Michelle Bachelet, a pediatra socialista que deixara a presidência do Chile em 2010 com popularidade superior aos 80% e retornou ao poder há 14 meses amparada por 62,16% dos votos no segundo turno, atingiu constrangedores 31% de popularidade na semana passada, de acordo com o instituto de pesquisa Adimark, e acusou o golpe: na última quinta-feira, dispensou todo o seu ministério.
Michelle Bachelet pede renúncia de ministros no Chile
A medida pôs fim ao imobilismo presidencial, explicitado pelo anúncio da presidente, de que cumpre seu último mandato político - em outras palavras, disse que vai se aposentar no fim do governo. A ideia é estancar a crise e preservar as instituições. Mais além da impopularidade, o que a preocupa é a rejeição de 64%.
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A questão é que o tal imobilismo da presidente se deve menos à equipe de ministros e mais a questões familiares: Bachelet viu o patrimônio político corroído na esteira de um escândalo envolvendo parentes. Menos afeitos a ironias do que os brasileiros, os chilenos desta vez não perdoaram.
Apelidaram o rumoroso caso envolvendo Sebastián Dávalos, o filho mais velho da presidente, de "noragate". Por quê? Porque Dávalos, 36 anos, diretor sociocultural da presidência, e sua mulher, Natalia Compagnon, teriam abusado das informações privilegiadas. Conseguiram crédito de US$ 10 milhões destinado à empresa Caval, da qual Natalia, a nora, é controladora, com 50% das ações, e onde Dávalos trabalhava como gerente de projetos.
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Fazia meses que os dois tentavam o tal empréstimo para a Caval concretizar um negócio imobiliário em Machalí, localidade turística na região de O'Higgins. Batiam em vão às portas de instituições financeiras. Faltavam-lhes estrutura e recursos para assegurar a operação. E então veio a surpresa que é um símbolo constrangedor para Bachelet: em 16 de dezembro, um dia após a eleição de Bachelet, o empréstimo foi conseguido junto ao Banco do Chile. Bachelet sustenta que não tinha conhecimento do acerto. O filho foi afastado do governo.
Jorge Ramírez, cientista político da Pontifícia Universidade Católica do Chile, diz que o "noragate" mostra a fragilidade do governo de Bachelet, uma vez que a suspeita de corrupção lhe causou grande dano.
- Existe um déficit político, porque o governo é muito centralizado na figura da presidente Bachelet, e o caso Caval mostra: quando a crise atinge a presidente, o sistema não tem como reagir. Quando as suspeitas atingiam seu círculo do poder, ela não era afetada, tinha um teflon que a protegia.
Constrangimento e demissão de ministros
A situação levou Bachelet a anunciar, em entrevista na quarta-feira à noite para o apresentador de TV Mario Kreutzberger, o Don Francisco:
- Pedi a renúncia a todos os meus ministros. Em 72 horas informarei quem fica e quem vai - disse Bachelet, voz embargada e visivelmente constrangida ao falar no filho, referindo-se a este domingo como o dia-limite para o anúncio do novo gabinete.
A ausência do "efeito teflon" e o suposto envolvimento do filho abalaram Bachelet:
- Foi duro pelo próprio caso e porque as pessoas não acreditaram em mim - afirmou ela.
A exigência de que seus ministros renunciem foi classificada por analistas como Fernando Rosenblatt, da Universidade Católica do Chile, como "sinal de autoridade e golpe de efeito". O objetivo da medida extrema seria substituir, em especial, o ministro do Interior, Rodrigo Peñailillo, afilhado político da presidente. O coquetel de problemas éticos do governo, que estourou no "noragate", teve em Peñailillo um ingrediente a mais. No mês passado, revelou-se que ele fora contratado pela empresa Asesorías y Negocios (AyN), fundada por Giorgio Martelli (arrecadador de fundos políticos que recebeu R$ 1,2 milhão da mineradora Soquimich, pertencente a um ex-genro de Augusto Pinochet), por trabalhos que o Ministério Público suspeita não terem sido realizados.
O sentimento, entre a população, é de decepção em relação à líder que chegaria para combater a desigualdade, prometendo reformas educacional e tributária.
- Bachelet era a grande mãe, a salvadora da pátria - resume o sociólogo Alberto Mayol.
Temor por ofensiva das forças conservadoras
A cientista política Cristina Pecequilo teme pelo fim de um projeto cuja essência está assentada na redução das desigualdades.
- Há uma contraofensiva da direita focada em determinados governos, usando a corrupção como forma de combater algumas administrações - diz, referindo-se ao Chile, ao Brasil e à Argentina, três países coincidentemente governados por mulheres de linha centro-esquerdista.
Outra cientista política brasileira, Maria Isabel Valladão, pontua uma diferença do Partido Socialista chileno em relação ao PT no Brasil e à Frente Para a Vitória, facção peronista da presidente argentina Cristina Kirchner:
- As crises enfraquecem um projeto político de esquerda e centro-esquerda na América do Sul, mas é importante diferenciar: o Partido Socialista, de Bachelet, não tem um projeto de poder a longo prazo.
Ascensão e desconfiança
- O pai da presidente chilena, o general Alberto Bachelet, se opôs ao golpe militar de 11 de setembro de 1973. Foi preso e torturado, morrendo em março de 1974.
- Detidas em janeiro de 1975, Michelle e sua mãe foram torturadas.
- Depois da ditadura, no governo do socialista Ricardo Lagos, foi ministra da Saúde e da Defesa.
- Assumiu como presidente chilena em 11 de março de 2006.
- Dois dias após a posse, determinou a gratuidade do sistema de saúde a maiores de 60 anos.
- Entre outras ações polêmicas, distribuiu a pílula do dia seguinte.
- Deixou o poder, em 2010, aprovada por 80% dos chilenos.
- Em setembro de 2010, foi nomeada diretora da agência para as mulheres, da ONU.
- Em 11 de março de 2014, retornou à presidência e prometeu mais igualdade e educação pública.
- Na volta, é cercada de problemas.
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