Enfrentar a ameaça representada pelo grupo militante islamista Boko Haram é um dos grandes desafios do presidente eleito da Nigéria, Muhammadu Buhari, mas há pelo menos outras três tarefas decisivas para o país nos próximos anos: a consolidação da democracia, a unificação nacional e a luta contra a corrupção. É o que afirma Toyin Falola, professor de história da África na Universidade do Texas, em Austin, Estados Unidos, e um dos mais importantes intelectuais africanos da atualidade.
Em entrevista a Zero Hora, por Skype, ele diz que a principal característica do Boko Haram é "usar a violência para redesenhar as instituições políticas, rejeitar o secularismo do Estado e expressar descontentamento com o governo". Mas isso não é tudo:
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- O Boko Haram também é uma manifestação de indignação, de resistência e dos efeitos da pobreza crescente em toda a região da África Ocidental.
Segundo Falola, a ascensão do grupo militante islamista resulta, em primeiro lugar, de um processo de "deslocamento massivo" de nigerianos pobres em razão da degradação das condições de vida no país. Em segundo, é consequência de uma crise regional que afeta quatro países: Nigéria, Camarões, Chade e Sudão. Em terceiro, liga-se à crise ambiental que contribui para o aumento da pobreza.
- A Bacia do Lago do Chade, que costumava tornar a agricultura mais fácil para a população da região, está perdendo sua água. Há um processo de desertificação, com a consequente redução das lavouras e efeito sobre a produtividade. Isso incrementa a pobreza e torna o recrutamento pelos fanáticos mais fácil - diz.
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Falola lembra que a conexão entre islamismo militante e resistência é antiga na Nigéria. No século 19, houve uma jihad (guerra em nome do Islã) comandada pelo xeque Usman dan Fodio, que criou o Califado de Sokoto na região oriental que mais tarde se tornou a Nigéria.
- O Califado de Sokoto se estendeu até que os britânicos conseguiram desmantelá-lo, e sua área foi anexada ao que hoje é a Nigéria. Mas os colonos foram muito cuidadosos para não ofender os muçulmanos. Instituições islâmicas foram toleradas, e líderes islâmicos foram mantidos no poder. O problema da independência de 1960 não foi o Islã, mas as regiões: o Norte contra o Sul - sustenta.
Nos anos 1980, segundo o historiador, começaram a surgir três tipos de violência religiosa. A primeira foi de muçulmanos contra cristãos. A segunda foi de muçulmanos contra muçulmanos, como ocorreu durante a rebelião do líder Maitatsine, que deixou dezenas de milhares de mortos. E, finalmente, apareceu a violência de xiitas, minoritários e influenciados pelo Irã, contra sunitas sob a inspiração da Arábia Saudita. Nesse sentido, o principal grupo islamista nigeriano da atualidade é uma mistura do velho e do novo:
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- De certa maneira, o Boko Haram conecta-se à tradição de rebelião islâmica. Mas, por outro lado, ele tem novas características. O Boko Haram matou muito mais muçulmanos do que cristãos. Seus ataques são mais direcionados contra muçulmanos, sunitas e xiitas. Não é como o Estado Islâmico (EI), que é sunita e ataca xiitas, nem tem a mesma forma do EI.
Outro fator favorável ao Boko Haram, conforme Falola, é "a difusão global de armas leves" nos últimos 20 anos. O grupo beneficiou-se da desagregação das forças armadas líbias após a queda do ditador Muamar Kadafi, que espalhou armas pelo Deserto do Saara até Mali, Burkina Faso e Nigéria. Finalmente, a pobreza induz à rebelião. Quando o Estado fracassa em produzir desenvolvimento, "permite que organizações terroristas tenham mais pessoas para recrutar". Esse é, segundo Falola, o principal traço comum entre o EI e o Boko Haram.
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