Os investimentos militares em Santa Maria conferem à cidade um grande potencial de desenvolvimento do setor de defesa. Outros fatores, como a ligação afetiva que as pessoas criam ao passar por aqui, a mão de obra especializada e o contato próximo com as demandas das Forças Armadas, especialmente do Exército, aumentam as chances de que os sonhos acalentados por empresários, governantes e entidades locais se tornem realidade. Mas, diante de duas outras cidades brasileiras já consolidadas ou mais adiantadas na concretização como polos de defesa, ainda há um longo caminho até Santa Maria entrar para esse seleto grupo. No horizonte, o polo industrial de defesa pode virar realidade, se a cidade mantiver o foco no setor, no prazo de 10 a 20 anos.
São José dos Campos e São Bernardo do Campo, no interior de São Paulo, já são nacional e internacionalmente reconhecidas como polos industriais do segmento de defesa. A primeira tem uma história de relacionamento próximo com a Aeronáutica que remonta a década de 1940. Já a cidade do ABC Paulista é a sede do primeiro Arranjo Produtivo Local (APL) do setor, e tem na defesa mais um potencial, como complemento da indústria automobilística.
- Não há como querer se comparar com São José dos Campos. Lá os investimentos estatais começaram nos anos 40. Mas, fora isso, Santa Maria é a cidade que apresenta o maior potencial no país para ser um polo de defesa - afirma Francisco Ferro, editor da revista "Tecnologia e Defesa", a mais tradicional publicação especializada do país.
KMW: Sede local da empresa alemã deve ser inaugurada até setembro (Foto: Gabriel Haesbaert / Especial)
A certeza de Ferro se baseia em algumas constatações. A primeira é com base no que já existe na cidade: os numerosos quartéis, a KMW do Brasil e as pequenas empresas que estão se voltando para o segmento de defesa. Além das universidades, capitaneadas pela UFSM, já conveniadas e focando em pesquisas sobre o tema. Outro fator é o carinho que a cidade desperta nos militares que passam por aqui, inclusive no alto comando, revelado na presença massiva de generais quatro estrelas no Seminário Internacional de Defesa (Seminde), realizado aqui em novembro do ano passado.
Articulação deve continuar
- O próximo prefeito tem de continuar com essa bandeira e fazer toda a articulação política que o tema demanda - afirma o prefeito Cezar Schirmer (PMDB).
- As forças vivas da nossa comunidade têm atuado no sentido de viabilizar a cidade como um polo da indústria e de serviços na área de defesa. Entretanto, precisamos viabilizar os ambientes de inovação existentes para que sejam atrativos para que indústrias instalem suas unidades em Santa Maria - afirma o reitor da UFSM, Paulo Burmann.
- Esse potencial precisa ser divulgado para outras empresas, e não só para as Forças Armadas - conclui Ferro.
As pioneiras
A primeira cidade brasileira a se desenvolver na área da defesa foi São José dos Campos, em São Paulo, hoje o maior polo industrial do setor do Brasil. Poucas décadas depois da invenção do avião, o município já recebia um grande investimento do então Ministério da Aeronáutica: a criação do Centro Técnico da Aeronáutica (CTA), na década de 1940. O CTA deveria ser uma escola para formar engenheiros e demais técnicos que trabalhassem na fabricação de aeronaves nacionais. Porém, mais tarde, o órgão deu origem à Embraer, estatal que é hoje uma das maiores do setor aeroespacial do mundo, e ao Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA). Atualmente, a presença da Embraer atrai investimentos estrangeiros e parcerias, como a sueca SAAB. Juntas, as duas empresas fabricarão, em solo brasileiro, as aeronaves Gripen, que serão usadas pela Força Aérea Brasileira.
Mas a planta industrial da SAAB ficará em São Bernardo do Campo, cerca de 120 quilômetros dali. Além desse investimento, a cidade do ABC Paulista é a sede do primeiro Arranjo Produtivo Local (APL) de Defesa do país. Apoiado na indústria automobilística, o segmento de defesa está se consolidando em São Bernardo, como uma forma de diversificar a economia. E tudo começou há pouco tempo, em 2010, com o atual prefeito, Luiz Marinho (PT), que identificou o potencial e projetou ações para o setor.
- Nós trabalhamos a reconversão do parque industrial, para que as nossas empresas passem a complementar a produção vendendo também para as Forças Armadas - explica a coordenadora técnica do APL, Flávia Beltran.
Fazem parte do APL de Defesa 80 empresas, na maior parte, de médio e pequeno porte, da região do ABC. Mas o grupo não fecha as portas para empresas de outras regiões e Estados, que podem ser contempladas pelas ações do APL. Entre as ações, estão visitas, capacitações, intermediação do contato com universidades e com comandantes de Marinha, Exército e Aeronáutica para prospectar projetos e a ajuda na catalogação e homologação dos produtos e das empresas para vender para a defesa.
Lacunas a serem preenchidas
Santa Maria já identificou o seu potencial e vem trabalhando para consolidar o polo de defesa na cidade. As ações da Agência de Desenvolvimento de Santa Maria (Adesm), com o apoio da prefeitura, de outras entidades e das universidades têm feito o setor avançar, até mais do que outros segmentos econômicos. Porém, algumas lacunas devem ser preenchidas. Uma delas é a divulgação mais qualificada da cidade. Isso se faz por meio da participação em grandes eventos, como a Feira Internacional de Defesa e Segurança (LAAD), que ocorreu no começo do mês no Rio de Janeiro, e com a promoção de eventos para a cidade, como o Seminário Internacional de Defesa (Seminde), que será reeditado nesse ano.
Santa Maria participou da Feira Internacional de Defesa, no Rio (Foto: Juliana Gelatti / Agência RBS)
- A divulgação está andando. Vontade a gente tem, mas tudo ainda é incipiente e depende de vários fatores: das empresas, do poder público local, das Forças Armadas. Temos um grupo de 15 empresas focadas nisso, mas também passamos por um momento em que Exército, Aeronáutica e Marinha estão sem recursos para investir - afirma o diretor-presidente da Adesm, Vilson Serro.
- Somos reconhecidos como Polo de Defesa pelo Estado. Estamos firmando convênios como o da Rússia e UFSM, trazendo empresas como a KMW e fazendo eventos. Precisamos também que a iniciativa privada invista e aproveite as oportunidades que as Forças Armadas oferecem à cidade - diz o prefeito Cezar Schirmer.
Outra questão importante para a área é a dualidade. Ou seja, que a empresa de defesa também forneça para outros segmentos, não ficando dependente do investimento público. É o que faz a empresa santa-mariense Defii Ateliê de Software. Embora tenha nascido com foco nas demandas do Exército, diversifica a produção com jogos de entretenimento e treinamentos para empresas. Já em São Bernardo do Campo, a indústria de defesa está crescendo justamente como uma aposta na diversificação da economia:
- Não dá para vender apenas para o Exército. Para as pequenas empresas fica difícil se sustentar - afirma a coordenadora do APL de Defesa do Grande ABC, Flávia Beltran.
O mesmo entendimento tem o presidente da Cacism, Luiz Fernando Pacheco.
- Temos ambiente propício, porém, no Brasil, a indústria da defesa é muito voltada para o setor público, que pode mudar estratégias, cortar gastos. Enfim, ter uma indústria não só voltada para as Forças Armadas, mas deve ter foco também na iniciativa privada, criar produtos de segurança patrimonial, residencial, também para as polícias estaduais.
Tecnologia e pesquisa
Para o reitor da UFSM, Paulo Burmann, a cidade tem todas as prerrogativas para se transformar num importante polo de defesa. Em função do contingente militar relevante e da importância estratégica dentro das Forças Armadas. Ainda pelo conjunto de instituições de ensino, lideradas pela UFSM, que produzem ciência e conhecimento em temáticas ligadas aos interesses da área de defesa.
- A UFSM acaba de implantar a sua Agência de Inovação e Transferência de Tecnologia, cujo eixo central é justamente fomentar a inovação e a transferência de tecnologia na nossa comunidade universitária. A UFSM tem atuado no programa que abriga projetos de pesquisa e de desenvolvimento de tecnologias com o Exército, com a Marinha e com a Aeronáutica.