Um alvoroço se instalou nas redes sociais depois que um projeto de lei envolvendo violência sexual e gravidez voltou a tramitar na Câmara dos Deputados.
Batizado de Estatuto do Nascituro, o documento prevê bolsa-estupro para mulheres que tenham sido abusadas, mas que desejem ter o bebê.
Até a noite de sexta-feira, Porto Alegre tinha mais de 4,1 mil pessoas confirmadas para o protesto marcado para as 15h de hoje, no Monumento ao Expedicionário, na Redenção (Parque Farroupilha). Outras cidades também se mobilizaram contra a proposta: Belo Horizonte, Brasília, Recife, Rio de Janeiro, Florianópolis, Salvador e São Paulo.
O texto foi redigido em 2007 para garantir direitos ao ser humano concebido por meio do estupro, mas ainda em gestação (por isto leva o termo nascituro no nome). Ele tramitou na Câmara até 2010 e agora aguarda para ser apreciado na Comissão de Constituição e Justiça para depois ir a Plenário. Enquanto isso, uma petição online com mais de 130 mil assinaturas, que deve ser encaminhada aos membros da comissão.
Para a consultora do Instituto de Bioética Direitos Humanos e Gênero, Sinara Gumieri, os projetos em tramitação trazem um conjunto de violações a marcos internacionais de direitos humanos:
- O aborto é uma questão de saúde pública. O que o projeto faz é inverter todo este contexto. Faz com que o feto tenha mais direitos morais e de direito que a mãe.
A antropóloga integrante do Núcleo de Pesquisa da Antropologia do Corpo e da Saúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Daniela Riva Knauth, concorda com Sinara e avalia o projeto como um retrocesso em toda história de avanço um país que foi considerado pioneiro no quesito dos direitos humanos.
- O feto não tem estatuto de pessoa. Comparar ele a uma mulher que tem uma trajetória de vida é complicado. Isto é muito grave em um Estado laico porque tem cunho religioso.
O ex-deputado federal Miguel Martini, um dos redatores do texto original, defende que a vida começa na concepção e que esta foi uma maneira de protegê-la.
- Se há estupro é uma falha do Estado. Então ele tem de pagar por isto - completa Martini.
A proposta original do projeto previa pagamento de um salário mínimo para as mães, por parte do Estado ou do estuprador, caso o criminoso fosse identificado.
- Ainda obrigava a possibilidade de um vínculo bastante traumático entre a mulher e o estuprador - diz Sinara.
Martini rebate:
- Quantos estupradores estão na cadeia? Se der meio por cento é muito. E caso vá, o Estado vai obrigá-lo a pagar pelo crime. Ele vai ressarcir o Estado. Não terá contato com a mãe.
Relator que deu parecer favorável ao projeto na Comissão de Finanças na última semana, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) apoia a causa:
- O que me motiva neste projeto é a defesa da vida. Não tem mudança de Código Penal. Mesmo com a opção de abortar, se a mulher não desejar fazer isto, a proposta visa que ela tenha a criança e o apoio do Estado.
Previsões do projeto
- Acompanhamento psicológico às vítimas.
- O pagamento de uma verba por parte do governo - o que passou a ser chamado de bolsa-estupro - como uma espécie de pensão à mulher estuprada que deseje ter a criança e que não disponha de condições econômicas para cuidar do bebê.
- Se identificado, o estuprador será obrigado a pagar pensão alimentícia à criança.
- Caso a vítima não queria assumir a criança, o bebê deverá ter prioridade na fila da adoção.
- Não retira do Código Penal o artigo que autoriza o aborto praticado por médico em casos de estupro e de risco de vida para a mãe.
A tramitação
- Trata-se de um projeto de lei criado em 2007 para garantir direitos ao ser que foi concebido, mas que ainda não nasceu, por isto leva o nome de nascituro. Ele vale para todos os fetos. Alguns artigos, entretanto, tratam especificamente do feto decorrente de um estupro.
- O projeto tramitou na Câmara até 2010, quando passou pela Comissão de Família e Seguridade Social, e foi aprovado com um substitutivo (proposta de alteração do projeto original).
- A principal modificação inclui uma ressalva ao artigo 128 do Código Penal, que trata do aborto legal. O texto original tentava acabar com qualquer possibilidade de aborto.
- Na semana passada, a pauta passou pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados e teve parecer favorável do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
- Agora, o projeto original e o substitutivo serão analisados pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania antes de ser votado pelo plenário.