A possibilidade de o despejo de esgoto tratado de Porto Alegre ser feito em um ponto mais próximo da orla do Guaíba do que o autorizado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) tem preocupado moradores da Zona Sul. Por questões financeiras e operacionais, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) quer diminuir em um quilômetro a tubulação de 2,6 mil metros que levaria o material até o canal de navegação. Com a redução, o despejo ocorreria em uma enseada.
Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) do bairro Serraria está em construção. Ela faz parte do Projeto Integrado Socioambiental (Pisa), que aumentará de 27% para 77% a cobertura do tratamento de esgoto na Capital. A previsão é de que o Pisa esteja operando a pleno no final do primeiro semestre de 2013, mas o Dmae quer ter a autorização da Fepam para ativar a ETE já entre 15 de dezembro e 15 de janeiro próximos.
Quando estiver pronta, a ETE despejará no Guaíba cerca de 2,5 mil litros por segundo de esgoto com tratamento terciário - o mais avançado, que elimina substâncias como o fósforo da água, por exemplo. Apesar de incomparavelmente mais limpo do que o esgoto in natura, o material não será 100% livre de impurezas. O sistema não evitará a chegada, no Guaíba, de hormônios presentes na água descartada.
O coordenador do Pisa, engenheiro Valdir Flores, pondera que não há riscos para a população. O impacto, diz, está sendo avaliado em seres vivos que habitam o Guaíba, como peixes e caramujos. A economia com o corte em um quilômetro de tubulação do emissário gira em torno de R$ 5 milhões a R$ 6 milhões - ou seja, cerca de 1% do valor total do Pisa, de aproximadamente R$ 500 milhões.
Dúvida é se o esgoto se dispersaria na enseada
O diretor técnico da Fepam, Rafael Volquind, afirma que ainda não há uma conclusão sobre os efeitos do depósito do material mais próximo da orla. Devido à complexidade técnica do tema, faz mais de três meses que o órgão ambiental e o Dmae avaliam o cenário na distância pretendida pela prefeitura. A 1,6 mil metros, o esgoto tratado desaguaria em uma enseada, distante do canal de navegação, onde a vazão é maior, segundo Volquind:
- Desde agosto, ou antes ainda, estamos conversando com eles (Dmae) para entender qual é o comportamento da água, das correntes, da vazão, da velocidade, da sedimentação naquele espaço (da enseada), se o que for lançado ficará retido ali ou se vai ser dispersado. E por perto nós temos áreas balneáveis que temos de cuidar.
O estudo está no final. Restam dados complementares que o Dmae deve enviar à Fepam ainda nesta semana.
Nível baixo do Guaíba desperta receio
Moradores e associações têm debatido o assunto, mas sem um entendimento conclusivo. Conforme o presidente da Associação Comunitária de Moradores e Amigos da Zona Sul de Porto Alegre (Acomazs), José Paulo de Oliveira Barros, há preocupação com o baixo nível do Guaíba, especialmente no verão, e o represamento das águas. Morador da Vila Conceição, o médico e velejador amador Sergio Ruschel, 77 anos, levanta dúvidas a partir de observações de mapas da Marinha.
- Pela estimativa que fiz, os dois quilômetros mal ultrapassariam o alinhamento da Ponta Grossa, quando o ideal seria que o efluente fosse despejado próximo ao canal de navegação. Na bacia de Ipanema, a correnteza do Guaíba provoca fluxos reversos, que fariam retornar parte do efluente, em um movimento anti-horário - relata.
Coordenador do Programa de Pós- graduação em Recursos Hídricos e Saneamento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o professor Carlos André Bulhões Mendes reforça o risco do nível baixo do Guaíba e alerta para o despejo próximo voltar à orla. Para ele, porém, o maior problema extrapola a Capital. Bulhões lembra que, mesmo se um dia a cidade tratar 100% do seu esgoto em nível terciário, ainda assim a qualidade da água do Guaíba poderá ser duvidosa se os demais municípios da região continuarem despejando seus rejeitos na bacia hidrográfica sem tratamento.
O Pisa
- Aumentará o tratamento de esgoto na Capital de 27% para 77%
- Beneficiará 800 mil moradores de Porto Alegre
- Permitirá a balneabilidade em Ipanema em 2014, e demais praias, em 2030