Na madrugada desta quinta-feira, os deputados aprovaram a proposta de emenda constitucional (PEC) que permite a responsabilização criminal de jovens de 16 e 17 anos em casos de crimes violentos. Especialistas explicam que a redução da maioridade penal não influencia em outras permissões, como beber, dirigir e casar, e também em obrigações, por exemplo, o voto obrigatório - ao menos não de forma automática.
Segundo a professora de Direito Constitucional da Unisinos Roberta Magalhães Gubert, tratam-se de esferas jurídicas diferentes, com critérios etários independentes. Como exemplo, ela cita a permissão para dirigir, que é do Direito Administrativo, e a possibilidade de comprar e vender uma casa, casar e assinar um contrato, que estão ligados à esfera civil.
- Desde 1916, a maioridade civil era 21 anos. Com o novo Código Civil (entrou em vigor em 2003), caiu para 18 anos. Isso não interferiu, nem antes nem depois, na maioridade penal - exemplifica Roberta.
Professor de Direito Processual Penal na graduação e de Ciências Criminais na pós-graduação da PUCRS, Aury Lopes Junior exemplifica:
- Se uma pessoa de 16 anos se emancipar, pode praticar todos os atos da vida civil, como casar. Mas, mesmo emancipado, não responde por crime nenhum (até que a maioridade seja promulgada), não pode dirigir, nem beber.
No entanto, embora a mudança na maioridade penal não tenha efeito automático nas outras leis, Lopes acredita que um "efeito cascata" poderia ser iniciado.
- A tendência é que novos projetos surjam para as outras áreas. Um já foi apresentado para manter em 18 anos a permissão para dirigir, provavelmente já prevendo que apareçam outros querendo reduzir - aponta o professor.
Quanto ao direito de ter Carteira Nacional de Habilitação (CNH), Roberta lembra que, atualmente, a lei diz que não podem dirigir aqueles que forem inimputáveis legalmente. Com a possibilidade de penalizar uma pessoa com menos de 18 anos, poderia ser criado um conflito jurídico.
Paradoxos como esse podem se multiplicar caso a PEC seja promulgada - lembrando que ela precisa ser aprovada em segundo turno pela Câmara e depois passar por duas votações no Senado para passe a valer.
- Vamos ter um ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) que diz que uma pessoa com 17 anos é um adolescente e deve ser protegido, mas se essa mesma pessoa cometer um crime, vai ser punindo como um adulto - afirma Lopes.
Como exemplo, ele cita que o ECA determina que o Estado garanta e obrigue toda criança e adolescente a frequentar a escola. Mas, se esse menor de 18 anos for considerado culpado de um crime hediondo, vai ser punido como adulto, ou seja, encaminhado ao presídio, e, lá, o governo não garante educação.
- Vai se criar uma colcha de retalhos e conflitos jurídicos internos no sistema. Para resolver isso, terão de ser criadas novas leis para solucionar, num efeito cascata. Mas, do jeito que é o nosso Congresso, será que as leis vão ser aprovadas? - questiona o professor.
Na visão de Roberta, diferentemente do que especialistas ouvidos pela Conjur disseram, a redução da maioridade penal não descaracteriza as pessoas com 16 e 17 anos como adolescentes, já que a mudança não afeta todos os tipos de crime. Por isso, o ECA continuaria protegendo essa faixa etária e continuaria sendo crime produzir, publicar ou vender pornografia envolvendo jovens de até 18 anos, assim como vender bebida alcoólica ou cigarro a uma pessoa nessa faixa de idade.
- São questões que a gente ainda não tem certeza absoluta. Mas a redução discutida é parcial, vale somente para alguns crimes. Isso não significa que os jovens de 16 a 18 anos não serão mais considerados adolescentes. Vai depender de regulamentação - explica ela.