Saio da Rádio Gaúcha diariamente às 6h e vou em direção à BR-116. Meu destino é Novo Hamburgo, onde geralmente faço o retorno na sinaleira do bairro Roselândia e volto em direção a Porto Alegre para acompanhar a situação da rodovia no horário de pico. No entanto, no dia 23 de outubro não cheguei ao primeiro objetivo e a cobertura tornou-se totalmente atípica.
Estávamos eu e o motorista Everton de Jesus. Por volta das 6h30, quando chegávamos em Esteio, ainda em direção ao Vale do Sinos, encontramos o trânsito parado. Estava escuro e chovia. Meu primeiro reflexo foi ligar para a Polícia Rodoviária Federal (PRF), que ainda não tinha muitas informações sobre o motivo da parada repentina.
Neste momento, já tínhamos a informação de que um raio havia caído na linha do trem e estava prejudicando o serviço. Também soubemos que a água começava a invadir casas em Esteio, nos mesmos pontos castigados tantas vezes em 2013. Mesmo assim, não tínhamos como sair do lugar. Em alguns instantes, o dia amanheceu. A chuva seguia. Peguei o guarda-chuva e comecei a andar entre os carros até me deparar com algo inimaginável até para quem passa pela BR-116 há décadas. Havia um trecho alagado de cerca de 500 metros com água que chegava à cintura de quem a enfrentasse. Isso no meio da pista.
“ Tentando evitar perdas maiores aos veículos e às casas da redondeza, condutores e moradores quebraram a mureta de proteção que separa as duas pistas da via”
Muitos motoristas foram surpreendidos e tiveram que deixar seus carros boiando. Um ônibus, que levava trabalhadores para casa, em Sapucaia do Sul, acabou ficando preso no meio do caminho. Quem estava no coletivo, teve que esperar mais de duas horas pelo resgate. A retirada das pessoas foi feita por uma janela.
Tentando evitar perdas maiores aos veículos e às casas da redondeza, condutores e moradores quebraram a mureta de proteção que separa as duas pistas da via. Tentavam escoar a água empoçada em uma parte mais baixa do trecho. Mais tarde, uma retroescavadeira abriu “buracos” para que os veículos pudessem continuar a viagem pela pista contrária. Além disso, a máquina também abriu espaços para que a água pudesse seguir em direção a um córrego próximo ao local.
Foi um dia de caos em que, para chegar a Novo Hamburgo, motoristas que saíam de Porto Alegre precisaram percorrer cerca de 120 quilômetros utilizando caminhos alternativos (ao invés dos habituais 46 quilômetros pela BR-116). Para atenuar o impacto na vida das pessoas, estivemos no ar durante toda a manhã mostrando a situação no trecho e tentando, dentro das possibilidades, indicar a melhor ação no momento.
Muitos ouvintes e internautas acordaram naquela manhã, ligaram o rádio na Gaúcha e permaneceram em casa. Perceberam que não teriam como chegar ao trabalho. Foi assim que muita gente soube que não poderia utilizar a rodovia, nem os trens, tampouco caminhos alternativos. Também foram iniciados os primeiros questionamentos quanto aos motivos que levaram ao alagamento, nunca antes registrado.
Enfim, foi um dia em que encarei chuva, água até a cintura, um telefone celular estragado e instabilidades na rede para enviarmos fotos e vídeos do que estava acontecendo, entre outras dificuldades. No entanto, encontramos outras formas para levar a informação e auxiliar quem acompanhava nosso trabalho. A sensação no dia foi de dever cumprido.
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