Brasileira, natural de Cachoeiro do Itapemirim (ES) e casada com o dono de uma empresa de refrigeração no Paraná, onde vive atualmente, Sônia Maria Reis Guchinski preside a Associação Missão África, entidade religiosa que estaria interessada em comprar o castelo de Pedras Altas, cenário da Revolução de 1923 na região sul do Estado.
Fundada em 31 de dezembro de 2009, a ONG teria sede em Moçambique e, segundo a dirigente, seria mantida por uma empresa, a Mineradora AMA, e por recursos repassados pelo governo federal, por meio do Ministério da Justiça.
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Aí reside um dos motivos da desconfiança dos guardiões do castelo: criada há dois meses, a companhia tem uma única referência no portal de buscas Google, exatamente a que indica a inscrição da Mineradora AMA, a 28 de agosto de 2015, no Conservatório do Registro de Entidades Legais de Moçambique. Segundo o documento, a empresa "adota a denominação de Mineradora AMA - Sociedade Unipessoal de Responsabilidade Limitada e tem a sua sede na cidade de Maputo".
O objeto descrito no registro seria o exercício das atividades de mineração multidisciplinar (estudos, pesquisa, consultoria, importação e exportação de mineiros e outros produtos derivados), construção civil e agricultura. O capital social é de duzentos mil meticais (cerca de R$ 18,8 mil), "representado por quota de igual valor nominal, pertencente à sócia Sônia Maria Reis".
No Brasil, no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), a ONG é classificada como do segmento de atividades de organizações religiosas ou filosóficas. No Sistema de Gestão de Convênios (Siconv), que mantém registro de todos os convênios firmados pelo Executivo federal, a organização tem inscritos quatro projetos para captação de recursos, em um total de R$ 29,1 milhões. Dois estão em análise e outros dois constam apenas como cadastrados - nenhum teve qualquer verba liberada pelo governo. Por meio de sua assessoria, o Ministério da Justiça informa que "a entidade não é certificada pelo órgão, ainda que tenha tentado a qualificação como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) em dois momentos: 2010 e 2012, ambos indeferidos".
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Em seu perfil no Facebook, Sônia descreve-se como "ministra do Evangelho, apaixonada pela vida e o dono dela". "Tudo que faço, o faço com amor e dedicação, essa sou eu. O dono da minha vida é o Senhor Deus, o Jeová Jireh, o Deus provedor de todas as coisas. Sou idealizadora do Projeto AMA, projeto de inclusão social, econômica e cultural de grupos vulneráveis".
Em entrevista a ZH, ela fala sobre os objetivos da entidade com a compra do castelo de Pedras Altas.
Como está o negócio?
Estamos esperando o repasse do banco do Exterior. A compra já foi oficializada. Já fizemos assinatura de contrato e aguardamos agora o repasse dos recursos. Está praticamente fechado. Só falta o pagamento.
O que é a Missão África? O que ela faz?
Trabalhamos com mulheres em situação de conflito e com situação de risco social. Temos uma parceria com o governo federal. Ajudamos a estruturar a vida social da mulher que passa por conflitos com a lei. Fornecemos o acompanhamento de psicólogos, damos toda a estrutura.
Quais os objetivos da Missão África com a compra do castelo de Pedras Altas?
Gostaríamos de estar ali implantando uma oficina de profissionalização. Tem mulheres que ficariam abrigadas no local e outras não. Nós teremos um ônibus móvel já todo estruturado com oficina para dar cursos para a mulher lá dentro do imóvel.
Os cursos seria de quais áreas?
Todas áreas profissionais, dependendo do interesse das mulheres. Se ela tiver Ensino Fundamental ou Médio, faremos ela concluir ou até mesmo fazer a faculdade.
Por que comprar um castelo?
Ali, é um pouco retirado. Estamos implantando este núcleo em todas as cidades do Brasil. Implantaremos este mesmo projeto lá. São lugares onde já há necessidade de este projeto ser implantando. O castelo seria uma ponte. Dali, estaríamos fazendo outros investimentos na cidade, em relação a outros imóveis, a outras chácaras e fazendas. A parte cultural ficaria permanente. Utilizaríamos a parte artística e cultural para desenvolver isso na mulher e suas aptidões para esta área.
E como ficaria a preservação do local?
Manteremos normalmente. Vamos trabalhar da melhor maneira possível. Sabemos que compramos um imóvel tombado. Por isso, nossa intenção é de adquirir outros imóveis tombados. O imóvel faz parte da história. Mas, como trabalhamos na parte social, preservaremos a cultura das pessoas.
De onde vêm os recursos? Afinal, são R$ 8,5 milhões...
Temos parceria com o governo federal. Implantamos um projeto que passa por uma análise dentro do governo. Somos cadastrados no portal Siconv e temos toda a regulamentação da ONG. Temos a mineradora AMA, que envia recursos para a instituição. Sou dona da mineradora.
A AMA tem ligação com alguma organização religiosa?
Tem, porque eu sou cristã evangélica. Em cima disso, abrimos a instituição. O CNPJ dela é baseada em um regulamento religioso. Mas em relação a nosso trabalho ela não apresenta bandeira de religião. Fizemos nosso trabalho na visão da palavra de Deus. Não se faz nada sem ele.
A senhora foi missionária da Igreja Assembleia de Deus Russa...
Fiz um trabalho para a igreja russa, mas sou missionária da Igreja Assembleia de Deus do Brasil.
O que diria a quem está preocupado com o futuro do castelo?
O castelo vai permanecer. A cultura, a história dele, vai permanecer. Não vou mexer no castelo. A minha intenção é preservar. Vai permanecer tudo o que está ali. Vamos fazer mudanças em relação a restaurar. Tenho planos de restaurar, investir e trazer a história dele de volta.
A senhora já esteve no local?
Ainda não tive oportunidade de ir lá. Todas as vezes em que estive por ir a Porto Alegre, tive de ir para a África. Porque o nosso forte é a África do Sul. Mas recebi toda a documentação para compra aí de Porto Alegre, de Alegrete (sic). Respeito o castelo e a memória de quem fez o castelo.
Qual será sua primeira providência após concluir a compra?
Faremos o pagamento de todo o negócio e estaremos indo até lá para ver onde vamos começar a restaurar. Ali, vai ser a sede da AMA.
O castelo será aberto a visitação, como um museu?
Caso alguém queira ver e conhecer o nosso trabalho, sim, mas não vai ficar aberto como um museu histórico. Primeiramente, queremos estar lá. Dependendo do acordo, podemos fazer do local um ponto de visitação para as pessoas conhecerem a história.
Por que a escolha por Pedras Altas e não por cidades como São Paulo ou Rio de Janeiro, com grande número de mulheres vítimas de violência?
Nossa atenção específica é de que o índice de violência contra a mulher está abrangendo todas as cidades brasileiras. O Brasil está em terceiro no ranking. Procuramos um caso específico para atender a esta mulher diretamente. Vemos que este atendimento do governo ainda é muito deficiente. Não que o nosso seja mais eficiente. A mulher precisa de uma atenção mais específica. Então, a AMA abraçou esta bandeira. Às vezes, quando a mulher sai de uma situação de risco, ela não tem para onde ir.
Certo, mas por que Pedras Altas?
Pode ser um lugar retirado, mas neste lugar retirado há violência. A violência não escolhe onde vai acontecer. Ela acontece nos grandes polos, nas grandes e pequenas cidades. E é lá que queremos alcançar. Porque é onde ninguém quer ir. Se há uma violência em um lugarejo, você vê que a repercussão não é nada. Porque o violentador sabe que não vai ser punido, porque está longe da vista das autoridades. A AMA quer estar nestes lugares que as autoridades não veem.
A AMA pretende adquirir outras locais parecidos no Brasil?
Nossa ideia é comprar outros locais para fazer alojamentos e oferecer proteção às mulheres.