Um dos principais capítulo da história do assassinato de Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, começa a ser escrito nesta quarta-feira a partir dos depoimentos dos quatro acusados de envolvimento com o crime, ocorrido em abril do ano passado.
O interrogatório, que ocorre no fórum de Três Passos, é a primeira oportunidade para dar suas versões que os réus têm, desde que se tornaram os principais suspeitos da morte que chocou o país por ter sido planejada e executada no ambiente familiar.
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Também é o momento para a acusação confrontar as versões com provas que foram produzidas ao longo da investigação. O médico Leandro Boldrini, pai de Bernardo, Graciele Ugulini, madrasta do menino, e os irmãos Edelvânia e Evandro Wirganowicz poderão aproveitar a sessão para se defender das acusações. Os defensores de Graciele e Edelvânia, no entanto, pediram dispensa do comparecimento delas na audiência.
A Justiça de Três Passos negou e mandou que elas sejam levadas ao fórum. O advogado de Edelvânia, Demetryus Grapiglia, recorreu da decisão do juiz Marcos Agostini, de Três Passos, e ingressou com Habeas Corpus junto ao Tribunal de Justiça (TJ) na tarde desta terça. Porém, o pedido foi negado na 1º Câmara Criminal pelo desembargador Julio Cesar Finger.
Os advogados avisaram que as duas devem exercer o direito de permanecer em silêncio. Segundo eles, Graciele e Edelvânia não estão em boas condições de saúde física e mental. A Constituição Federal assegura ao réu o direito de permanecer em silêncio. E, segundo o Código de Processo Penal, o silêncio não significa confissão e não pode ser interpretado em prejuízo da defesa.
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O advogado de Boldrini, Ezequiel Vetoretti, não quis antecipar se seu cliente responderá ou não às perguntas. Já Hélio Francisco Sauer, que defende Evandro, disse que faz questão de que seu cliente fale, pois considera o interrogatório um momento importante para a defesa.
Apesar de autoridades que atuaram no caso considerarem o crime plenamente apurado, especialmente a partir do roteiro que a confissão de Edelvânia deu à polícia, algumas lacunas podem ser exploradas durante o interrogatório.
Uma envolve o grau de participação de Boldrini no plano de execução do filho. A polícia reuniu um conjunto de indícios contra o médico, mas a defesa sempre os considerou frágeis, alegando não haver prova conclusiva de envolvimento do médico. Também a motivação do crime tem pontos nebulosos: seria apenas pelo ódio que a madrasta nutria por Bernardo ou envolveria questões econômicas, como o interesse do casal em não dividir bens quando o menino completasse 18 anos.
Estes são alguns dos assuntos que devem permear o dia de interrogatórios. O trabalho será conduzido pelo juiz Marcos Luís Agostini, titular do processo da 1ª Vara Judicial da Comarca, que vai decidir no começo da sessão a ordem em que os réus serão ouvidos.
Os quatro acusados serão mantidos separados antes de prestar depoimento. Depois de ser interrogado, o réu pode permanecer na sala de audiência para ouvir os demais acusados.
Como o salão do fórum é pequeno, a comunidade está preparando uma vigília que deve ser instalada na rua, junto ao fórum. Dos 45 lugares disponíveis na sala de audiência, pelo menos 30 devem estar ocupados por jornalistas. Os demais serão destinados à comunidade.
A Brigada Militar irá isolar a Rua General Osório - lateral do Ministério Público, para que os veículos de imprensa possam estacionar, e deixará a Avenida Julio de Castilhos em meia pista durante o interrogatório.
O PASSO-A-PASSO DA AUDIÊNCIA
Quem participa:
- Juiz Marcos Luís Agostini, titular do processo desde o começo
- Promotora Sílvia Jappe, que assumiu o caso há cerca de um ano, depois de a colega Dinamárcia Maciel de Oliveira ser promovida e transferida. Dinamárcia trabalhava no expediente de troca de guarda de Bernardo e, depois do crime, atuou até a apresentação da denúncia contra o suspeitos. Sílvia também foi promovida recentemente e deve deixar o caso depois dos interrogatórios e da entrega de memoriais.
- Assistente de acusação, Marlon Taborda, que representa a família da mãe de Bernardo
- Os advogados dos réus: Ezequiel Vetoretti e Rodrigo Grecellé Vares (Leandro Boldrini), Vanderlei Pompeo de Mattos (Graciele Ugulini), Demetryus Grapiglia (Edelvânia Wirganowicz) e Hélio Francisco Sauer (Evandro Wirganowicz)
Os reús:
- São mantidos em salas separadas e não podem ter contato entre si. Quem não foi interrogado não pode ouvir o que os demais vão dizer. Depois de falar, cada um pode ficar na sala de audiência. O réu tem o direito de ficar em silêncio.
O interrogatório no processo:
- É meio de defesa e meio de prova. Trata-se de meio de defesa porque é no interrogatório que o acusado tem a oportunidade de dar a sua versão dos fatos. Vale ressaltar que o réu não tem a obrigação legal de dizer a verdade, até mesmo porque está protegido pelo princípio da não auto-incriminação. E é meio de prova porque permite que se faça o confronto da versão do réu com as provas produzidas.
Ordem das perguntas:
- No começo da sessão o juiz vai definir a ordem em que os réus serão ouvidos. O juiz é o primeiro a perguntar. Depois, falam Ministério Público, assistente de acusação e advogados dos réus.
Próximos passos:
- Depois dos interrogatórios, é aberto prazo de cindo dias para a apresentação de memoriais, ou seja, para que acusação e defesa entreguem por escrito suas argumentações sobre a culpa ou inocência dos réus.
- Depois de analisar o processo e os memoriais, o magistrado tem quatro decisões possíveis:
Sentença de pronúncia: caso se convença da materialidade dos fatos e de indícios de autoria ou de participação, os réus vão ser julgados no Tribunal do Júri (Júri Popular).
Sentença de impronúncia: quando o magistrado considera que não há prova da existência do fato ou indícios de autoria. O processo é arquivado.
Absolvição sumária: se o juiz entender que há prova segura da inocência dos acusados. Os réus são inocentados.
Desclassificação: ocorre quando o julgador se convencer, em discordância com a acusação (no caso, o MP), da existência de crime diferente daquele pelo qual o réu foi denunciado, que não seja doloso contra a vida. No caso, o réu será julgado em vara criminal e não pelo Tribunal do Júri.