A cada dia que passa e em que não se resolve a crise na fronteira entre Colômbia e Venezuela, evidencia-se: bem mais que por razões econômicas ou diplomáticas, o impasse se mantém como estratégia com tons eleitorais - em especial, de parte da Venezuela, que terá eleições legislativas em 6 de dezembro, enquanto a Colômbia terá pleitos nos departamentos (Estados) em 25 de outubro.
Duas semanas atrás, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, fechou parte da fronteira com a Colômbia. Alegou que colombianos compravam alimentos e combustível na Venezuela, aproveitando-se da moeda fraca, e os vendiam em seu país. Acrescentou que paramilitares de direita estariam por trás desse já antigo contrabando.
O historiador argentino Carlos Malamud, um dos principais especialistas sobre América Latina na Europa, vai além da análise de que Maduro pretende criar um inimigo para atrair apoio nas eleições legislativas. Cogita até a intenção de inviabilizá-las.
- O estado de exceção em 10 municípios de Táchira poderia se estender ao resto da Venezuela, e a escalada do conflito justificaria a suspensão da eleição - diz, lembrando que o prognóstico das eleições venezuelanas é de vitória oposicionista, em meio à inflação e ao desabastecimento altos.
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Maduro estaria preparando o ambiente para manter o chavismo no poder. A estratégia clássica de criar inimigos capazes de unir população e governo, porém, seria insuficiente.
A situação já era tensa há uma semana, com a expulsão de 1.113 colombianos que viviam ilegalmente na Venezuela - 241 deles, crianças. A Colômbia reclamava que os expulsos sofriam maus-tratos e tratava de pô-los em abrigos. Maduro subiu a "aposta": ampliou o fechamento da fronteira, de seis para 10 municípios.
Além dos deportados, o governo colombiano estima que entre 5 mil e 6 mil pessoas fugiram da Venezuela amedrontadas - a maioria teria feito isso sem poder levar seus pertences.
Maduro adotou tais medidas dias após um ataque a tiros de indivíduos não identificados que deixou três militares e um civil venezuelanos feridos, quando realizavam uma operação de combate ao contrabando. Acusou paramilitares de direita de estarem por trás. As chanceleres Delcy Rodríguez (Venezuela) e María Angela Holguín (Colômbia) se reuniram no dia 26 em Cartagena, no Caribe colombiano, mas Caracas e Bogotá elevaram o tom da crise no dia seguinte ao chamar a consultas seus embaixadores.
Colômbia e Venezuela dividem porosa fronteira de 2.219 quilômetros, onde as autoridades dos dois países costumam denunciar a presença de grupos guerrilheiros, paramilitares, narcotraficantes e contrabandistas de combustíveis e outros produtos fortemente subsidiados pelo governo venezuelano. A Venezuela evita demonstrar interesse político. Expõe números como o de que o quilo do arroz, que custa 26 bolívares na Venezuela, é vendido por 650 bolívares em Cúcuta, na Colômbia, onde o índice de desemprego é de 20%.
O câmbio desigual, os problemas sociais da fronteira e o paramilitarismo de direita seriam os motivos da crise.
Censo e busca de apelo messiânico
Na semana passada, a Venezuela iniciou censo nos 10 municípios sob estado de exceção. Criou de uma penada, pelo decreto 1.959, o Registro Único para a Restituição dos Direitos Sociais e Econômico na Fronteira.
A medida foi amplamente criticada.
- A prioridade deveria ser a de atender aos afetados e evitar a manipulação e o agravamento da situação com fins eleitorais. Há pessoas prejudicadas, crianças separadas de suas famílias. São dramas que podem agravar a crise entre os países - diz o colombiano Nicolás Carrillo Santarelli, especialista em direito internacional.
Santarelli também relaciona a crise fronteiriça com a situação interna venezuelana. Lembra a economia em ruínas e a proximidade das eleições:
- Pode-se pensar que os aliados de Maduro aproveitam ou até provocam a crise para distrair a população dos problemas internos e da ineficácia do governo. De outra parte, tenta-se aproximar a população de um governo com apelos messiânicos ou patrióticos frente à ameaça estrangeira. O bode expiatório pode ser efetivo diante da histórica inimizade e do receio de setores da sociedade venezuelana em relação aos colombianos. Tenta-se ainda avivar uma luta de classes, tendo como inimiga a direita colombiana aliada à direita venezuelana, restando o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV, governista) como única opção.
Ação internacional é pífia
Entidades como Organização dos Estados Americanos (OEA), Nações Unidas e União das Nações Sul-Americanas (Unasul) chegaram a se manifestar sobre a crise Colômbia-Venezuela. Não conseguiram interferir. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), da OEA, expressou "preocupação ante as deportações arbitrárias de migrantes colombianos em situação irregular". Exigiu que a Venezuela "detenha" tal prática. Rupert Colville, porta-voz da ONU para os Direitos Humanos, disse, em comunicado: "Estamos preocupados com a situação na fronteira (...), particularmente com os informes de violações dos direitos humanos." Na segunda-feira, a OEA não conseguiu convocar reunião de chanceleres, o que provocou desconforto no governo colombiano, que pedira "rápida ação".
- É uma situação humanitária grave, que requer rápida reação dos países americanos - alertou o embaixador colombiano na OEA, Andrés González, fazendo coro aos apelos do presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos.
Já o embaixador venezuelano, Roy Chaderton, defendeu como "democrática" a decisão de fechar a fronteira com a Colômbia e deportar colombianos.
Na Unasul, reunião sobre o tema, marcada para quinta, foi adiada. A chanceler venezuelana não poderia ir.
Carlos Malamud diz que a crise "derruba mitos". Um é o da "solidariedade bolivariana ligada à pátria grande (latino-americana)". Outro é o de que "na América Latina os imigrantes são recebidos de braços abertos". E ainda de que a Unasul resolve problemas regionais.
Os organismos internacionais argumentam que o envolvimento só poderia ocorrer caso ambas as partes pedissem. Foi o que disse o colombiano Ernesto Samper, secretário-geral da Unasul e ex-presidente do seu país. Afirmou ele, em nota: "A Unasul, apesar de estar ativa no tema, não pode mediar, como dispõe seu Tratado Constitutivo, se não houver um pedido dos dois países envolvidos".
O secretário-geral da OEA, o uruguaio Luis Almagro, defendeu o "diálogo direto" entre Colômbia e Venezuela:
- É o instrumento fundamental para esse tema.
- O silêncio na região é uma norma. Ninguém quer ser criticado por se envolver em assuntos de outros países, ainda que violem os mais elementares direitos humanos - diz Malamud, citando Cristina Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador) como presidentes que se manifestam sobre as políticas migratórias europeias, mas silenciam sobre os colombianos.
- Também Brasil e Chile nada fizeram.
O chanceler brasileiro, Mauro Vieira, e o argentino, Hector Timerman, tentam, desde o dia 3, aproximar as partes.