O estranho fascínio que o sal exerce sobre o ser humano ainda não foi convenientemente explicado. Isso apesar dos esforços do psicanalista Ernest Jones, discípulo de Freud e introdutor da psicanálise nos Estados Unidos. Em 1912, ele constatou que "em toda a história da humanidade, o sal foi investido de um significado muito maior do que suas reais propriedades". Na verdade, o sal tem uma longa e lendária história entre os humanos. Foi, no passado, associado a fertilidade e fartura, talvez porque os peixes de águas salgadas reproduzem-se muito mais do que os de água doce. Também foi associado à paixão. Os romanos chamavam indivíduos apaixonados de "salax", ou seja, em estado salgado, semelhante à nossa cozinheira quando salga demais a comida.
Na Abissínia, um costume secular prescreve que as visitas recebam, em sinal de boas-vindas, um pequeno bloco de sal para lambê-lo.
Práticas religiosas utilizam o sal como liturgia. No batismo católico, uma pitada de sal é colocada na boca da criança. Além da careta que provoca o riso dos pais e padrinhos, o sal pretende levar ao bebê sabedoria e proteção. Na comemoração judaica do Sabbath, às sextas-feiras à noite, o pão é mergulhado em sal, símbolo de alimento e fartura. Platão considerava o sal o alimento preferido dos deuses gregos. No sul da França, os noivos vão ao altar com os bolsos cheios de sal para evitar a impotência. Religião e superstição muitas vezes andam juntas. E o sal é um bom companheiro para ambas. No teatro japonês, o sal é aspergido no palco para afastar os espíritos do mal. Sal grosso é a melhor forma de evitar mau olhado e azar, seja em um recipiente na sala de casa ou até ao passá-lo sobre a pele no banho.
Além disso, o sal vem há muito sendo usado como conservante de alimentos como o charque de carne, o bacalhau ou as conservas. Até nas estradas cobertas de neve ele têm sido útil para mantê-las transitáveis. Pelo mesmo princípio físico, podemos beber espumantes mais gelados mergulhados em baldes com gelo e sal.
Mas o sal pode ser também um impiedoso inimigo. Recentemente, o deputado médico Arlindo Chinaglia procurou desestimular o seu uso através de lei que regula sua concentração em alimentos industrializados. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) está intensificando a legislação e fiscalização. O último a reduzir seu conteúdo em sal foi o pão. O motivo desta repressão tem a ver com seu papel na geração e agravamento da hipertensão arterial. No Brasil, 20% da população é portadora de hipertensão arterial, portanto, em torno de 40 milhões de brasileiros têm pressão alta. Metade deles não tem a mínima ideia disso, pois nunca mediram sua pressão. E o que é pior: os hipertensos sentem menos o gosto do sal e por isso ampliam sua utilização. E, como consequência, surge a lamentável dupla infarto e AVC, este último, campeão absoluto de mortes no Brasil.
A quantidade diária de sal que nosso organismo necessita é em torno de 4g, ou seja, quatro tampinhas de caneta Bic. Sem esquecer que existe sal em muitos alimentos prontos, pão por exemplo. No Rio Grande, usamos 16g de sal por dia. Um absurdo culinário. Por isso, somos campeões de hipertensão.
Existem muitas tentativas para substituir o sal, a maioria delas associando potássio à fórmula e reduzindo o sódio, que é o real vilão. Porém, um gosto amargo passa a ser introduzido. Os mais criativos usam páprica picante para "salgar" o churrasco domingueiro. Com algum sucesso. O sal marinho tem uma enorme lista de elementos, o que lhe dá algum crédito, mas perde em salinização para o velho sal de cozinha.
Portanto, não há saída. Vamos reduzir o sal da alimentação. Sem abrir mão, de forma alguma, do vaso de sal grosso na sala de casa.
*Cirurgião cardiovascular