Brancos e negros dividem o mesmo espaço, mas vivem em mundos diferentes no Rio Grande do Sul. Os pretos e pardos, conforme classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), têm rendimento inferior, menos anos de estudo, piores condições de vida e estão mais sujeitos à violência do que a população de pele clara. Por isso esta segunda-feira, em que se celebra a abolição da escravatura, é apontada por ativistas como uma data mais propícia à reflexão do que à comemoração.
Embora trabalhem tanto quanto os brancos, os negros recebem salários muito menores - reflexo da escolarização mais precária e da maior dificuldade de acesso aos empregos que melhor remuneram. Conforme a Síntese de Indicadores Sociais 2012, publicada pelo IBGE, enquanto um caucasiano recebe em média 3,5 salários mínimos mensais, uma simples mudança no tom da pele derruba esse rendimento para 2,2 salários no Estado , o que representa uma diferença de 59%. Até chegar ao trabalho é mais difícil para um negro do que para um branco gaúcho.
O percentual de quem leva mais de uma hora para chegar ao serviço é bem maior entre os primeiros do que entre os segundos (veja quadro), provavelmente devido a piores condições de moradia e transporte. Os dados do Censo de 2010 revelam detalhes dessa divergência. Pretos e pardos vivem em regiões com mais lixo na rua, menos árvores e mais esgoto a céu aberto.
Para o supervisor de informações do IBGE no Estado, Ademir Koucher, políticas recentes de transferência de renda e cotas em universidades e concursos públicos provocam algum impacto, mas os dados revelam que as mudanças não ocorrem no compasso desejado.
- Há uma certa resistência para que as coisas mudem em um ritmo mais rápido, uma cultura meio arraigada. Mas é positivo que, pela primeira vez, no último censo o número de pessoas autodeclaradas pardas e negras no Brasil superou o de brancas. Significa que estão se assumindo - analisa Koucher.
Uma das hipóteses para a demora no fim do desequilíbrio étnico no Estado pode estar na importância que a educação tem nessa balança. Os negros apresentam indicadores inferiores em quesitos como anos de estudo e alfabetização, o que requer políticas de longo prazo para surtirem efeito em setores como rendimento médio, saúde e moradia. A chance de um preto ou pardo concluir o Ensino Superior, por exemplo, é 3,5 vezes menor do que a de um caucasiano no Rio Grande do Sul.
Outro problema, segundo a secretária-adjunta do Povo Negro da Capital, Elisete Moretto, é o racismo que ainda persiste na sociedade.
- Muitas pessoas ainda não conseguem ver um negro de igual para igual. Às vezes, o próprio negro, pela sua história, não se sente capaz. Então, há um importante trabalho de resgate da autoestima que precisa ser feito - sustenta Elisete.
"Não vejo nada para comemorar"
Sérgio Augusto Dorneles, 48 anos, morador de Pelotas, é ativista do movimento negro e presidente do Conselho Estadual de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra no Estado. Barbeiro atualmente concluindo o curso de Direito, afirma que não vê avanços recentes na situação da etnia no Estado e no Brasil. Confira trechos da entrevista concedida por telefone a ZH:
Zero Hora - Que avaliação o senhor faz sobre a situação dos negros hoje?
Sérgio Augusto Dorneles - Não vejo nenhum avanço na condição dos negros. As pessoas dizem que há, mas eu acho que não. Pelo contrário. Os órgãos públicos ainda deixam muito a desejar em relação a saúde, educação. Uma lei estabelece que o tema do indígena e do negro deveria ser tratado nas escolas, mas isso não acontece.
ZH - Mas a implantação recente de políticas como cotas em universidades e concursos públicos não é um avanço?
Dorneles - A cota é um mal necessário. Ajuda, tem alguns aspectos positivos, mas falta muito mais do que isso. Criam-se cotas, mas não dão as condições necessárias para a pessoa se manter estudando, por exemplo. As cotas em concurso existem, mas não há política pública para que o negro alcance um conhecimento profundo nas matérias desse concurso. Então alguns conseguem passar pelas cotas, outros não conseguem.
ZH - O que precisa ser feito?
Dorneles - Falta esse olhar de responsabilidade de visão, de busca por equilíbrio na sociedade, onde se dá oportunidades para que os menos favorecidos tenham condições de lutar de igual para igual. Quando se faz política social para todos, quem está aquém não alcança quem já está em patamar mais elevado. Precisamos de políticas que recuperem as perdas históricas dos negros, que já foram até proibidos de estudar.
ZH - Alguma coisa a comemorar no 13 de maio?
Dorneles - No meu ponto de vista, não vejo nada positivo para comemorar. A própria Lei Áurea, do dia 13 de maio, é algo mascarado na nossa sociedade. Como se fez aquilo (libertação), como foi esse processo. Tiraram as pessoas daquele convívio e largaram, sem segurança, sem condições de se manter. Liberdade, mesmo, não tivemos. Como até hoje não temos. Não somos escravos, mas, muitas, vezes, somos escravizados.