Apesar de todas as imagens adoráveis de gatos que tocam piano, dão descarga, miam melodiosamente e acham o caminho de volta para casa a quilômetros de distância, os cientistas identificaram uma nova e chocante verdade: os gatos são muito mais mortais do que se acreditava.
Em um relatório que expandiu os resultados de vistorias locais e estudos piloto, cientistas do Instituto Biológico de Conservação Smithsonian e do Departamento de Pesca e Fauna Selvagem estimam que gatos domésticos nos Estados Unidos - tanto os gatos fofinhos que passam parte do dia na rua quanto os andarilhos sem nome e os gatos selvagens que nunca a deixam - matam uma média de 2,4 bilhões de pássaros e 12,3 bilhões de mamíferos por ano, a maioria de animais nativos como musaranhos, esquilos e ratos-do-campo ao invés de pragas importadas como a ratazana.
Estima-se que a taxa de morte seja de duas a quatro vezes mais alta do que sugerido anteriormente, e elas colocam o gato doméstico como uma das maiores ameaças ligadas a humanos para os animais selvagens. Mais pássaros morrem na boca de gatos, segundo o relatório, do que por atropelamentos de carro, pesticidas ou envenenamento, colisões com arranha-céus e moinhos de vento, ou causas similares.
Peter Marra, do Instituto Biológico Smithsonian, autor do relatório, disse que os números de mortes que emergem do novo modelo "são chocantemente altas".
- Quando colocamos o modelo em prática, não sabíamos o que esperar - disse Marra, que fez a análise junto com seu colega de trabalho, Scott R. Loss, e com Tom Will, do Departamento de Pesca e Fauna Selvagem. - Ficamos absolutamente abismados com os resultados.
O estudo apareceu no jornal online Nature Communications.
As descobertas são as primeiras estimativas sérias de exatamente quantos animais selvagens a vasta população de gatos com liberdade para sair de casa conseguirá matar a cada ano.
- Vimos discutindo esse problema dos gatos e dos animais selvagens por anos a fio, e agora nós finalmente temos um bom conhecimento para começar a baixar os números - disse George H. Fenwick, presidente e executivo chefe do American Bird Conservancy. - Este é um grande salto em relação à qualidade das pesquisas que tínhamos antes.
Na elaboração de seu modelo matemático, os pesquisadores vasculharam sistematicamente a literatura já existente sobre as interações dos gatos com a fauna selvagem, eliminaram estudos nos quais o tamanho das amostras era muito pequeno ou o resultado muito extremo, e então extraíram e padronizaram as descobertas dos 21 estudos mais rigorosos. Os resultados vêm, reconhecidamente, com margens largas e incertezas.
Entretanto, o novo relatório deverá abastecer o debate algumas vezes sarcástico entre os ambientalistas que vêm os gatos domésticos que vagueiam pela rua como uma espécie invasiva - superpredadores cujos números estão crescendo globalmente, embora os dos pássaros e de muitos outros animais que os gatos vêm como presas estejam caindo - e os defensores do bem-estar animal que se revoltam com os milhões de gatos (e cães) indesejados que são sacrificados em abrigos de animais todos os anos.
A maioria concorda que gatos domésticos não deveriam poder perambular pelo bairro por vontade própria, assim como cachorros, cavalos ou porquinhos de estimação, e que os donos de gatos que insistem que seus gatos "merecem" um pouco de liberdade estão sendo irresponsáveis. Através de projetos recentes como o Kitty Cams (Câmeras para gatos) da Universidade da Geórgia, no qual câmeras são colocadas em coleiras de gatos de estimação que entram e saem de casa para rastrear suas atividades, os gatos não aparecem nas filmagens apenas caçando pássaros, rãs e camundongos; eles também aparecem lambendo lodo do esgoto e com produtos anticongelantes, se esquivando entre carros em movimento e se defendendo violentamente de cachorros grandes.
-Nós nos esforçamos muito para tentar educar as pessoas para que elas não deixem seus gatos saírem à rua, e que isso é ruim para os gatos e pode diminuir o tempo de vida deles - disse Danielle Bays, gerente do programa comunitário para gatos na Humane Society (sociedade protetora dos animais) de Washington.
Ainda assim, o novo estudo estima que bichinhos de estimaçã o que têm passe livre para passear respondem por apenas 29 por cento dos pássaros e 11 por cento dos mamíferos mortos por gatos domésticos a cada ano. O maior problema é como lidar com os cerca de 80 milhões de gatos andarilhos ou selvagens que cometeram a maior parte do massacre dos animais selvagens.
A Humane Society de Washington e muitas outras organizações de bem-estar animal apoiam o uso dos crescentes programas populares de prender, castrar e liberar, nos quais gatos sem dono são apanhados, vacinados, esterilizados e, se nenhuma casa for encontrada para eles, devolvidos às colônias a céu aberto das quais eles saíram. Defensores veem essa abordagem como uma alternativa humanitária para a eutanásia em larga escala, e eles dizem que uma colônia de gatos castrados não pode se reproduzir e acabará desaparecendo.
Os conservacionistas dizem que, longe de diminuir a população de gatos sem dono, esses programas de castração estão piorando a situação, encorajando pessoas a abandonar seus bichinhos nessas colônias, onde voluntários frequentemente os mantêm amavelmente alimentados.
- O número de gatos que andam livremente está definitivamente crescendo - disse Fenwick. - Estima-se que hoje haja mais de 500 colônias de castração e esterilização apenas em Austin (Texas).
Segundo ele, trata-se de colônias para predadores subsidiados, , capazes de viver em concentrações muito maiores do que carnívoros selvagens devido a sua aparência agradável para as pessoas.
- Eles não são como coiotes que precisam se virar no mundo - pontuou.
Ainda assim, mesmo os gatos alimentados estão sintonizados com a caça, e quando eles veem alguma coisa se agitar, não conseguem evitar o ataque mortal. Fenwick argumenta que é preciso muito mais empenho na adoção de animais.
- Para a grande maioria dos gatos saudáveis é possível achar um lar - explicou.
Qualquer colônia em áreas externas deveria ser fechada, segundo ele.
- Gatos não precisam andar centenas de quilômetros para serem felizes - finalizou.
