A morte do jovem negro Freddie Gray quando se encontrava sob custódia policial na cidade de Baltimore foi um homicídio e por isso serão processados seis agentes da polícia envolvidos no crime, afirmou nesta sexta-feira a promotora local Marilyn Mosby.
A promotoria já emitiu ordens de prisão para os agentes envolvidos no caso.
- Os resultados de nossa investigação independente, somados ao relatório do exame médico que determinou a morte do sr. Freddie Gray foi um homicídio, nos levam à conclusão de que temos causas prováveis para abrir processos criminais - declarou Mosby em coletiva de imprensa.
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Os agentes deverão responder por várias acusações, incluindo homicídio duplamente qualificado. De acordo com Mosby, os agentes prenderam Gray ilegalmente, já que ele não cometeu crime algum.
O anúncio de Mosby foi recebido com gritos de alegria por manifestantes que acompanhavam a coletiva de imprensa em uma praça diante da prefeitura, que nos últimos dias foi o cenário principal dos protestos.
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Na véspera, a polícia de Baltimore entregou ao Ministério Público os resultados de sua investigação sobre a morte de Gray, que morreu em 19 de abril por causa de fraturas na coluna vertebral uma semana depois de ser preso.
O fato desencadeou graves distúrbios em Baltimore na segunda-feira após o funeral do jovem, e na quarta-feira os protestos se estenderam a várias outras cidades da costa leste dos Estados Unidos, incluindo Nova York, Boston e a capital Washington.
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Os protestos estouraram com força em Baltimore - cidade portuária com 620 mil habitantes -, mas também se espalharam para Filadélfia, a última cidade do leste a se somar aos protestos, onde 600 pessoas se reuniram para pedir justiça neste caso.
Em Nova York (leste), 143 pessoas foram detidas na noite de quarta-feira, durante a marcha convocada sob o lema "NYC se mobiliza e apoia Baltimore", segundo balanço da polícia.
A prefeita de Baltimore, Stephanie Rawlings-Blake, impôs um toque de recolher desde terça-feira, e afirmou que a necessidade de manter o toque será avaliada dia a dia.
Na segunda-feira, os distúrbios deixaram mais de 140 veículos incendiados, 20 policiais feridos, 250 suspeitos presos e centenas de lojas saqueadas na cidade.
Gray é a mais recente vítima afro-americana da violência policial após uma série de casos similares registrados nos Estados Unidos.
Em agosto de 2014, um policial branco atirou e matou um adolescente negro em San Luis, um subúrbio de Ferguson (Missouri, centro), o que provocou manifestações nas principais cidades dos Estados Unidos, de Los Angeles a Nova York, que se intensificaram depois que um grande júri se negou a indiciar a polícia.
*AFP
O presidente Barack Obama condenou os atos de violência em Baltimore e afirmou que não há desculpas para eles, mas destacou estar convicto de que os Estados Unidos enfrentam uma crise latente em relação à polícia, especialmente em sua abordagem com os negros.
- Vemos muitos exemplos de interação entre a polícia e as pessoas, principalmente com os afro-americanos, geralmente pobres, que levantam questões preocupantes - afirmou o presidente em coletiva na Casa Branca.
Na opinião de Obama, "o departamento de polícia deve fazer uma reflexão":
- E acho que há comunidades que devem fazer uma reflexão. Acho que todos nós, como um país, devemos fazer uma reflexão.
Obama afirmou ainda que, se o país quiser resolver os problemas que envenenam a moderna sociedade americana, os Estados Unidos devem não apenas repensar a formação da polícia, como também seu sistema educacional e talvez uma reforma do sistema judicial.
Cidade tomada
Um toque de recolher vigora em Baltimore nos próximos dias entre 5h e 22h. O governador de Maryland, Larry Hogan, percorreu as ruas da cidade na madrugada e visitou uma barricada da Guarda Nacional, onde disse à imprensa que as autoridades vão garantir "que aquilo que aconteceu ontem à noite em Baltimore não volte a acontecer".
- Esta violência não será tolerada - disse Hogan perante à barricada, onde montavam guarda homens armados com fuzis de assalto, enquanto prometia a presença "maciça" das forças de ordem.
Líderes locais e nacionais formulavam um apelo à calma, depois de um novo capítulo de incidentes provocados por tensões raciais.
- Foi horroroso ao ponto que meus filhos choravam enquanto tentávamos voltar para casa - disse à AFP Latania Graham, ao evocar a noite de segunda-feira.
- Eu sinto que meus ancestrais lutaram para que tudo seja mais calmo que isto. Passar por isto, 50 anos depois é incrível para mim - acrescentou Graham, em alusão às lutas pelos direitos civis dos negros americanos.
Muitos condenaram os agitadores, mas também falaram de sua desconfiança da polícia. Aretha Williams, de 45 anos, funcionária de uma loja, disse em frente a uma fileira de policiais da tropa de choque, a maioria, brancos:
- Acho que muitos dos policiais são racistas.... Que têm licença para matar ao se tornar um oficial da polícia.
Uma aposentada de 68 anos, que se identificou apenas como Clarence, disse que nunca viu Baltimore tão tensa desde os distúrbios de 1968, quando seis pessoas morreram, 700 ficaram feridas e grande parte do centro da cidade foi arrasado.
Nesta terça-feira, as escolas de Baltimore estavam fechadas como medida de segurança, embora algumas vozes comentassem que isto poderia ter um efeito contrário, deixando muitos jovens e adolescentes nas ruas.
O Superintendente da Polícia de Maryland, o coronel William Pallozzi, informou ter mobilizado 500 agentes para a cidade e pediu outros 5.000 homens de cidades da região.
A Guarda Nacional, por sua vez, informou ter disponíveis 5 mil homens e que será mobilizada uma "enorme força" para proteger pessoas e propriedades.
Lesões na coluna
Os advogados da família de Gray explicaram que a morte do jovem, que ficou uma semana em coma, foi causada por graves lesões sofridas depois da detenção.
Seis policiais foram suspensos sem direito a pagamento até o fim das investigações, cujas conclusões serão apresentadas na sexta-feira a promotores do estado de Maryland.
A polícia de Baltimore confirmou que Gray solicitou auxílio médico depois de sua detenção e admitiu que deveria ter recebido este atendimento médico de forma rápida.
Em um vídeo da detenção, gravado por uma testemunha com telefone celular, é possível ver Gray gritando de dor quando era levado por vários agentes para uma caminhonete da polícia.
*AFP