Enquanto a chuva desaba como enxurrada sobre o Rio Grande do Sul, o dinheiro capaz de prevenir enchentes e sanar estragos pinga a conta-gotas.
Levantamento da ONG Contas Abertas mostra que o repasse para o Estado de recursos federais destinados a prevenção e resposta a desastres caiu 44% no primeiro semestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2014. O cenário é agravado pelo fato de que a verba já era minguada: R$ 44,8 milhões no ano passado e R$ 24,9 milhões em 2015.
A pesquisa abrange quatro programas federais voltados especificamente para prevenção e reação a fenômenos naturais: Prevenção e Preparação para Desastres, Resposta aos Desastres e Reconstrução, Drenagem Urbana e Controle de Erosão Marítima e Fluvial, e Gestão de Riscos e Resposta a Desastres. Como as ações nessa área costumam ter custo elevado, municípios e Estados geralmente buscam apoio da União.
O recurso encaminhado aos gaúchos neste ano corresponde a 2,9% dos gastos da União na área - o que deixa o Estado na 12ª posição do ranking apesar de ter enfrentado grandes cheias nos últimos três anos. O dinheiro para coibir desastres despencou pela metade em todo o país - foram R$ 868 milhões em 2015.
- No Brasil, historicamente, se gasta pouco com prevenção. Só há preocupação depois que o desastre acontece. Aí a autoridade sobrevoa de helicóptero, desce, aperta a mão das pessoas e promete recursos - avalia o secretário-geral do Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Mas o pinga-pinga de dinheiro é apenas um dos obstáculos para realizar ações e obras capazes de evitar ou amenizar inundações (leia abaixo). Falta de iniciativa política e burocracia também dificultam a busca de soluções. Em Eldorado do Sul, moradores tomaram a frente de um projeto contra cheias recorrentes.
Há uma década, a Associação de Moradores da Rua Martinho Poeta defende a implantação de canais de escoamento sob a pista da BR-290 a fim de evitar o represamento da água transbordada do Rio Jacuí. Patrocina estudos e tenta articular diferentes órgãos público e privados como prefeitura, câmara de vereadores, secretarias estaduais, Ministério Público e a concessionária Triunfo Concepa.
Saiba por que a água demora a baixar na Avenida Assis Brasil
Leia todas as matérias sobre a enchente
- Embora seja algo simples, deparamos com muita burocracia e falta de apoio - lamenta o presidente da associação de moradores, Moisés Schneider.
O secretário de Obras de Eldorado, Rogério Munhoz, sustenta que o município está empenhado em realizar a obra, mas argumenta que depende de articulação com a agência reguladora (ANTT) e a concessionária. A Triunfo Concepa informou que "não se opõe" a analisar quaisquer projetos. Ainda não há previsão para que a iniciativa saia do papel.
O Ministério da Integração Nacional informa que grande parte da verba de prevenção está alocada no Ministério das Cidades e no Programa de Aceleração do Crescimento 2. Informa ter repassado R$ 12 milhões para ações emergenciais no Estado em 2014, e outros R$ 5,1 milhões neste ano. Também estão disponíveis R$ 24 milhões para obras de contenção de encostas.
OBRAS NO PAPEL
Veja alguns exemplos de ações que poderiam amenizar enchentes na Região Metropolitana, ainda sem data certa para virarem realidade:
1. DIQUE EM ALVORADA
Cidade
Alvorada, Viamão e Porto Alegre
A obra
Sistema de contenção das cheias em Alvorada, em área vizinha a Porto Alegre e Viamão. Incluiria diques e outras formas de proteção a definir em um estudo que está em andamento para barrar o avanço da água nos arroios Feijó e Águas Belas e na várzea do Rio Gravataí.
Por que ainda não saiu do papel
Uma das dificuldades é o custo do projeto, estimado em quase R$ 230 milhões - o que exige participação do governo federal. O Estado também demorou para realizar um estudo detalhado sobre o problema a fim de servir de base a um projeto de contenção. Somente agora, com participação da Metroplan, esse estudo está em andamento.
Situação atual
O município conseguiu do governo federal a promessa do recurso necessário. Atualmente, um estudo sob responsabilidade da Metroplan procura detalhar que tipos de intervenções precisam ser feitas - o trabalho inclui ainda as bacias do Sinos e Gravataí e Eldorado do Sul. Esse estudo servirá de base para a construção do sistema de prevenção, que deverá incluir dique no Arroio Feijó.
Custo estimado
R$ 228 milhões.
2. RESERVATÓRIOS PARA ESTEIO
Cidade
Esteio e Canoas
A obra
Construção de dique e reservatórios para evitar o transbordamento dos arroios Alvorada e Guajuviras. Além do dique, os reservatórios são necessários para acumular a água da chuva e liberá-la aos poucos, evitando o transbordamento.
Por que ainda não saiu do papel
Falta de recursos, além de burocracia e demora para definir a localização dos reservatórios. Como Esteio é um município pequeno e muito urbanizado, falta lugar para construção dos reservatórios na cidade, os quais devem ocupar uma área equivalente a 62 hectares. Foi necessário formar um grupo de trabalho com Canoas e técnicos do Estado, em 2013, para definir os locais onde ficarão os reservatórios.
Situação atual
O dique foi parcialmente construído, mas ainda falta completá-lo. Falta, também, construir os reservatórios - sem eles, o sistema não funciona plenamente. Uma negociação envolvendo diferentes municípios da Região Metropolitana definiu que as bacias de contenção deverão ficar localizadas na cidade vizinha de Canoas. Agora, resta conseguir o dinheiro: as prefeituras e o Estado pediram ao governo federal para realocar recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) a fim de permitir a construção das bacias de contenção.
Custo estimado
Cerca de R$ 136 milhões para construir os reservatórios.
3.TÚNEIS EM ELDORADO DO SUL
Cidade
Eldorado do Sul
A obra
Abertura de pequenos túneis, sob o leito da BR-290, para permitir a passagem da água que transborda do Rio Jacuí em períodos de enchente. O leito da rodovia cria um efeito de represamento e dificulta a passagem da água rumo ao sul, em direção ao Guaíba, inundando partes de Eldorado.
Por que não saiu do papel
Falta de iniciativa política e articulação entre município e Estado para fazer estudos, projetos e negociar a realização da obra com a concessionária da rodovia, a Concepa. Quem tomou a frente da iniciativa foi a Associação de Moradores da Rua Martinho Poeta
Situação atual
A Associação de Moradores da Rua Martinho Poeta tomou a iniciativa de elaborar estudos e negociar com órgãos públicos a realização dos estudos e projetos necessários e a autorização para a obra. Um levantamento inicial sugeriu a escavação de oito canais de passagem sob o leito da BR-290 para escoamento da água. Deverá apresentar um projeto mais detalhado em breve, enquanto negocia com prefeitura, governo estadual, Ministério Público e concessionária Concepa.
Custo estimado
Cerca de R$ 500 mil, segundo estimativa da associação de moradores.