Dois anos e meio depois do incêndio na boate Kiss, que resultou na morte de 242 jovens e adultos e deixou mais de 600 feridos, representantes da área da saúde do município, Estado e União se reúnem em Santa Maria para reavaliar os serviços prestados aos sobreviventes e familiares das vítimas desde a tragédia até hoje.
Do encontro que começou na sexta-feira e segue neste sábado, deve resultar a repactuação dos atendimentos, ou seja, quais necessidades surgiram nesse tempo e o que caberá a cada ente da federação fazer para atendê-las nos próximos anos. Enquanto os gestores debatem o que será feito daqui para frente, sobreviventes reclamam do que não conseguiram até agora.
Evento discute atendimento de saúde a sobreviventes da boate Kiss
Alguns dizem que não têm acesso a medicamentos e consultas com especialistas. Bárbara Aline Filipeto, 26 anos, que escapou do incêndio, conta que muitas vezes se vê diante de um dilema: comprar o medicamento de que precisa, e não consegue pelo SUS, ou prover a filha de 1 ano de algo que ela necessita. Para ela, a escolha não é difícil:
_ Adquiri rinite crônica depois da Kiss. Preciso de um remédio que não é muito caro, custa R$ 30. Mas é um valor que posso comprar uma lata de leite para minha filha. Estou sem tomar a medicação há cerca de um mês e tenho dores de cabeça direto _ relata a telefonista.
Além do remédio para a rinite (cujo nome comercial é Avanis), Bárbara precisa de Fostair, para tratamento pulmonar. Esse custa cerca de R$ 150, e a jovem também não tem conseguido gratuitamente. A falta de remédios não é a única dificuldade que Bárbara enfrenta. Há meses, ela tenta sem sucesso uma consulta com neurologista.
_ Às vezes, preciso de um médico e não consigo. Os remédios, temos que comprar. Alguns, até parei de tomar. Com a troca equipe que nos atendia (quando a Ebserh passou a administrar o Husm), passamos a ser atendidos por médicos residentes em psiquiatria. É bem complicado _ lamenta a jovem.
Para dona Zilda Regina Patatt, 51 anos, conseguir os medicamentos de que o filho Guilherme, 20, precisa sempre foi uma batalha. Assim como Bárbara, Guilherme também é um sobrevivente do incêndio. O jovem ficou 33 dias internado no Hospital de Pronto-Socorro (HPS) em Porto Alegre, 19 deles em coma. Ele foi cuidado pela mãe em casa até que foi formada a equipe do Centro Integrado de Atenção às Vítimas de Acidente (Ciava), no Hospital Universitário de Santa Maria (Husm). Guilherme recebeu atendimento no Ciava, mas, segundo Zilda, o problema sempre foi conseguir os remédios.
_ Nunca foi uma coisa fácil. Ele faz uma medicação para o pulmão. Mas um medicamento que é para rinite, nunca tem. Eles alegam que é barato e que eu poderia comprar. E eu digo: "não, vocês vão dar todos os medicamentos que o Guilherme precisa" _ diz dona Zilda.
Além disso, a mãe conta que não há atendimento no Ciava aos finais de semana e feriados e que o paciente é orientado a procurar o Pronto-Socorro do Husm. Nos últimos meses, o jovem teve dois inícios de pneumonia, e a família teve que pagar os tratamentos, no valor de mais de R$ 1 mil.