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Um depósito com quase um quarteirão de tamanho, trancado como uma caixa-forte, armazena em Porto Alegre dezenas de milhares de medicamentos comprados pela Secretaria Estadual de Saúde (SES) para distribuir a doentes. Grande parte do dinheiro investido na compra desses remédios só sai via ordem judicial.
O depósito estatal está sempre cheio porque os gaúchos nunca reivindicaram tanto tratamento de saúde à Justiça. Os tribunais são a arena na qual pacientes, advogados, médicos e promotores se digladiam pelo destino de verbas milionárias, gerenciadas pela União, pelos 27 Estados e pelos mais de 4 mil municípios brasileiros. Com 113 mil processos em tramitação, o Rio Grande do Sul desponta como campeão nacional das ações judiciais no campo da saúde. Mais da metade dos processos envolvendo remédios ou tratamento médico, no país, tramita em território gaúcho. O número é do último levantamento do Conselho Nacional de Justiça, realizado em 2011.
Apenas no campo de medicamentos: dos R$ 316 milhões gastos este ano pela SES, R$ 192 milhões (64%) foram via judicial. Com essa verba seria possível erguer 128 Unidades Básicas de Saúde em um ano. E 306 postos desse tipo nos três últimos anos, mais da metade do número necessário para o Rio Grande do Sul, segundo a estimativa governamental.
zh.doc: judicialização da saúde vira jogo de interesses
Recorrer à Justiça é um direito. O problema é que algumas das demandas dos pacientes são polêmicas, pela duvidosa comprovação científica do tratamento requisitado ou pelo seu altíssimo custo.
Se comparado com o universo de 80 milhões de ações que tramitam por ano em todos os fóruns, não são muitos processos. Mas os valores movimentados pela saúde são milionários. Nas varas judiciais pede-se de tudo um pouco, de produtos básicos como o AAS (para dor de cabeça) até medicamentos que custam milhares de reais ao mês, como o interferon peguilado (para tratar Hepatite C).
De cirurgias de menisco a tratamentos contra todo o tipo de câncer. De comidas especiais para quem tem intolerância alimentar até dietas repletas de chocolates, docinhos de leite condensado e outras guloseimas - que o advogado garante serem indispensáveis para o paciente.
Será que todos os tratamentos reivindicados à Justiça são necessários?
- Nunca se tomou tanto remédio e em doses tão exageradas - resume Leonildo Mariani, assessor técnico da Federação das Associações de Municípios-RS (Famurs), especialista em judicialização da saúde.
O mapa abaixo dá dimensão da opção dos gaúchos pelos tribunais. Estados como o Paraná, com população semelhante, soma apenas 2.609 ações. São Paulo, com seus 41 milhões de habitantes, tem 44,6 mil ações - menos da metade do Rio Grande do Sul.
Estado recebe mais de 5 mil pedidos por mês
O governo do Estado costuma contestar pedidos via judicial, mas na maioria das vezes acaba obrigado a financiar a demanda, num custo que, ao final, é bancado pelo contribuinte. É raro magistrados desconfiarem dos pedidos dos pacientes. Ações nem sempre são justificadas, como evidencia esta reportagem, feita em 45 dias de investigação.
O governo do Estado recebe por mês cerca de 5,6 mil pedidos de tratamento, remédios ou cirurgias via administrativa e cerca de 2 mil através de processos judiciais (os mais caros). Os gastos com a judicialização de medicamentos, na secretaria, são crescentes: R$ 141 milhões em 2011, R$ 127 milhões em 2012 e R$ 192 milhões até outubro de 2013. Um salto de 36% em dois anos - e 2013 ainda não terminou.
O rombo só não é maior porque as autoridades têm se reunido para convencer juízes a olharem com critério cada pedido, antes de serem generosos com a verba pública.