Já repararam, meus leitores e leitoras, que a conduta de todos nós é quase sempre marcada pelo fingimento?
Ficou de repente tão popular e lícito ser homossexual, que muita gente passou a fingir que é bicha.
E, mais ainda, há muita gente fingindo que é hétero.
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Uns fingem que são honestos, caso de muitos políticos. Multidões fingem que são sinceras. E não são.
Há até alguns que fingem que são pobres. Vai-se ver, estão com as contas bancárias abarrotadas de depósitos. Esses fingem para não serem mordidos.
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Tem gente, muita gente, que finge que tem orgasmo para enganar seus parceiros.
E há até no sexo quem finge que não tem orgasmo, só para não dar o braço a torcer a seus parceiros, mas por dentro está se debulhando de gozo.
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O Ibsen Pinheiro, por exemplo, finge há 30 anos que é diabético: nunca chegou perto de uma gota sequer de insulina.
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Tem gente que finge que é solidária, escondendo que na verdade está secando os outros.
Há os que fingem que são caridosos, dando migalhas aos necessitados.
E há até os que, tendo domínio do fato, se fingem de mortos, dizendo até que desconhecem a corrupção em torno deles, quando na verdade a comandam.
E há os que se valem da liberdade de imprensa para crescer na vida e ver publicados os seus atos, mas fingem que querem implantar medidas para restringir a liberdade de expressão só para fazer cartaz com os seus companheiros radicais.
É fingimento para todo lado.
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Recebo de um setor da Santa Casa de Misericórdia uma explicação sobre a cirurgia que não se realiza nunca num menino paralítico, e a crítica é feita em todas as edições do Teledomingo:
"Caro Paulo SantAna: são 6h e acabei de ler, como faço todas as manhãs, em primeiro lugar, a penúltima página da Zero Hora: O menino paralítico.
Não vou conseguir trabalhar sem tentar responder em poucas linhas a sua crônica, pois ela atinge profundamente o âmago das nossas vidas: ser médico!
Quem lê a crônica e está alheio aos problemas da saúde desconhece o principal conflito, diário, corriqueiro e terrível do médico no atual sistema: sua impotência diante da incapacidade de atender à imensa demanda.
O menino Cláudio, citado na sua crônica, está sendo avaliado periodicamente e seu caso é eletivo. O tipo de cirurgia que ele necessita - artrodese em cifoescoliose grave -, no Rio Grande do Sul, só é realizado na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, pois são necessários no mínimo dois ortopedistas pediátricos altamente treinados e qualificados para fazer esse procedimento de grande risco, pois o paciente pode ficar paraplégico. A cirurgia pode demorar mais de 12 horas e exige uma equipe multidisciplinar especializada: além dos ortopedistas, anestesista pediátrico, cirurgião torácico pediátrico, neurologista pediátrico, neurofisiologista, pediatra, UTI pediátrica especializada, fisioterapia pediátrica etc. É por tais razões que um ortopedista de adultos não pode realizar a cirurgia. Seria o mesmo que um motorista comum pilotar um avião.
Cláudio é o 34º a ser operado na lista da Santa Casa. Na verdade, temos dezenas iguais a ele. Será justo operá-lo em detrimento de outras crianças, em igual ou piores condições?
Essa é uma opção inaceitável. Mas, conforme o senhor escreveu, os responsáveis pelo SUS (governos federal, estadual e municipal) não se sentem responsáveis.
Por reconhecer o cronista como um dos maiores defensores da saúde dos gaúchos e saber do imenso impacto da sua coluna, envio esta resposta, na qual aponto distorções que merecem ser conhecidas, divulgadas e, o mais importante, corrigidas. Abraços. (ass.) Carlos Roberto Schwartsmann, chefe do Serviço de Ortopedia e Traumatologia da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre".
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Agradeço a resposta, no entanto nela não foi dito quando o garoto infausto será operado.
E prossegue o calvário de uma criança provocado por um arcaico sistema de saúde e pela insensibilidade de todas as esferas de poder.
Enquanto isso, viva a farra dos gastos bilionários para a Copa do Mundo e a Olimpíada!
Opinião
Paulo Sant'Ana: "Muito fingimento"
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