Pelo menos R$ 5,88 bilhões (44,7%) escapam da competência do Palácio Piratini. São casos de renúncia fiscal previstos na Constituição. Grande parte se refere às perdas com exportações em razão da Lei Kandir, aprovada em 1996 e alvo de controvérsia até hoje.
Os auditores fiscais decidiram iniciar o estudo pelos créditos presumidos porque são mais fáceis de alterar e têm um valor considerável. Esses créditos envolvem inclusive programas como o Fundo Operação Empresa (Fundopem) e beneficiam empreendimentos em praticamente todos os setores. São mais de 150 tipos.
Estado, prefeitura de Porto Alegre e Airbus anunciam acordo de cooperação
Na tentativa de amenizar a crise nas finanças públicas, auditores da Secretaria da Fazenda trabalham em um levantamento minucioso sobre os incentivos fiscais concedidos pelo Estado e passíveis de revisão. O trabalho, que busca aumentar a arrecadação, começou com um pente-fino sobre os chamados créditos presumidos (benefícios destinados a atrair investimentos e a estimular setores da economia) estimados em R$ 2,9 bilhões no ano passado.
A totalidade dos dados referentes a 2014 ainda não foi divulgada. O que se sabe é que, em 2013, o Estado deixou de embolsar R$ 13,1 bilhões em Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) por conta das desonerações. A cifra equivale a 35,4% do potencial de captação do tributo, mas nem todo esse valor pode ser revisto.
A margem de manobra do Estado resume-se, portanto, a cerca de R$ 7,3 bilhões e, mesmo assim, com restrições. Embora o valor supere o déficit previsto para 2015 (de R$ 5,4 bilhões) em 35%, o governo não pretende mexer em tudo. Há desonerações de cunho social, envolvendo produtos da cesta básica, por exemplo, que dificilmente serão cortadas.
Governo estadual desiste de parcelar salários de servidores
Além de gerar uma série de consequências para os setores envolvidos e descontentar o empresariado, nem todas as modificações dependem da decisão do governador José Ivo Sartori. Parte delas precisaria passar pelo crivo do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) - órgão federal responsável por celebrar convênios de concessão ou de revogação de isenções - e pela Assembleia Legislativa.
- Na prática, a revisão não é tão simples como as pessoas imaginam. É justamente por isso que estamos fazendo uma reavaliação criteriosa. Não podemos correr o risco de reduzir a competitividade do Estado e de prejudicar a população - pondera o secretário-adjunto da Fazenda, Luiz Antônio Bins.
- Estamos estudando um a um e avaliando os impactos e os limites de eventuais alterações. Alguns créditos estão vencendo, então, teoricamente, são menos complicados de alterar - afirma o subsecretário da Receita Estadual, Mario Luis Wunderlich dos Santos.
Na avaliação do economista Alfredo Meneghetti Neto, pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE) e professor da PUCRS, a decisão do governo é acertada.
- A opção por revisar os créditos presumidos é o caminho realizável, porque independe do governo federal. Além disso, muitas empresas não entregam o que prometem, e isso precisa ser rediscutido - acrescenta.
O que os alemães querem para investir no Rio Grande do Sul
Por enquanto, os detalhes do trabalho são mantidos em sigilo e não há prazo para conclusão. Em uma segunda etapa, a análise deverá se estender também a outras formas de desoneração, entre as quais isenções que somam R$ 1,9 bilhão.
Mudança nas regras preocupa empresários
No meio empresarial, a perspectiva de redução de benefícios fiscais é motivo de apreensão. Presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Heitor Müller espera que a entidade seja chamada para discutir o resultado do levantamento. Como o trabalho ainda está em andamento, Müller evita opinar, mas defende que o peso do ajuste fiscal no Estado seja compartilhado para que não recaia apenas sobre a sociedade.
Rosane de Oliveira: metas do governo pecam por falta de indicadores
- Não sei o que realmente vai ser mexido, como e em que condições. O que posso dizer é que empresas foram viabilizadas e não teriam se expandido ou se instalado aqui sem incentivos - pondera.
Na avaliação do presidente do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico e Eletrônico do Estado (Sinmetal), Gilberto Petry, o governo deveria priorizar a redução de custos.
Piratini institui metas para secretarias e órgãos do governo
- Sem isso (as desonerações), as empresas afetadas sofrerão muito, ainda mais no momento em que a atividade econômica está extremamente deprimida - avalia Petry.
Diretor-presidente da Bebidas Fruki, Nelson Eggers é um dos principais defensores do Fundo Operação Empresa (Fundopem). Ele vê com ressalvas a possibilidade de mudanças, mesmo que não afetem diretamente o seu negócio:
- Não seríamos nem metade do que somos hoje se não fosse o Fundopem. As pessoas acham que o governo perde, mas não abre mão de todo o ICMS. Essa troca é muito interessante para o Estado.
Em encontro de governadores, Sartori pede redução do indexador da dívida dos Estados
No setor primário, o sentimento não é diferente. O presidente da Federação das Cooperativas Agropecuárias do RS (Fecoagro-RS), Paulo Pires, considera válido o levantamento, mas pede cautela ao governo. Economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Antônio da Luz também faz uma ponderação. Segundo ele, aumentar tributos nem sempre é sinônimo de maior arrecadação.
- Um exemplo disso é o arroz. Quando a alíquota do ICMS foi reduzida, recentemente, o valor total arrecadado pelo Estado subiu - lembra.
Alívio nos tributos
O que são desonerações
Valores de tributos que o Estado deixa de arrecadar (em especial ICMS) em troca de benefícios para a sociedade. Foram usados para incentivar o setor agropecuário e micro e pequenas empresas, grandes geradores de empregos, por exemplo.
O que é ICMS
É o principal tributo estadual, cobrado sobre as operações relativas à circulação de mercadorias e prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Por que rever os benefícios
O governo gaúcho projetou déficit (gasto maior do que a despesa) de R$ 5,4 bilhões em 2015. Para fazer frente à crise nas finanças, precisa aumentar a receita. Uma das formas de fazer isso é revendo as desonerações.
A polêmica em torno da revisão
A possibilidade de revisão é alvo de críticas das entidades empresariais, sob a justificativa de que prejudicaria empresas e provocaria desemprego. Além disso, poderia tornar o RS menos competitivo frente a outros Estados. Há, ainda, benefícios fiscais de impacto social, como os aplicados a produtos da cesta básica e medicamentos.
Sartori expõe crise econômica do RS a empresários paulistas
O que pode e o que não pode ser alterado
1. Desonerações sem possibilidade de revisão
Há casos de renúncia fiscal previstos na Constituição que são imunes à cobrança de tributos. O Estado não tem competência para alterá-los. Cerca de 90% referem-se a perdas com exportações, em especial provocadas pela Lei Kandir.
Valor (2013): R$ 5,88 bilhões (44,7% do total desonerado)
A Lei Kandir
Implementada em 1996, a lei federal criada pelo ex-deputado Antonio Kandir (PSDB-SP) isentou de ICMS produtos destinados à exportação. O governo federal se comprometeu a compensar as perdas na arrecadação do imposto pelos Estados, mas as regras não ficaram claras. E os valores demoram a ser repassados pela União. No caso do RS, a compensação foi de R$ 550 milhões em 2013, bem abaixo do valor desonerado (R$ 5,3 bilhões).
2. Desonerações nas quais pode haver revisão
Há um segmento de cortes de tributos nos quais o Estado tem ingerência. Se quiser aumentar a arrecadação, é nessa fatia que o governo pode mexer. Aqui se enquadram benefícios como os créditos presumidos, que passam por pente-fino. Valor em 2013: R$ 7,27 bilhões (55,3% do total desonerado)
Os créditos presumidos
São tipo de desoneração fiscal concedida para atrair investimentos e estimular determinados setores. O Estado "presume" qual será o ICMS gerado por uma empresa que pretende se instalar ou ampliar e permite que use parte do valor por um determinado tempo como forma de incentivo. Entram nessa categoria programas como o Fundopem e o Fomentar.
Valor em 2013: R$ 2,68 bilhões (20,41% do total)
Valor em 2014: R$ 2,9 bilhões*
*O percentual em relação ao total ainda não está definido, porque o restante dos dados de 2014 está em fase de compilação
Fundopem impulsiona fábrica de bebida
Criado em 1972 e remodelado em 2003, o Fundo Operação Empresa é o principal programa de atração de investimentos do Estado. Possibilita que empreendimentos utilizem parte do ICMS que será gerado no futuro para financiar a implantação ou ampliação. Parte do ICMS financiado é devolvida e parte é alvo de abatimento, conforme critérios, como local do empreendimento, setor de atividade e geração de empregos.
Um exemplo do uso desse incentivo envolve a Bebidas Fruki. A empresa assinou seu primeiro Fundopem no fim dos anos 1980 e está no quarto contrato, firmado a partir de um investimento de R$ 9,4 milhões em nova linha de produção e da geração de 121 novos empregos.
Fomentar ajuda a ampliar montadora
Regulamentado em 1997 para o Complexo Automotivo de Gravataí, o Fundo de Fomento Automotivo do Estado (Fomentar) tem o objetivo de financiar o capital de giro dessas empresas, na forma de empréstimo via Banrisul ou de crédito fiscal presumido. Um exemplo do uso desse incentivo envolve a fábrica da GM, inaugurada em 2000, em Gravataí. O investimento chegou a US$ 600 milhões, com a geração de 3,5 mil empregos no complexo. O Fomentar concedido a partir da implantação da fábrica já foi encerrado, mas a GM tem outro contrato resultante da ampliação ocorrida em 2012, que aumentou a capacidade de produção.