Em busca de personagens surpreendentes e peculariadades de municípios gaúchos, a série Beleza Interior vai percorrer o interior do Rio Grande do Sul todos os sábados de 2011.
A feiura é um dom. Assim enxergam os 9 mil moradores de Alpestre, cidade a 430 quilômetros da capital gaúcha, o ponto mais setentrional do Rio Grande do Sul, divisa fluvial com Santa Catarina. Lá no fim do Estado, na ponta oposta de Chuí, ocorre o badalado concurso "O Alemão Mais Feio". É o avesso do Mister Mundo. A figura masculina mais desleixada e estranha ganha o prestígio de muso do município.
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A disputa atrai um público empolgado de 1,5 mil pessoas e cerca de oito candidatos horripilantes. Os aplausos decidem a série de mata-mata.
- Ser feio não é para qualquer um - avisa o atual bicampeão Carlos Kroth.
Criado em 2003 a partir de uma brincadeira, o campeonato hoje é tratado com seriedade profissional pelos concorrentes, que se preparam para a decisão na Oktoberfest (em outubro). Nenhum patinho feio pretende virar cisne; pelo contrário, a intenção é se transformar num marreco. Eles realmente se estragam ao longo do ano para fazer a diferença e arrebatar o galardão: comem e bebem sem censura e descuidam da aparência de propósito. Nem tanto pelo prêmio simbólico concedido aos primeiros colocados (R$ 100 ao 1º e R$ 50 ao 2º), e sim pelo status. O vencedor é consagrado como herói local, a ponto de ser procurado para dar autógrafos e tirar fotos com as crianças.
- Quem perde se zanga e diz que foi roubado - avalia Claudir José Boniatti, presidente da comissão organizadora.
Há fofocas, chantagens, treinos fechados que aquecem o interesse da comunidade.
O agricultor Silvio Zimmer, 71 anos, concorre desde 2004 e o máximo que alcançou foi um vice-campeonato.
- É boca braba vencer; os outros homens não são feios, são horríveis - zomba.
Mas ele não desiste. Seu plano é completar oito dias longe do banho, para desespero de sua mulher, Maria:
- A fórmula de sucesso é virar bicho.
Entre seus truques, destacam-se o golpe chapado (tirar a chapa de repente) e a queixada (colocar o queixo avantajado para frente), além da numerosa torcida organizada que leva de casa (seis filhos e 11 netos). Na dura campanha eleitoral, Sílvio não descarta promessas assistencialistas:
-Se botar a mão na taça, pago rodada de cerveja.
O que atrapalha o desempenho é sua simpatia. Por mais que se esforce na careta, não consegue assustar, transpira doçura própria de avô. Maria, sua companheira de 51 anos, reza em segredo pela sua derrota:
- Finjo que torço, mas fico aliviada quando é desclassificado. Ele é lindo por dentro, conquistou o torneio mais complicado que existe: o coração de uma mulher.
Já Avelino Hendges, 71 anos, está desiludido com o fim do reinado. Era invencível até a chegada de Carlos Kroth. Acumulou os títulos de 2007 e 2008 e os vices de 2009 e 2010. Agora, busca recuperar a hegemonia e a inédita marca de tricampeão:
- Vejo os dois últimos embates como zebras, eu sou mais monstro do que ele.
Seus pontos fortes são a barriga proeminente com a camisa dois números abaixo e a perna esquerda mais curta, provocando o que chama de "compaixão do manco". Também comparece sujo do trabalho na lavoura: para o cheiro tontear os adversários. O trago também é indispensável, distribuído no vinho de manhã, no conhaque de tarde e no chope de noite.
O atual cinturão de Alpestre, o pedreiro Carlos Kroth, 66 anos, tem a extravagante teoria de que se enfeia 6% ao ano. É uma espécie de inflação de rugas, estrias e flacidez. Sua preparação física é intensa: fuma duas carteiras de cigarro por dia, corta a barba pela metade, despreza o pente, come mal e dorme pouco.
- Sou pobre, sou feio, mas sou. Posso ser alguma coisa - filosofa.
Quando está sério, não mete medo. O que vem garantindo a larga vantagem nos confrontos são a gargalhada assustadora de bruxo e a barreira do riso de apenas três dentes. Se fosse levada em conta a conversa, não seria eleito. É um romântico incorrigível, com pôster de Leandro e Leonardo na cozinha. Kroth atravessa, na verdade, uma longa dor-de-cotovelo:
- Não sou amado para me amar.
Nunca se recuperou do divórcio com Cenilda, há 18 anos. Ela permaneceu em São Carlos (SC) com os dois filhos, e ele tomou a estrada para esquecê-la.
- Ainda a quero como no primeiro dia. Poderia cozinhar para ela, passar a roupa.
Solteiro, cultiva o abandono. O distanciamento da família desanimou sua saúde:
- Se tivesse uma mulher, seria bonito, iria me arrumar e me encher de loção.
Não há vitorioso que não tenha um ponto fraco.
Notícia
Beleza Interior: feiura recompensada
No capítulo de hoje, ZH apresenta uma curiosa e improvável competição travada na cidade mais setentrional do Estado: Alpestre, na divisa com Santa Catarina
Fabrício Carpinejar
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