Nos últimos 10 anos, as tarifas de ônibus nas maiores cidades situadas fora da Região Metropolitana tiveram alta superior à inflação. Em Bagé (123,8%), Santa Maria (122,72%) e Bento Gonçalves (119,23%), os aumentos superaram o dobro da elevação registrada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no período (58,65%).
Os dados são de um levantamento realizado por Zero Hora nos municípios com população superior a 100 mil habitantes fora da região metropolitana de Porto Alegre. Entre as cidades pesquisadas, que além das mencionadas acima ainda incluem Caxias do Sul, Passo Fundo, Pelotas, Rio Grande, Santa Cruz do Sul e Uruguaiana, o aumento médio foi de 105,29%.
A reportagem de ZH enfrentou dificuldade para a obtenção dos dados, uma vez que algumas prefeituras não informaram as tarifas solicitadas. Apesar disso, conclusões interessantes surgem dos dados apurados. A principal delas indica que, na maioria dos casos, o serviço é prestado sem licitação.
O Doutor em Economia Aplicada e professor da Universidade de Passo Fundo (UPF) Julcemar Bruno Zilli, explica que os índices de inflação são a base para o consumidor saber se está pagando caro ou não por um serviço. Segundo ele, no caso da tarifa do transporte coletivo, com variação de quase o dobro do IPCA, o preço pode ser considerado exorbitante.
- E o problema é que, na maioria dos casos, a qualidade do serviço não acompanha este aumento, o que gera revolta nos usuários - comenta o professor.
Reflexo das recentes manifestações em todo o país, reavaliações dos preços das passagens levaram quatro das nove cidades analisadas a aprovarem em 2013 tarifas inferiores às de 2012: Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Pelotas e Santa Cruz do Sul. Em outros três municípios, Rio Grande, Santa Maria e Uruguaiana, as tarifas permanecem com o mesmo preço do último ano. Apenas em Bagé e em Passo Fundo o passageiro ainda paga mais para andar de ônibus do que há sete meses.
Em dois terços das cidades, não há licitação
Em apenas três das nove cidades as empresas que prestam o serviço de transporte coletivo venceram uma licitação. Nos outros seis municípios - inclusive naqueles onde a licitação foi determinada pela Justiça -, as empresas do setor atuam por meio de contratos.
Em Bento Gonçalves, duas empresas prestam o serviço por meio de contratos. Conforme a prefeitura, a licitação atual está em andamento desde 2011, mas uma série de medidas judiciais impede o andamento do processo. Enquanto o município aguarda as definições do TCE, a licitação segue suspensa. E os passageiros, sujeitos a um transporte coletivo caro e de má qualidade, que sofre com a alta demanda nos horários de pico.
A tarifa atual, que tem média mensal de 600 mil passageiros, é a maior entre as nove cidades analisadas. A passagem no município custava R$ 2,85 - valor R$ 0,15 superior ao da vizinha Caxias do Sul, que diariamente transporta sete vezes mais passageiros. De 2003 a 2012, a tarifa saltou de R$ 1,30 para R$ 2,85, um aumento de 119,23%.
O sistema de transporte coletivo de Pelotas, no Sul, também não é licitado. Em 2002 foi lançado um edital de licitação, anulado pela Justiça. Dez anos depois, um novo edital foi lançado, mas o processo foi interrompido por liminar do TCE. Neste ano, uma decisão judicial possibilitou a abertura de uma nova licitação, mas até o momento nada foi feito.
As cinco empresas responsáveis pelo serviço em Santa Maria também atuam sem licitação. A contratação é da década de 1970, e o contrato da época não estipulava prazo para licitação. A cidade teve o segundo maior percentual de aumento da tarifa entre as analisadas. O preço da passagem cresceu de R$ 1,10 em 2003 para R$ 2,45 em 2012, salto de 122,72%, mais que o dobro da inflação.
Os investimentos, porém, não acompanharam o crescimento. Desde 2009, apenas 11 veículos foram acrescentados à frota do município (aumento de 5,75%). A prefeitura não informou dados de anos anteriores.
Em Santa Cruz do Sul, embora os contratos das concessionárias estejam vencidos há mais de seis anos, a prefeitura ainda não tem previsão sobre o início da nova licitação. Mas a intenção do Executivo é iniciar o processo de seleção das empresas até o final do ano.
Em 10 anos, a tarifa cresceu 96,15%, passando de R$ 1,30 em 2003 para R$ 2,55 em 2012. Neste ano, por meio de decisão judicial, a passagem voltou a custar R$ 2,25 (preço de 2011).
Já em Uruguaiana, o processo de licitação para o setor chegou a ser aberto, há oito anos, mas foi suspenso em 2012. A prefeitura informa que uma nova licitação deve ser lançada, mas ainda não há data definida.
Passo Fundo terá audiência pública para discutir o tema
Duas empresas privadas e uma pública são responsáveis pelo transporte coletivo em Passo Fundo, onde o serviço é realizado sem licitação. Entre 2003 e 2012, a tarifa na cidade aumentou 104,16%, passando no período de R$ 1,20 para R$ 2,45.
Em abril, o Executivo ainda aprovou um aumento de 10% na tarifa, que pulou para R$ 2,70. A medida, no entanto, motivou uma série de protestos dos moradores, que pediam a revogação do aumento e a abertura de uma licitação para o setor, determinada pela Justiça em 2007 e 2009. Um grupo de 20 pessoas chegou a ocupar a Câmara de Vereadores por cinco dias.
Um mês depois, a prefeitura anunciou a redução de cerca de 3% na tarifa - que ficou em R$ 2,60 - e comprometeu-se em executar a licitação. O processo deverá ser elaborado a partir de consulta popular.
Na próxima quinta-feira, a Câmara realizará audiência pública sobre o assunto. Além disso, o Legislativo pretende criar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para o setor, com abertura das planilhas de custos das empresas.
Investimentos não solucionam velhos problemas
Em Bagé, a licitação do transporte coletivo está em vigor desde 2008 e tem prazo previsto de 10 anos, prorrogáveis por mais 10. De acordo com a prefeitura, após a realização da licitação, a frota do transporte coletivo, que contava com veículos antigos e em péssimo estado de conservação, foi totalmente renovada.
Mesmo assim, ainda ocorrem problemas, como a superlotação nos horários de pico. Entre 2003 e 2012, a tarifa na cidade passou de R$ 1,05 para R$ 2,35. Neste ano, com novo reajuste, chegou a a R$ 2,50.
Em Bagé, a elevação no valor da passagem superou o dobro da inflação
Foto: Francisco Bosco/Especial
Já em Caxias do Sul, a empresa que presta o serviço teve a vigência da licitação prorrogada em 2010, por mais 10 anos. De 2003 a 2012, a frota cresceu 29,45%, passando de 258 para 334 veículos, enquanto o número de passageiros aumentou apenas 10% no período. Os coletivos têm idade média de 4,8 anos e, anualmente, cerca de 35 veículos novos são adquiridos pela empresa. Apesar dos investimentos, porém, os passageiros reclamam do atraso de algumas linhas e do preço da tarifa, que supera em 92,85% o valor de 2003.
A licitação para o transporte coletivo também está em vigor em Rio Grande, onde o serviço é prestado por duas empresas. Entre as cidades analisadas, o município foi o que registrou o maior crescimento da frota, que em 10 anos passou de 95 para 148 coletivos - crescimento de 55,78%. No período, o número de passageiros aumentou 29,16%.
O preço da tarifa em Rio Grande - a principal reclamação dos passageiros -, porém, cresceu 92,59% desde 2003. No início do mês, um grupo chegou a ocupar a prefeitura pedindo a redução do valor.
*Colaboraram Jéssica Britto, Júlia Otero, Juliana Gelatti, Rafael Diverio e Vanessa Kannenberg
Preço alto
Tarifas do transporte coletivo sobem acima da inflação em nove cidades
Aumentos chegam a superar o dobro da elevação registrada pelo IPCA
Fernanda da Costa
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