Passados seis meses, ainda ninguém sabe com exatidão o que levou um grupo de jovens a atentar contra as próprias vidas na serra gaúcha. O episódio sacudiu Gramado e Canela entre o final de setembro e começo de outubro, após dois suicídios e seis automutilações associados a um suposto pacto secreto firmado por meio de redes sociais. Telefones e computadores das vítimas foram apreendidos para análise do Instituto-Geral de Perícias (IGP), mas o resultado segue desconhecido.
A onda de autoflagelo obrigou a Polícia Civil a montar força-tarefa para elucidar as mortes e conter eventuais novos episódios. Os agentes descobriram que jovens envolvidos frequentariam as mesmas comunidades virtuais e poderiam estar sendo incentivados a se ferir ou mesmo a se matar. Em depoimentos, eles negaram participação em pacto de sangue.
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A polícia monitorou contatos entre integrantes do grupo no WhatsApp e teria evitado duas tentativas de suicídios, uma em Canela e outra em Gramado. Nos dois casos, os jovens teriam registrado em conversas que "amigos já se foram e seremos os próximos" e que "tinham compromisso de cumprir um pacto". Interrogados, disseram se tratar de brincadeira.
A polícia recolheu 13 smartphones e notebooks - um deles com um vídeo no qual uma sobrevivente cortou os pulsos. Os aparelhos foram remetidos ao IGP para recuperar conteúdos que pudessem auxiliar na investigação.
- Colhemos todos os depoimentos necessários. Vários mencionaram existir o tal pacto. Mas não temos provas materiais. A conclusão do inquérito depende das perícias. Sem elas, não temos como avançar - afirma o delegado Gustavo Barcellos, da Delegacia de Polícia de Gramado, responsável pelo caso.
O clima de pânico se dissipou ao longo dos meses. Nenhum novo caso foi registrado. A dúvida e a dor das perdas permanece.
- A gente não gosta de falar sobre isso. Aguardamos por justiça. A menina era doce, saudável, não tinha motivos para se suicidar - afirma o padrasto de uma estudante de 14 anos, uma das vítimas.
Além da cobrança por respostas, algumas famílias pedem a devolução de celulares apreendidos.
- Uma mãe me ligou mais de 15 vezes pedindo o telefone de volta. Tem gente pagando conta sem poder usar - lamenta o delegado.
- A resposta que temos (do IGP) é deficiências de estrutura. Isso tem atrasado o resultado do inquérito - acrescenta a delegada regional Elisangela Reghelin.
CONTRAPONTO
O que diz a assessoria de comunicação do IGP
"A estimativa é de que até a metade de abril a análise e confecção dos laudos esteja concluída. São análises complexas que demandaram tempo."
ENTENDA O CASO
- Em 23 de setembro, uma jovem de 18 anos se enforcou na propriedade da família, em Canela.
- Três dias depois, uma estudante de 14 anos, que seria amiga da jovem de Canela em uma rede social, se enforcou no quarto de casa, em Gramado. Dias antes, ela teria cortado os pulsos e, na véspera da morte, teria ingerido tranquilizante com outros quatro colegas e passou mal na escola.
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- Após a morte da menina de 14 anos, uma colega dela cortou os pulsos, alegando tristeza pela perda da amiga.
- Em 1º de outubro, em Canela, uma menina de 12 anos feriu os pulsos. Em Gramado, outra jovem fez o mesmo. No dia seguinte, um rapaz de 18 anos teve surto e ameaçou se matar, mas foi contido. Horas depois, outro rapaz de 18 anos, de Canela, e uma estudante de 13 anos, de Gramado, enviaram mensagens suicidas pelo WhatsApp, mas foram localizados e encaminhados para atendimento psicológico.
- Segundo a investigação policial, surgiram suspeitas de que o grupo frequentaria comunidades em redes sociais nas quais seria incentivado a se automutilar.