
O declínio do hábito de escrever à mão, provocado pelo avanço da tecnologia digital, despertou um debate sobre que tipo de tecnologia deve prevalecer nas escolas: a velha caneta ou os novos teclados.
Apesar da ofensiva crescente dos computadores, tablets e smartphones sobre o cotidiano, estudos científicos vêm apontando que escrever à mão produz efeitos no cérebro e no aprendizado diferentes daqueles provocados pela digitação.
- Escrever à mão continuará a ter um papel decrescente na escola se cada criança tiver um computador. Nas casas onde há computador, isso já aconteceu - sustenta um dos principais especialistas mundiais no assunto, o pesquisador americano e professor da Universidade do Estado do Arizona Steve Graham.
Nos Estados Unidos, o ensino do estilo cursivo deixou de ser obrigatório na maioria dos Estados - o que desperta temores de que futuras gerações não consigam ler documentos históricos. Para Graham, o desafio atual é que "seja escrevendo à mão ou teclando, os estudantes precisam ser fluentes com ambos". No Rio Grande do Sul, conforme o presidente do Sindicato do Ensino Privado (Sinepe/RS), Osvino Toillier, as escolas começam a revalorizar as redações manuscritas:
- Antigamente, não se aceitava trabalho feito com garrancho. Acho que a escola descuidou um pouco disso. Em certo momento, entrou em um fascínio tecnológico em que o importante era ter computador. O pêndulo foi de um lado para o outro, e acho que agora devemos nos situar em uma posição intermediária.
Razões para fazer isso vem sendo sugeridas por estudos recentes, segundo os quais o ato de desenhar uma letra à mão cria uma espécie de "memória muscular" que facilita o posterior reconhecimento do alfabeto, e desencadeia no cérebro reações diferentes de teclar (leia entrevista na página ao lado). Um estudo feito na Universidade Internacional da Flórida demonstrou que escrever bem à mão está relacionado com um melhor desempenho em leitura e matemática.
Mas o uso da tecnologia também traz vantagens. Conforme a pedagoga Patrícia Camini, mestre em Educação e professora da rede municipal de Porto Alegre, suportes digitais ajudam as crianças em áreas como pontuação e acentuação. A solução é encontrar tempo e espaço para as duas formas de escrita.
- O que tem ocorrido nas escolas é ou um descaso com o investimento na legibilidade da escrita dos alunos ou um apego ferrenho às práticas antigas de caligrafia como única opção a isso. Ainda precisamos alcançar um equilíbrio - avalia.
A necessidade de redigir à mão em provas como a do Enem também ajuda a resgatar a importância de lápis e canetas. A estudante do 3º ano do Ensino Médio Daniela Casaril, 17 anos, exercita a caligrafia regularmente. Mesmo sem o rigor das aulas da época do pai, Sérgio Casaril, considera fundamental saber se expressar de próprio punho:
- Tenho colegas que não dá para entender o que escrevem. É importante saber escrever à mão.
Projeto escolar estimula crianças a trocar cartas
Em colégio da Capital, alunos da 6ª série trocam correspondências
Foto: Fernando Gomes, Agência RBS

Em plena era digital, as cartas manuscritas voltaram a ser utilizadas por crianças da Capital. Não para manter contato com amigos ou parentes distantes, mas com fins pedagógicos. Um projeto do Colégio Marista Assunção, na Capital, estimula os alunos de três turmas de 6ª série do Ensino Fundamental a trocarem correspondências entre si ao longo do ano. As folhas preenchidas à mão, com direito a envelope, são recolhidas pela professora, reunidas em uma caixa, e periodicamente entregues aos seus destinatários.
Graças ao correio escolar coordenado pela professora Ana Lúcia Furtado, estudantes como Mariana Remião, 11 anos, e Eduardo Severini, 12, experimentam a antiga prática de enviar um texto sem resposta imediata - diferentemente de ferramentas eletrônicas como e-mail ou mensagens de celular. Além disso, procuram caprichar na caligrafia para serem compreendidos e evitam as abreviações comuns na internet.
- A minha letra até melhorou depois que começamos a fazer as cartas. Hoje prefiro escrever à mão do que usar o teclado - conta Mariana.
Eduardo, que costuma utilizar Facebook e MSN, também gostou da experiência:
- A gente treina a escrita e procura se expressar melhor.
A professora explica que os estudantes são orientados a escrever sobre determinados temas, como sugestões de livros, e por vezes escolhem quem vai receber o texto. Outras vezes, o destinatário é determinado arbitrariamente.
- Assim, garantimos que ninguém fique sem receber uma carta - explica.
Para aumentar a familiaridade dos alunos do século 21 com as cartas, leram livros escritos no formato de troca de correspondência.
- No início, alguns não gostaram muito da ideia. Mas, quando começaram a receber as cartas, todos se sentiram estimulados e perceberam que o papel também é legal - comenta a professora Ana Lúcia.