O mês de julho foi marcado por protestos de mulheres atletas contra os uniformes que precisam utilizar em competições, trazendo novamente à tona o debate sobre a sexualização dos corpos das esportistas. Ginastas da Alemanha levaram às Olimpíadas de Tóquio um posicionamento que já vinham defendendo desde as competições da modalidade na Europa: a possibilidade de usar uma roupa que as faça sentir mais seguras e confortáveis. Ao invés do collant que deixa as pernas à mostra, as alemãs participaram das classificatórias no Japão vestindo um macacão, que cobria as pernas.
— Toda vez que você não se sente seguro, isso distrai você daquilo que você quer apresentar. Acho que se sentir seguro e não pensar no que as outras pessoas podem ou não podem ver é um alívio quando você pode competir assim — disse a atleta alemã Sarah Voss, em entrevista à BBC.
Voss mencionou ainda que a campanha não é para que todas as atletas passem a usar trajes longos, e, sim, para que se sintam livres para vestirem a opção de uniforme que as faz sentir melhor.
No início de julho, atletas da Noruega fizeram algo semelhante às alemãs, durante o campeonato europeu de handebol de praia. Elas vestiram shorts como uniforme, indo contra o regulamento da competição, que prevê que usem a parte de baixo do biquíni e sutiã esportivo em jogos oficiais, enquanto os homens usam short e regata. A equipe norueguesa foi multada pela Federação Europeia de Handebol em cerca de R$ 9 mil.
Para Adriana Alves, treinadora do Grêmio Náutico União e coordenadora técnica do feminino da Confederação Brasileira de Ginástica, não faz sentido as atletas não poderem optar por uma roupa que traz mais conforto e não atrapalha seu rendimento.
— As mulheres atletas trabalham no limite o tempo todo, há muito estresse físico e emocional. Por isso, quanto mais à vontade realmente estiverem, melhor. E isso vem muito de cada atleta. O caso das meninas do handebol, de não poder usar um short, é uma situação ridícula. Assim como, quando faz frio, as atletas dependerem da decisão de árbitros para usarem uma roupa mais quente. Não pode ser dessa forma —critica Adriana.
O protesto das mulheres esportistas não diz respeito somente ao conforto. Também é sobre combater o uso de corpos femininos como instrumento de audiência e lucro. A presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (Abrapesp), Thabata Telles, lembra que, embora a discussão esteja em alta nesse momento por causa da ginástica olímpica e do handebol, discussões semelhantes também são feitas há anos em outras modalidades.
— Temos no vôlei de praia, por exemplo, uma grande diferença entre a roupa masculina e a feminina, e isso se dá por conta de patrocínio. É considerado mais vendável que as mulheres se vistam de uma determinada forma, porque vai aparecer mais o corpo, logo, a marca será mais vista e terá mais lucro — afirma Thabata.
A cruzada contra a objetificação e a sexualização do corpo feminino no esporte tem como um de seus principais marcos a situação que viveram Jacqueline e Sandra e também a dupla Mônica e Adriana, que brilharam na estreia do vôlei de praia em Jogos Olímpicos. Elas garantiram dobradinha ouro e prata, e subiram ao pódio de Atlanta 1996 vestindo biquíni. Mas a escolha desse traje não foi delas.
— Foi uma polêmica pois elas ganharam e queriam ir para o pódio com aquela roupa que tradicionalmente se coloca por cima do biquíni, aquele conjunto de moletom, e pediram que elas não colocassem, pois ficaria mais bonito que elas aparecessem ali seminuas no pódio. Desde aquela época já há uma certa revolta — lembra a presidente da Abrapesp.
Exceções à regra
O caso das ginastas alemãs não foi a primeira vez em que as Olimpíadas exibiram uniformes diferentes dos convencionais. Nos Jogos do Rio 2016, as atletas egípcias Doaa Elgobashy e Nada Meawad, que são muçulmanas, competiram no vôlei de praia usando calças e, no caso de Dooa, também um véu (hijab). De acordo com Thabata, os pedidos das mulheres por vestimentas mais confortáveis tende a encontrar menos eco do que as demandas motivadas pela religião.
— É interessante perceber que, às vezes, exceções são abertas por conta de questões religiosas, mas parece que, quando a demanda não é por causa de religião, não tem força suficiente para que a vestimenta seja mudada. Parece que não cola a atleta falar que está se sentindo desconfortável, parece que a mulher não pode opinar sobre o seu próprio corpo — acredita Thabata.
No esporte de alto rendimento, leva-se em consideração se a modelagem e o material do uniforme impedem os movimentos do atleta ou dão vantagem a sua performance em detrimento de outros atletas, como é o caso dos supermaiôs tecnológicos da natação, vetados em competições por facilitarem a flutuação. João Carlos Oliva, presidente da Federação de Ginástica Artística, Rítmica, Trampolim, Aeróbica e Acrobática do Rio Grande do Sul (FGRS), informa que no código da ginástica artística já está previsto o uso de trajes compridos — em geral por motivo religioso — e que, por essa razão, as ginastas alemãs não receberam qualquer punição.
— O código da ginástica olímpica determina que se pode usar esse traje comprido ou então meia calça, que pode tanto ser da cor da pele como da cor do collant. Fato é que muitas atletas não querem ou não usam porque tem medo que atrapalhe o movimento — explica.
Tanto João como Adriana entendem que adequações aos códigos de vestuário no esporte podem sempre ser feitas, conforme as demandas forem surgindo. Um exemplo de mudança no âmbito da ginástica artística são os collants de manga mais cavada, como regata. Antigamente, eram permitidos somente os modelos com mangas longas, até o punho. Mas a demanda de atletas por mangas mais curtas para competições em locais onde faz mais calor ampliou a gama de modelos que as competidoras podem usar. A sul-coreana Yeo Seojeong, que ficou com a medalha de bronze no salto sobre a mesa feminino, na final das Olimpíadas de Tóquio — prova que rendeu o ouro à Rebeca Andrade —, competiu com um collant sem mangas. Da mesma forma, a manifestação das alemãs poderá servir de incentivo para que sejam feitos esforços por um traje longo mais funcional.
— Muitas não usam o traje por medo que o tecido enrosque nas paralelas, por exemplo. Mas sempre há margem para melhorar o tipo de tecido, o corte, o modelo. A tecnologia está aí para isso. Um traje mais longo para nossas atletas, nesse frio de Porto Alegre, então, seria uma maravilha — brinca Adriana.