Se fosse só para responder ao leitor que mandou mensagem me espinafrando, não escreveria esta coluna.
Mas é muito bom até que isso tenha acontecido, para eu avisar todos os leitores, ouvintes e até telespectadores sobre um drama meu que está tendo seu auge nas ruas.
O leitor me escreveu dizendo que eu não o tratei bem na rua. E explicou que me viu na rua e tentou conversar comigo. E que eu aleguei que não o estava ouvindo.
E, quando ele pela segunda vez falou comigo, eu lhe disse que estava surdo.
E até me lembro bem desse leitor. Lembro-me porque por duas vezes eu lhe disse que estava surdo.
Pois bem, sabem o que me mandou dizer por e-mail o leitor? Pois me disse que o tratei mal porque menti a ele: não sou surdo. E disse que provava que eu não era surdo, tanto que participo duas vezes por semana do programa Sala de Redação e lá integro os debates. O raciocínio do leitor: se debato num programa de rádio duas vezes por semana, menti para ele que era surdo.
E finalizou me escrevendo que o destratei e que ele não merecia isso porque é (ou era) meu fã há décadas.
* * *
Quero explicar a este leitor e a todos, para evitar futuros mal-entendidos, que só faço o programa Sala de Redação porque me colocam dois fones nos meus ouvidos. E que o som que ouço nos fones não é o diretamente das vozes dos outros integrantes do programa.
O som que ouço nos debates radiofônicos de que participo é o som da rádio, que me vem multiplicado por cem ao meu ouvido direito, pelo que então trabalho normalmente, ouvindo tudo o que me dizem os colegas.
* * *
Depois dessa necessária explicação, quero ainda mandar dizer ao ouvinte queixoso, após esta injustiça que ele me fez, que ele me mandou dizer que eu recusava a ouvi-lo, quando tudo o que eu queria na vida era poder ouvi-lo. Tudo o que eu mais sonho na vida é poder ouvir novamente as pessoas. E o ouvinte me fez esta bárbara injustiça.
* * *
No meu ouvido esquerdo, numa escala de zero a 10, eu ouço zero, isto é, absolutamente nada. No meu ouvido direito, numa escala de zero a 10, eu ouço três. Três, meu queixoso leitor!
E, se a pessoa é dessas que falam baixo, aí é um desastre. Tanto quando as pessoas falam bem alto comigo, só ouço distantes murmúrios.
* * *
Meu problema está tão grande que o maior sonho que tenho atualmente é de que, nas ruas ou nos recintos que frequento, todas as pessoas que desejassem falar comigo viessem munidas de megafones.
Como não é possível...
Opinião
Paulo Sant'Ana: "Um mal-entendido"
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