do voto popular. No mais, estamos diante de jogo conduzido por um indivíduo cuja presença na presidência da Câmara é, em si mesma, um escárnio (para usar o adjetivo tão bem empregado pela ministra Cármem Lúcia quando da prisão de Delcídio, "o humanitário").
Temos um governo incapaz e cínico que fez do Poder seu objetivo exclusivo e que se percebe ameaçado pelos casos de corrupção já revelados e a revelar. Tentando derrubá-lo, alguns de seus "aliados" se somam aos opositores à direita, espécimes desenvolvidos no lodo da mediocridade nacional, interessados, sobretudo, em se proteger da Lava-Jato. Imagina-se que entre os dois grupos exista enorme diferença e que a "guerra" já anunciada evidencie projetos opostos. Assim parece, mas um olhar para além dos factoides descobrirá que o mais impressionante na crise política atual é a semelhança entre os contendores.
O PT e o governo federal se esforçaram ao máximo para salvar Cunha e Renan, e não teriam qualquer pudor em brindar como velhos amigos se houvesse a chance de um acordo que preservasse suas posições. A choldra que dirige o Congresso, por seu turno, sempre contou com a sensibilidade do governo para produzir acordos espúrios e, desde há muito, sabe perfeitamente que o PT não lhe oferece qualquer risco. Irmanados no amor pelas empreiteiras e na vocação dos prestidigitadores, os partidos tradicionais à direita e à esquerda são fantasmas arrastando correntes por gabinetes cada vez mais vazios de ideias e superlotados de interesses.
Não creio que a aventura do impeachment se consume - hipótese que colocaria o Brasil nas mãos de Michel Temer, algo como punir Desdêmona e premiar Iago. Evitar este desfecho, entretanto, não resolverá o problema de um governo que não governa. Para isto, Dilma deveria construir, imediatamente, um governo de coalizão nacional com os melhores quadros políticos e técnicos do país, por sobre os partidos e suas misérias. Ao invés de ouvir Lula, poderia se aconselhar com Itamar.