No começo do ano, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) decidiu contratar uma consultoria para monitorar o que andam dizendo dela. A empresa passou a realizar todos os meses uma varredura em emissoras de rádio, em canais de TV, em jornais e na internet. O levantamento mais recente foi feito em março. Identificou 7.628 menções ao nome da parlamentar. A análise do conteúdo trouxe dados alarmantes. A esmagadora maioria dos comentários - 5.286 - eram de teor negativo. Apenas 363, o equivalente a 4,76%, traziam opiniões positivas. Em fevereiro, o índice havia sido ainda pior: 3,25% de aprovação.
Para quem marca presença nas redes sociais e acompanha as caixas de comentários dos sites jornalísticos, esses números não chegam a ser uma surpresa. Encontrar ataques à deputada gaúcha, alguns deles pesados, incorporou-se à rotina de navegar pela web. Nos últimos anos, Maria do Rosário tornou-se uma personagem para a qual parece convergir a rejeição - e em muitos casos o ódio - de uma parcela da sociedade brasileira.
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O episódio mais recente desse fenômeno deu-se no sábado passado, quando a ex-ministra foi apanhada pela Operação Balada Segura sem a documentação do carro e teve o veículo retido. Submeteu-se ao bafômetro, reconheceu publicamente que havia errado e elogiou a blitz. Alguns aplaudiram-na, mas largos setores da web aproveitaram o deslize para atacar. "Essa senhora é uma hipócrita e demagoga. Defende bandidos, assassinos, criminosos. Vota sempre contra qualquer projeto bom para o Brasil", escreveu um internauta, no site de Zero Hora.
O estigma é de tal monta que acaba por atingir até quem se vê, por um motivo ou outro, associado a ela. Há duas semanas, em entrevista a ZH, o humorista Jair Kobe, o Guri de Uruguaiana, revelou ter sido alvo de cobranças por aparecer em uma foto com a então ministra dos Direitos Humanos. A imagem foi feita durante um evento de combate à violência contra crianças e adolescentes, causa apoiada pelo artista.
Dias atrás, foi a vez do jornalista Moisés Mendes. Ele publicou em ZH uma crônica sobre o episódio do Balada Segura: "Ninguém foi mais malhado na internet no fim de semana do que Maria do Rosário. Ela já é alvo do Bolsonaro, dos homofóbicos, dos que defendem prisão perpétua para adolescentes infratores e dos adoradores da ditadura. Agora, imagine, andava sem os documentos do carro! É o fim do mundo", registrou Moisés. Maria do Rosário compartilhou o texto e vaticinou que o colunista viraria alvo dos que a atacam. Não deu outra. Moisés recebeu várias críticas. Um engenheiro agrônomo ecoou o pensamento mais frequente: "Essa senhora desperta o ódio das pessoas, e olhe que eu estou me referindo ao povo comum e também a muitos agricultores com os quais eu convivo, justamente por suas posições em defender bandidos".
Essa é uma acusação que ronda Maria do Rosário desde os anos 90, quando presidia a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. Na época, ela costumava ser chamada para ajudar nas negociações com presidiários ou menores infratores, durante motins e rebeliões. A deputada afirma que envolvia-se nessas situações a pedido da Brigada Militar, com o intuito de auxiliar na libertação de reféns. Para os críticos, ela estava lá para defender os bandidos.
Em 2002, Maria do Rosário elegeu-se deputada federal na condição de campeã de votos entre os gaúchos. Levando as mesmas pautas para o cenário nacional, transformou-se em pouco tempo no nome mais visível da militância pelos direitos humanos no Brasil, o que se consolidou a partir de 2011, quando tornou-se ministra responsável pela área no governo Dilma. Associou-se a causas como a reserva de cotas para negros, a concessão de direitos a homossexuais, o combate à violência praticada por policiais e a punição de crimes cometidos durante a ditadura militar. Essa linha de ação granjeou-lhe popularidade em alguns segmentos, mas levou outros setores, por motivos ideológicos ou religiosos, a ver nela o inimigo.
Para vários observadores, estaria nessa linha de ação a origem das críticas a que Maria do Rosário passou a ser submetida. Ex-deputado estadual e federal pelo PT, o também militante dos direitos humanos Marcos Rolim diz que ainda hoje, mais de uma década depois de seu último mandato, ainda recebe todos os dias agressões e ameaças pela internet.
- Por ter se vinculado ao tema dos direitos humanos, a Maria do Rosário é de certa forma o para-raio das redes. Eu me solidarizo com ela. É uma vítima da intolerância - afirma Rolim.
No Brasil, dizem alguns analistas, as bandeiras levantadas pelos defensores dos direitos humanos não são consensuais. Em um país assolado pela criminalidade, ser contra a redução da maioridade penal, defender que presidiários têm direitos e condenar a violência policial vai contra o pensamento de amplas parcelas da sociedade. A defesa dos homossexuais, por outro lado, choca adeptos de diferentes igrejas.
- Os direitos humanos são muito mal entendidos no Brasil. Aqui temos um discurso de que bandido bom é bandido morto, de que criança na cadeia é bom. A impressão que eu tenho é que o sentimento da população é de vingança, não de justiça. Acho que a Maria do Rosário sofre porque é a figura mais lembrada quando se fala em direitos humanos no Brasil - avalia a cientista política Céli Pinto, da UFRGS.
Jair Krischke, presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH) e um dos decanos da causa no Brasil, afirma que a associação entre a militância nessa área e a defesa de bandidos é um resquício do regime militar. Segundo ele, foi a estratégia usada pelos apoiadoras da ditadura para desacreditar os que denunciavam violações. No entanto, Krischke acredita que são fragilidades da própria Maria do Rosário que a tornam um alvo preferencial de ataques:
- Isso talvez se deva a uma certa inabilidade da parte dela. A deputada é muito mais estridente, muito mais barulhenta, do que consistente. E os argumentos têm de ser consistentes, não estridentes. Talvez seja isso. Quem defende direitos humanos sabe que se expõe e que precisa ter cuidado. Cada ação tem de representar algum avanço. Não é para fazer votos, é para defender uma causa. Na ação dela, às vezes isso se confunde. Mesmo não sendo, pode parecer um proselitismo eleitoreiro.
Um dos episódios onde Krischke enxerga inabilidade é no rumoroso incidente com o deputado do Rio Jair Bolsonaro . Para o presidente do MJDH, Bolsonaro é um "provocador desprezível" com quem é absurdo discutir. Ao fazê-lo, Maria do Rosário teria oferecido um palco para o defensor da ditadura brilhar.
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De fato, o conflito entre os dois parlamentares atraiu as atenções e colocou muita gente contra a deputada gaúcha. A briga começou ainda em 2003, nos corredores da Câmara. Bolsonaro concedia uma entrevista sobre maioridade penal a uma emissora de TV, enquanto Maria do Rosário aguardava sua vez de falar. Entre uma entrevista e outra, os dois começaram a discutir.
- Se a senhora é contra a redução da maioridade penal, pega aquele estuprador de São Paulo e leva para sua casa, para dirigir o carro de sua filha - disse Bolsonaro.
Em dado momento, o deputado acusa a colega de o estar acusando de estuprador, empurra-a e a chama de "vagabunda". Fora de si, ela grita inúmeras vezes:
- O que é isso? O que é isso?
Em dezembro passado, ocorreu um novo embate. Quando falava ao plenário, Bolsonaro viu Maria do Rosário deixar o recinto e se exaltou?
- Não sai daqui não, Maria do Rosário. Fica aí, fica. Há poucos dias você me chamou de estuprador, no Salão Verde, e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece.
Por causa do episódio, Bolsonaro foi recriminado pelo meio político e pelos principais veículos de comunicação brasileiros. Zero Hora, por exemplo, defendeu em editorial que é uma questão de respeito à civilização "que a sociedade se previna contra o surgimento de outros Bolsonaros e de pessoas que os idolatram."
A reação popular, no entanto, teve um tom diverso. Mais uma vez, Maria do Rosário colecionou apoios, mas também sofreu ataques violentos. A interpretação dos fatos, para muita gente, é que ela foi a agressora. Ao lado do editorial sobre o assunto, ZH publicou algumas dessas reações, como a de Gilmar de Macedo, de Campo Bom: "O Bolsonaro me representa e a Maria do Ossário Jango Goulart é uma aberração que sempre está do lado dos bandidos, assaltantes e ladrões do dinheiro público. Essa ameba é uma vergonha para o Rio Grande, e a ZH está mais para pasquim do que para jornal. Grande Bolsonaro Presidente."
- Foi uma estratégia muito arriscada da Maria do Rosário bater de frente com o Bolsonaro, porque ela enfrentou uma criatura que não tem nenhum limite. Ele não tem superego. Se eu tivesse de dar conselhos para a Maria do Rosário, eu diria: não te mete com esse sujeito. Porque dá escada para ele. Por outro lado, ela foi a única que o enfrentou - observa a professora Céli Pinto.
Política
Por que a deputada Maria do Rosário atrai tantas polêmicas
Até em uma ocorrência simples, de esquecimentos dos documentos do carro ao volante, parlamentar que defende os direitos humanos se envolve em debates acalorados
Itamar Melo - de Capão da Canoa
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