O sol não serve de alento para as centenas de famílias que estão fora de casa desde a última semana em Eldorado do Sul. Isso porque, ainda que não caia mais do céu, a água se acumula em diversos pontos - e, com a chuvarada da última quarta, voltou a subir. Quem antes não saiu de casa, agora, sai. Quem já saiu, não volta.
De acordo com a Defesa Civil do município da Região Metropolitana, 15 mil moradores tiveram de buscar abrigo em escolas e ginásios ou na casa de amigos e familiares. Eles não têm perspectiva de volta e encaram um futuro desanimador: no início da próxima semana, a previsão é de mais chuva. Haja improviso.
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Na manhã desta sexta-feira, por exemplo, Simone dos Santos, 44 anos, fez uma mini-mudança. Enfrentou a água e levou a máquina de lavar roupas e a centrífuga da casa em que mora, no bairro Cidade Verde, para a Escola David Riegel Neto, onde está há mais de cinco dias com duas filhas e familiares. A dona de casa puxou uma extensão de luz e instalou os eletrodomésticos no pátio do colégio, que, aos poucos, tinha as grades tomadas por roupas e cobertores.
- Estava lavando a roupa na casa de uma das minhas filhas, onde a água não chegou. Mas ela ficou sobrecarregada. Então, já que não sei quando vou voltar para casa, trouxe tudo para cá. E já deixei à disposição para quem quiser usar - conta Simone.
Simone dos Santos trouxe a máquina de lavar roupas para o alojamento
Foto: Ronaldo Bernardi/Agência RBS
Ela tentou voltar para casa na quinta, quis limpá-la, mas viu que a água ameaçava subir novamente. Dito e feito. Nesta manhã, o nível estava mais uma vez na altura da perna da mulher - e avançava cerca de dois centímetros por hora, conforme a Defesa Civil.
Moradora do mesmo bairro que Simone, a agente educacional Úrsula Pedroso, 38 anos, também tinha planos de retomar a rotina da vida ainda nesta semana. Ficaram para depois. Nesta sexta, sua filha, Bibiane, 17 anos, voltou à residência para buscar livros e dar continuidade à preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), só que a água batia no joelho.
- A gente fica até sem cabeça para tocar a vida - desabafa Bibiane.
- Já tínhamos perdido tudo em 2007. Agora de novo. Por mais que a gente fique bem na casa dos outros, que fazem de tudo para nos acolher, não é o mesmo que estarmos na nossa casa - complementa Úrsula.
Com a filha, Úrsula voltou ao Cidade Verde, nesta manhã, para visitar a mãe
Foto: Ronaldo Bernardi/Agência RBS
São histórias que se repetem. Nesta manhã, a agente educacional, acompanhada da filha, esteve na casa da mãe, Loreni Silva, 57 anos, que também mora no Cidade Verde. Ao ver as duas chegando, de chinelos e calças dobradas, a avó tentou amenizar a situação com bom humor:
- Estou virando sereia - disse, vestindo bota que a protegia da água até os joelhos.
Loreni faz parte de um terceiro grupo, o de moradores que não foram para casa de familiares e não querem ir para abrigos do município. Ela resiste em casa e só sai "se a água bater no queixo".
- A gente já perde tanto com essa água. Se deixar a casa, ainda vem os aproveitadores levar o que sobrou. Fico aqui para isso, para cuidar do que é meu - afirma.
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Loreni preferiu resistir às águas e não abandonar a casa
Foto: Ronaldo Bernardi/Agência RBS
Assim, ela vê o bairro se esvaziar aos poucos - e pela primeira vez. Pouco antes do meio-dia, ela se despediu dos vizinhos do lado e sentia que logo os da frente a deixariam. Eles subiam os móveis sobre estruturas de tijolos, fechavam as casas e saíam com sacolas de roupas e poucos pertences. As cheias da área banhada que fica ali perto são até frequentes, mas a água nunca havia entrado na casa, em nenhum dos 38 anos que mora ali. Loreni se assusta, mas sabe:
- Pode piorar.
* Zero Hora
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Bruna Scirea
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