A II Guerra Mundial não era propriamente passado para os que nasceram até o início dos anos 1970. A maioria dos países era governada pelos últimos rebentos das gerações que a haviam vivido plenamente. Nações beligerantes haviam erguido memoriais a combatentes (no caso das vitoriosas) e vítimas (no caso dos países derrotados, os civis mortos, especialmente na fase final das hostilidades).
Um chanceler alemão, Willy Brandt, ainda provocava comoção mundial ao se ajoelhar no monumento aos mortos do Gueto de Varsóvia. A Alemanha começava a se tornar o que é hoje: o primeiro algoz da história a homenagear os que enviou para o extermínio. A guerra constituía uma realidade tão soberba e inescapável que, em certo sentido, não terminara.
Luiz Antônio Araujo: dois livros
Não é por acaso que o primeiro livro de memórias de uma vítima da II Guerra Mundial a alcançar repercussão seja um relato quase escolar de adolescente. O registro de Anne Frank, ao mesmo tempo que revela a perplexidade dos selecionados para morrer, contém todo o colorido da adolescência: sonho, romance, curiosidade, pieguice. Para um jovem leitor, era e continua sendo impossível não se identificar com ela. E, até os anos 1970, todos eram jovens leitores quando se tratava de II Guerra.
"Fica na memória para sempre", diz amiga de Anne Frank
Em contraste com O Diário de Anne Frank, a obra de Primo Levi, É Isto um Homem?, teve uma acolhida tão fria que seu autor desistiu momentaneamente de escrever. Empregou-se como químico em Turim, sua cidade natal, casou-se e teve filhos.
É dele o melhor juízo sobre o diário da jovem alemã, que é, ao mesmo tempo, uma justificação de seu próprio livro: "Uma única Anne Frank nos toca mais do que os incontáveis outros que sofreram tanto quanto ela, mas cujas faces permaneceram nas sombras. Talvez seja melhor assim; se fôssemos capazes de absorver todo o sofrimento de todas aquelas pessoas, não seríamos capazes de viver". Por quê? Tentarei responder amanhã.
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