Pela primeira vez depois do desastre com a barragem de Fundão, da mineradora Samarco, um grupo de moradores de Bento Rodrigues voltou para as casas a fim de buscar pertences que ficaram para trás. Há duas semanas, eles tiveram de sair com a roupa do corpo para fugir do mar de lama que assolou a localidade, invadindo as moradias.
Na quarta-feira, uma van oferecida pela empresa os levou, acompanhados da Guarda Municipal, à região. As imagens da tragédia transmitidas pela televisão não evitaram o pavor de ver o distrito devastado pelos 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério lançados pela destruição da barragem - um evento, até agora, de causas inexplicáveis.
- Deus sabe o que faz. Levou meu pai em janeiro para que ele não visse isso tudo - desabafou o comerciante Sandro Sobreira, 41 anos, que voltou ao local onde antes era a sua casa e o seu local de trabalho: um armazém.
Quando soube do rompimento da barragem, pegou a mãe pelo braço - ela, com 73 anos - e correu para o cemitério, na região mais alta do distrito. Estão, agora, hospedados em um hotel no centro de Mariana e ontem viajaram a Bento para tentar encontrar, em meio aos escombros, dois cofres onde estão todas as economias obtidas com o pequeno comércio.
Pedreiro, José Geraldo da Silva, por sua vez, havia recém-construído uma casinha para morar com a mulher e dois filhos no vilarejo. Faltava rebocar a laje e rejuntar um piso de cerâmica. As intenções, claro, ficaram no passado. Embora a residência não tenha sido atingida por completo, foram obrigados pelas autoridades a deixá-la, por medida de segurança.
- Eu estava fora de casa quando ouvi que tinha dado zebra. Minha pressão subiu, achei que tinha morrido todo mundo. É um milagre esse povo ter saído vivo daqui - contou.
Silva pegou roupas, panelas, as bicicletas das crianças, um relógio de parede e um DVD religioso, ironicamente intitulado Deus Dentro do Barro.
Estrogonofe e rádio
O aposentado Joaquim Dutra, 66 anos, deixou meia panela de estrogonofe de frango no fogão e fugiu da lama de carro, assim que ouviu um barulho que definiu como apavorante.
- Minha filha, se meus filhos estivessem lá embaixo, eu teria ido lá me afogar junto na lama - relatou sobre a sorte deles - os quatro moram com a mãe na região central de Mariana.
Dutra foi a Bento Rodrigues buscar o seu rádio, companhia e um hábito de décadas, mas não o encontrou. Revirou tudo até achar a carteira de trabalho.
- Eu tinha 20 anos nesta foto. Cada página deste documento é uma página da minha vida - comentou, colocando outros papéis em uma sacola.
Antes de sair, deu uma última olhada na residência, para ver o que ainda dava para salvar. Depois de um suspiro, pegou um tubo de desodorante, dois dentes de alho e meio pote de tempero.
Veja galeria de imagens sobre o Rio Doce:
Rota da Lama
Zero Hora percorre o rastro de devastação provocado pelo rompimento das barragens ao longo do curso do Rio Doce. A primeira parada foi na localidade de Bento Rodrigues, no município de Mariana, que registrou mortes, desaparecimentos e foi praticamente extinta. A segunda parada foi em Paracatu de Baixo, também em Mariana (MG), onde a lama destruiu as casas e se acumula em blocos de um a dois metros de altura. Em seguida, nossos repórteres visitaram Rio Doce, cidade que lamenta a morte do curso de água que dá nome à cidade. Veja abaixo todas as matérias que já foram publicadas: