Nas paredes do campus de Cerro Largo da Universidade Federal Fronteira Sul (UFFS), no noroeste gaúcho, está afixado um papel diferente dos tradicionais recados de provas, aulas e festas. Uma carta contendo um pedido formal de desculpas por proferir ofensas homofóbicas a um estudante, assinada por dois alunos de Agronomia, divide o espaço dos murais. O documento é uma espécie de troféu para a vítima, depois de muito esforço. A atitude, tomada após acordo judicial, deveria encerrar uma polêmica que mexeu com o município de 13 mil habitantes, mas nem tudo está esclarecido.
O caso ocorreu em março deste ano. Durante uma festa envolvendo calouros e bixos na Praça da Matriz, no centro da cidade, Renato Vogel, acadêmico de Ciências Naturais da mesma instituição, foi vítima de ofensas com teor homofóbico. Os xingamentos partiram de diversos jovens que estavam concentrados no local. Apesar dos pedidos para que parassem, os alunos de Agronomia, que organizavam o encontro, não obedeceram. Inconformado com a situação, o rapaz de 26 anos foi à direção da universidade, pedindo alguma providência.
Segundo ele, no primeiro momento, não teve apoio. Então, resolveu ir à polícia e fez um boletim de ocorrência contra o Diretório Acadêmico da Agronomia (Dagro), que ele entendia por organizador da festa. Na sequência, a universidade teria indicado um psicólogo para orientar o jovem, que negou o auxílio.
- Não era eu que precisava de ajuda psicológica. Eu estou tranquilo com minha condição. Quem precisa de ajuda são eles - disse.
A universidade nega esta parte. Segundo o diretor Edemar Rotta, a UFFS prestou auxílio ao jovem.
- Fomos nós, inclusive, que sugerimos que ele fizesse um boletim de ocorrência. Mesmo ocorrendo fora dos nossos muros, auxiliamos porque somos contra qualquer tipo de atitude homofóbica ou preconceituosa.
Mais polêmica
Outro ponto polêmico da questão diz respeito à autoria dos xingamentos. Mesmo tendo assinado o documento de desculpa, os alunos Jeancarlo Donadel e Alisson Amado Quevedo negam ter ofendido o colega.
- Na verdade, assinamos isso para nos livrarmos de qualquer problema com a justiça. Era uma festa, mas nós dois não bebemos. E não xingamos o Renato. Foi muita gente que gritou contra ele. Mas preferimos não entregar ninguém. Por isso que puseram a culpa em nós. Caímos por ingenuidade _ comentou Donadel, que lembrou já ter participado de congressos da União Nacional dos Estudantes (UNE) para lutar contra temas como homofobia, racismo e violência.
Em audiência judicial, os dois voltaram a negar as acusações. Mas, mesmo assim, toparam assinar o documento como uma espécie de prova de não ter qualquer tipo de preconceito.
A própria vítima do xingamento diz não saber se foram os dois acusados mesmo os autores das ofensas.
- Olha, era muita gente falando e xingando. Como estava de costas, não consegui ver ser eram eles mesmo. Até já me disseram que não era. Mas o que não entendo é: por que eles iriam assumir alguma coisa que não fizeram? - fala Vogel.
O presidente do Dagro, Jorge Atilio Benati, confirmou que não sabe mesmo se foram Donadel e Quevedo os autores das ofensas. Mesmo assim, disse que o diretório serviu apenas como instituição oficial para formalizar o documento.
- Não sei realmente se foram eles. Mas acho que essa atitude serviu para mostrar que ninguém é homofóbico.
Apesar do desgaste, Vogel afirma que o esforço foi recompensado com a carta de desculpas.
- Era isso que eu queria. Não precisava de indenização. Quis servir de exemplo para outras pessoas que se sintam ofendidas. Moro aqui em Cerro Largo há 18 anos e nunca tinha acontecido nada.
Polêmica
Universitário recebe pedido de desculpas após ofensas homofóbicas
Renato Vogel, 26 anos, foi à justiça exigir retratação depois de ser xingado durante uma festa
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