A cada sábado de 2011, a série Beleza Interior percorre uma cidade diferente do Rio Grande do Sul à procura de histórias inusitadas, personagens inesquecíveis e pontos de vista especiais. Conheça hoje a explicadora de cinema de Rio Grande.
Não existe espectador desavisado em Rio Grande, município de 195 mil habitantes, no extremo sul do Estado, a 311 quilômetros de Porto Alegre. Todos conhecem o filme que vão assistir. Ou ficam conhecendo às vésperas da projeção.
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Talvez seja o único lugar do mundo que tem horóscopo cinematográfico.
Você entra na sala e não acompanhará, como de costume, o trailer dos lançamentos. Haverá uma mulher uniformizada de vermelho, que explicará a história a ser exibida.
Na frente da tela, Carine Duarte de Cantes, 32 anos, realiza uma sinopse falada da obra. Antecipa o enredo em três linhas.
- Boa tarde, bem-vindo ao Cine Dunas e a Kung Fu Panda 2. Neste filme, Panda terá que lutar junto aos seus amigos contra um vilão que deseja destruir a China...
Carine conta com um microfone natural no pulmão. Desafia o silêncio com sua voz jazzística, alcançando notas de coro gospel.
- É que já fui telefonista de motel - ri.
Ela é a porta-voz das gentilezas do casarão antigo, que mantém os adornos portugueses do prédio original de 1933.
- Juro que não entrego o final, digo apenas o comecinho - brinca.
O Cine Dunas é a única rede na cidade, adepta do cinema de calçada, com uma filial no Centro (desde 2008) e a sede na praia de Cassino (2005).
Cada sala tem duas sessões por dia, de terça a sexta, às 19h e às 21h, e quatro no final de semana, também nos horários das 15h e das 17h. Com exceção de sábado e domingo, a média de frequência é de 80 pessoas ao dia, que pagam R$ 10 de ingresso.
- Para os saudosos da figura do lanterninha e do pianista, temos a explicadora, uma função antiga, que personaliza o nosso contato - afirma o proprietário Cleyton Martins Abreu, 51 anos.
Carine desfila entre as poltronas de couro com a elegância envaidecida de atriz. Transformou-se numa lenda do lugar, musa dos cinéfilos e tia predileta das crianças.
Interage como se fosse uma aeromoça. Usa os braços para mostrar as saídas de incêndio e as recomendações de respeito como não fumar e desligar o celular. Por pouco, não recebe aplausos.
- Estudo a tarefa em casa e me concentro. Uma palavra errada, um simples tropeço e estrago a expectativa do público.
Mas o sucesso não subiu à cabeça; trabalha duro, sem parar, até meia-noite: atende na bomboneria, apronta café, prepara a pipoca, retira o lixo das poltronas e recolhe os ingressos na entrada. É olhar para o lado e ela desaparece, para assumir uma nova atividade.
- Ainda não sou a projetista - esclarece.
Devido à mania de decorar argumentos, sua memória ganhou a velocidade de uma enciclopédia. Para o contentamento de sua filha Endyana, 15 anos, que vive tirando dúvidas do roteiro de alguma estreia.
- Amo os pequenos resumos, sei centenas de cor, são meus poemas - compara.
O que deseja fazer, e que não teve chance na adolescência, é namorar no cinema e dividir a pipoca, o grande teste de relacionamento.
- Se o homem pede um pote somente para ele não é romântico. Pipoca foi feita para ser dividida.
Solteira, de cílios grandes, a estrela do Cine Dunas aguarda seu galã surgir antes dos créditos finais.
- Queria ter alguém para curtir, abraçar e beijar no escuro da sessão. De repente, esquecer o filme em nome de uma história de amor.
Sinopse falada
Beleza Interior: Aeromoça do Cinema
Carine Duarte de Cantes é a porta-voz dos lançamentos cinematográficos em Rio Grande
Fabrício Carpinejar
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