A onda de violência registrada em 2014 na Região Metropolitana se repetiu nos primeiros três meses deste ano. Até o final de março, uma pessoa foi assassinada a cada cinco horas entre as 19 cidades monitoradas pelo Diário Gaúcho.
Conforme o levantamento de homicídios realizado pelo DG, pelo menos 397 pessoas foram mortas neste período. No mesmo intervalo do ano passado, 394 pessoas haviam sido assassinadas.
A preocupante estatística é espelhada pelo aumento no número de homicídios nas três cidades que lideraram o ranking de assassinatos em 2014, ano considerado o mais violento desde o início dos levantamentos feitos pelo Diário: Porto Alegre subiu 11,1%, Alvorada, 23,6%, e Viamão, 23%.
A boa notícia é que alguns municípios registraram queda nos índices. Gravataí, por exemplo, apresentou uma redução recorde, de 50%, no número de assassinatos (44 para 22).
"Eu não tenho mais medo"
Restaram o silêncio e quase ninguém circulando pela rua esburacada de terra no fundo da Vila Recanto do Algarve, em Alvorada, um mês depois que quatro jovens foram vítimas de uma chacina naquele local. As famílias de três deles foram embora dali na tentativa de esquecer o sofrimento. Em uma casa simples, de madeira, porém, uma das mães, de 38 anos, que prefere não ser identificada, resiste. Medo? Ela garante que já não tem.
- O motivo que eu tinha para ter medo, esses bandidos tiraram de mim quando mataram o meu filho. Eu tinha medo que acontecesse alguma coisa aos meus filhos. Eles mataram esses meninos inocentes e ainda deixaram machucada com um tiro na perna a minha filha. Não tenho mais medo - desabafa ela, entre lágrimas.
Esta mãe raramente sai de casa. Assim como a maioria nas casas das ruas agora desertas na vila. Nas primeiras semanas depois do crime, a Brigada Militar até manteve patrulhas constantes por ali, mas não voltaram.
O crime que vitimou Cristian Rodrigues de Assis, 19 anos, Jonas Dorneles de Souza, Brayan Ildo de Andrade e Andrey Flores Monticelli, todos de 16 anos, e ainda deixou a irmã de Andrey, de 14 anos, ferida com um tiro na perna, foi cometido por criminosos que atravessaram o arroio que marca ali o limite entre Porto Alegre e Alvorada. Seriam matadores, a mando de uma quadrilha de traficantes do Loteamento Timbaúva, no Bairro Mario Quintana. Todos já estariam identificados pela Delegacia de Homicídios de Alvorada.
Na Capital, duas mortes por dia
- É uma situação crítica, que não parece ter solução imediata. Porque a guerra do tráfico é ingrata. Tudo é resolvido na bala. E se alguém resolve denunciar, também corre o risco de morrer. Nosso trabalho é para manter os suspeitos presos, mas a investigação de homicídios não os evita necessariamente - avalia o diretor do Departamento de Homicídios de Porto Alegre, delegado Paulo Grillo.
Ele não tem dúvida em apontar os acertos entre criminosos - principalmente envolvidos em tráfico - como pano de fundo de mais de 80% dos casos apurados neste ano. Em média, duas pessoas são mortas diariamente nas ruas da Capital. Um índice que só se assemelha ao de Alvorada, onde são assassinadas, em média, duas pessoas a cada três dias. Nas duas cidades, foram observados crescimentos nos números de assassinatos nos primeiros três meses do ano.
Ou seja, onde já era ruim em 2014, ficou pior.
- Traficantes são como empresários, mas em um negócio ilegal. Eles tratam de expandir seus negócios, eliminar rivais e cobrar dos devedores com suas leis. Um crime de homicídio, hoje, raramente se limita à investigação da morte. São crimes relacionados que exigem da investigação compreender as relações entre quadrilhas - aponta Grillo, que desde o começo do ano comanda do departamento na Capital.
Mas nem sempre as vítimas são criminosos. Nenhum dos quatro meninos mortos em Alvorada tinha antecedentes criminais. Para a polícia, foram mortos de graça. Como uma forma da quadrilha de traficantes que tentava dominar os pontos naquela região mostrar o seu poder de fogo.
Ironicamente, Andrey, uma das vítimas, sonhava em seguir a carreira militar ou virar policial. Não cansava de dizer para a mãe:
- Quando eu for policial, não vou nunca deixar os bandidos tomarem conta desse lugar (Recanto do Algarve).
Andrey acabou morto aos 16 anos, no ano em que deveria se formar no ensino médio.
"São marcados para matar ou morrer"
Para o comandando do policiamento da Capital, tenente-coronel Mario Ikeda, a estatística crescente de homicídios só se reverterá quando a legislação penal e a realidade prisional mudarem.
- O criminoso que é preso precisa cumprir toda a sua pena e aprender com seus erros, voltar ressocializado. O que vemos hoje é o contrário. Quem deveria estar preso, está na rua. Ou quando vai preso, volta marcado para matar ou morrer - desabafa.
Segundo ele, o que dificulta a eficiência de estratégias no combate aos homicídios é justamente o perfil das vítimas.
- São pessoas com histórico criminal, que deveriam estar cumprindo pena. Sobre esses, não há muito o que o policiamento possa fazer de diferente - avalia.
Ainda assim, o oficial garante que a Brigada Militar tem aumentado a sua presença em áreas com maior incidência de crimes.
No final de março, um alento em Alvorada
Se os números ainda não são positivos, ao menos nas últimas duas semanas de março as autoridades de segurança em Alvorada têm um alento. Neste período, apenas um homicídio foi registrado na cidade.
- É resultado de um trabalho conjunto que articulamos com a Brigada Militar ainda no começo do mês. Sem tantos crimes, a população ganha mais tranquilidade e nós também conseguimos finalizar investigações com maior precisão.
- Isso significa a prisão de suspeitos importantes - avalia o titular da Delegacia de Homicídios da cidade, delegado Cassiano Cabral.
A partir da constatação do crescimento no número de homicídios na arrancada do ano - foram 20 mortos em janeiro -, foi planejada a parceria entre Brigada Militar e Polícia Civil em ações nas áreas consideradas mais preocupantes.
- É uma ação que chamamos de inquietação, com operações diárias e pontuais, sempre conjuntas entre o nosso Pelotão Especial e agentes da Polícia Civil. Garantimos que diariamente os pontos de tráfico estarão sob pressão. Ou quebramos eles, ou vão migrar de Alvorada - aponta o comandante do 24º BPM, major Maurício Campos Padilha.
Alvorada já registra 47 assassinatos este ano, quase um quarto a mais do que se tinha nos três primeiros meses de 2014 (38), ano em que a cidade bateu o triste recorde de 156 homicídios. Ainda assim, o comandante faz projeções otimistas.
- Nossa meta é baixar o número de homicídios este ano para os dois dígitos - diz.
Aposta na identificação dos matadores
Agilidade virou palavra de ordem na Delegacia de Homicídios de Gravataí. A cidade dominou os noticiários no começo do ano passado, quando uma guerra do tráfico estourou no Bairro Rincão da Madalena e jogou os índices de homicídios para o alto. Em três meses, Gravataí tinha registrado 44 assassinatos. A realidade de 2015 é oposta. Foram 22 vítimas de homicídios e latrocínios na cidade.
- Foi uma resposta em dois tempos: primeiro, conseguimos chegar aos principais matadores que agiam em Gravataí, chegando a prender um homem investigado por dez homicídios. Segundo, com aqueles conhecidos na cadeia, garantimos velocidade no atendimento até de ameaças, para mostrar a comparsas ou novos criminosos que estamos em cima - justifica o chefe de investigação da Delegacia de Homicídios de Gravataí, Jair Gonçalves.
Em Canoas, também houve uma queda de 11,1% nos homicídios em relação ao primeiro trimestre do ano passado. Dado que, de acordo com o delegado Tiago Baldin, poderia ser muito mais significativo.
- Nós conhecemos quem mata e onde está matando. Finalizamos investigações, mas o entendimento da Vara do Júri de Canoas não tem sido por conceder as ordens de prisão que pedimos - lamenta.
No cargo desde a metade de janeiro, Baldin já encaminhou seis pedidos de prisão à Justiça. Todos foram negados.
- É preocupante constatarmos que a liberdade de três ou quatro indivíduos causa grande risco de novos homicídios na cidade. Infelizmente, os matadores são sempre os mesmos - assegura.
Latrocínio e homicídio em queda
A Secretaria da Segurança Pública (SSP), divulgou na segunda-feira os dados parciais sobre os índices de criminalidade do primeiro trimestre. O número de roubos em geral aumentou 24% e o de roubos de veículos subiu 23,1% nos três primeiros meses de 2015 no Rio Grande do Sul na comparação com o mesmo período do ano passado. De janeiro a março deste ano, apresentaram redução em relação aos três primeiros meses do ano passado os crimes de latrocínio (46,3%), extorsão mediante sequestro (62,5%), estelionato (23,2%), homicídios (5,2%) e furtos (9,1%).
De acordo com secretário da Segurança Pública, Wantuir Jacini, a redução ocorreu em razão da mudança de estratégia da SSP neste ano, com o trabalho focado nos crimes que mais impactam a sociedade, que são os contra a vida e contra o patrimônio.
Segundo a assessoria de imprensa do órgão, um balanço completo será apresentado na última semana de abril.
Os números de homicídios:
Foram 397 assassinatos na Região Metropolitana nos três primeiros meses do ano.
Em média, foram 132 casos por mês.
A cada dois dias, nove pessoas são mortas na região.
O índice é praticamente o mesmo do ano passado, considerado recordista de mortes.
Os 10 mais violentos (índice comparado com 2014):
Porto Alegre - 160 homicídios / 144 em 2014 (+ 11,1%)
Alvorada - 47 homicídios / 38 em 2014 (+ 23,6%)
Viamão - 32 homicídios / 26 em 2014 (+ 23%)
Canoas - 32 homicídios / 36 em 2014 (- 11,1%)
São Leopoldo - 32 homicídios / 38 em 2014 (- 15,7%)
Novo Hamburgo - 25 homicídios / 18 em 2014 (+ 38,8%)
Gravataí - 22 homicídios / 44 em 2014 (- 50%)
Sapucaia - 17 homicídios / 10 em 2014 (+ 70%)
Guaíba - 16 homicídios / 6 em 2014 (+ 166,6%)
Cachoeirinha - 10 homicídios (igual)
* números até o final de março