O ministro Teori Zavascki teve menos de três dias para tomar a decisão mais extrema da Operação Lava-Jato. Entre o domingo e o entardecer de terça-feira, o relator no Supremo Tribunal Federal (STF) da maior ação de combate à corrupção no país recebeu, leu, refletiu e autorizou as prisões do bilionário banqueiro André Esteves e de Delcídio Amaral (PT-MS). Na manhã de quarta-feira, o petista se tornou o primeiro senador a ser preso no exercício do mandato.
Era domingo, um dia nervoso de Gre-Nal, quando a Procuradoria-Geral da República (PGR) entregou ao STF o pedido de prisão de Delcídio, elogiado líder do governo no Senado pelo jogo de cintura e o trânsito entre base e oposição. Teori estava em Porto Alegre, onde revia filhos e netos e torcia pelo seu Grêmio. Ex-conselheiro do clube, o magistrado chegara no sábado ao Estado. Ao meio-dia de domingo, rumou à casa de um dos três filhos (dois homens e uma mulher) para um churrasco em família. Degustou macias tiras de carne, matou as saudades dos rebentos e viu o primeiro tempo do clássico.
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Discreto, avesso ao contato com jornalistas e por vezes sisudo na Corte, esse catarinense de 67 anos, que construiu a carreira jurídica no Rio Grande do Sul, é brincalhão e bem-humorado com a família. No domingo, porém, tinha um ar sério e preocupado. A tensão do Gre-Nal não era a única razão.
Quando Vitinho marcou no início da segunda etapa o gol que deu a vitória ao Internacional, o ministro já se encontrava em seu apartamento na Capital. A 2 mil quilômetros de distância, em sua mesa no STF, os pedidos de prisão do líder do governo e do banqueiro aguardavam-no, entregues por um procurador a um juiz auxiliar. É praxe, nesses casos, que o juiz ligue para o ministro comunicando a gravidade das peças protocoladas.
Nas ações, a PGR pedia autorização para as prisões de um senador e de um dos homens mais ricos do Brasil, dono do banco BTG Pactual. Também havia requerimentos para prender o advogado Edson Ribeiro e o chefe de gabinete do petista, Diogo Rodrigues. Delcídio estaria envolvido em uma trama para comprar o silêncio do ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, da qual André Esteves seria cúmplice. Cerveró receberia uma mesada e teria a fuga para Espanha, via Paraguai, viabilizada para abandonar o acordo de delação premiada. Mas, se o celebrasse, deixaria o parlamentar e o banqueiro de fora.
Teori chegou na segunda-feira a Brasília, onde mora em um apartamento funcional, com um dos cômodos transformado em escritório, com mesa, computador e livros. Ali gosta de refletir solitariamente, exercício repetido no gabinete no terceiro andar do Anexo II do STF. Passou o dia no trabalho, sem comentar sobre a bomba armada que tinha em mãos.
Acostumado à pressão por relatar os casos da Lava-Jato no Supremo, o ministro ficou estarrecido e surpreso com o que leu. A transcrição dos áudios mostrava Delcídio em conversa com o filho de Cerveró, Bernardo, e o advogado da família, Edson Ribeiro. O parlamentar falava em pressionar ministros a fim de obter um habeas corpus para Cerveró. Depois de solto, o ex-diretor deixaria o Brasil.
Prisão de Delcídio e atraso em votações preocupam Palácio do Planalto
O relator reconheceu o peso do caso. Delcídio era líder do governo no Senado, cargo escolhido pelo Palácio do Planalto, e Esteves, banqueiro poderoso, com relações na política e doações milionárias para campanhas de PT, PSDB e PMDB. Autorizar a inédita prisão de um senador era um cenário onde não cabia o menor erro.
Em momentos de pressão, Teori costuma se fechar e tenta não demonstrar nervosismo ou ansiedade. É uma pedra. Não solicita conselhos a familiares, amigos ou colegas de toga. Tomou sozinho a decisão de autorizar as prisões. Na terça-feira, por volta das 17h30min, integrantes da equipe do procurador-geral, Rodrigo Janot, souberam do despacho favorável. Às 22h, os mandados estavam prontos e assinados por Teori, à disposição da PGR. O aval à operação fora dado. Bastava acertar os detalhes com a Polícia Federal.
O que pesou para a prisão do senador
Com interlocutores, o ministro Teori comentou que o determinante para a decisão não foi o fato de Delcídio ficar "garganteando", dizendo que conversou com esse ou aquele ministro. O que pesou foi a gravidade do ato, o suborno, a tentativa de atrapalhar a Justiça.
Nessa mesma noite, Teori pediu uma conversa urgente com os demais membros da 2ª Turma do STF: Dias Toffoli, Celso de Mello, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia. Comunicou-lhes a decisão e a gravidade dos fatos. Desse encontro partiu o anúncio de uma sessão extraordinária do colegiado, na manhã de quarta-feira, para dar ainda mais sustentação à decisão de Teori. Os ministros previam que prender um parlamentar no exercício da função provocaria controvérsia no meio jurídico, em especial pela necessidade do flagrante por crime inafiançável.
Por telefone, o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, foi avisado dos últimos acontecimentos. Ele participava de um evento do Conselho Nacional de Justiça e ouviu os detalhes narrados pelo próprio Teori. Na quarta-feira, raiava o sol no Cerrado, e os agentes da PF prenderam Delcídio em um hotel de luxo em Brasília. Investigadores da Lava-Jato avisaram o relator: a ação havia sido um sucesso. Às 7h, Teori saía do apartamento funcional e dava orientações a assessores pelo celular. Brasília retumbava. Agendas eram desmarcadas no Planalto, a presidente Dilma Rousseff e ministros cancelavam compromissos, reuniões de emergência eram convocadas na Câmara e no Senado. Renan Calheiros (PMDB-AL) juntou aliados na residência oficial do presidente do Senado. O conteúdo das falas de Delcídio já era conhecido por eles. A bancada petista do Senado ouviu do líder do governo no Congresso, o senador José Pimentel (PT-CE), que voltara do Palácio:
- A situação é indefensável.
No STF, a 2ª Turma se reuniu para a sessão no bloco B do Anexo II do Tribunal. Por unanimidade, os ministros referendaram as prisões. Enfática, Cármen Lúcia decretou em seu voto:
- O crime não vencerá a Justiça.