A decisão do governo chinês de aliviar o planejamento familiar e terminar com a política do filho único vai trazer uma série de impactos econômicos e culturais.
Confira entrevista com o professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro A História da China Popular do Século XX, o chinês Shu Changsheng:
Qual é o significado da decisão?
O problema é o envelhecimento da população chinesa. Os chineses estão ficando velhos. Em algumas cidades, as escolas estão fechando por causa da falta de alunos. A mudança está ocorrendo por etapas. Dois anos atrás, o governo já liberou casais em que um dos cônjuges fosse filho único para ter mais um filho.
A principal motivação para a decisão foi econômica, pela necessidade de rejuvenescer a população?
Isso aconteceu. Mas há várias motivos. Em primeiro lugar, vem essa questão do envelhecimento da população, que gera problemas graves do ponto de vista econômico. Mas também há a questão humanitária. Por exemplo, a família tem só um filho e o filho morreu. A política do filho único é muito desumana.
O senhor diria que essa decisão representa um momento histórico para a China?
É histórico para a China, mas, na verdade, não afeta muito. São 30 anos de controle de natalidade, e o povo já está acostumado com a ideia de ter menos filhos. Mesmo que haja um afrouxamento do controle, as pesquisas mostram que a intenção de ter mais filhos é baixa. Vai ter algum aumento da população, mas não significativo. O crescimento será baixo. Alguns anos atrás, um pesquisador, com permissão do governo, fez a experiência de permitir ter mais filhos em uma determinada região do país. O que ele descobriu é que as pessoas não tinham intenção de ter mais crianças.
Os chineses incorporaram a ideia de que devem ter só um filho?
Depois de 30 anos de controle rigoroso, isso acontece. Um segundo fator é o custo de vida alto. Na China, as responsabilidades dos pais com os filhos são praticamente infinitas. Há muitos custos de educação, saúde, moradia. É uma coisa que pesa muito. As pessoas pensam em ter no máximo dois filhos. Não querem mais.
Além disso, política já não era aplicada a toda a população, não é?
No zona rural, há mais de 20 anos, sempre se permitia ter o segundo filho. Nas regiões remotas, a população pode ter três, quatro filhos. A política também não foi aplicada para minorias étnicas.
Como era o controle de natalidade?
Tinha principalmente o aborto forçado. Tinha multas, castigos, penalidades.
Havia educação para evitar a gravidez e distribuição de anticoncepcionais?
Não tinha. O que faziam era mais o aborto, que é legalizado. Culturalmente, a educação sexual não é tão aceita.
A política do filho único foi impactante nesses 30 anos para o país?
É difícil de avaliar. Acredito que não. Com o avanço econômico, o desenvolvimento capitalista, a tendência é ter menos filhos. Talvez a política tenha tido alguma diferença no início, mas acredito que o que faz o controle são instrumentos de desenvolvimento econômico. Quando a população fica mais instruída, tem menos interesse em criar filhos.