Porto Alegre sedia, nesta semana, a Copa da Juventude de Vela, competição com 109 atletas representando Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Santa Catarina, São Paulo, Rio Grande do Sul e o Distrito Federal, que acontece na raia do Veleiros do Sul.
Os barcos das classes ILCA 6 e 7, 14 duplas na classe 29er e 15 duplas na 420 irão competir na raia do Veleiros do Sul até o próximo sábado. A competição é seletiva para a formação da Equipe Brasileira de Vela Jovem, que representará o Brasil no Campeonato Mundial da Juventude sub-19 de 2025, em Vilamoura, Portugal. Além disso, será uma etapa de seleção para ingresso no Programa de Vela Jovem da Confederação Brasileira de Vela (CBVela), que busca desenvolver novos talentos para o futuro da modalidade.
Dono de cinco medalhas olímpicas, duas de ouro e duas de bronze na classe Star e uma de prata no Soling, Torben Grael está em Porto Alegre. Head coach da equipe olímpica da vela brasileira, o experiente velejador de 64 anos conversou com a reportagem de Zero Hora e Rádio Gaúcha sobre o momento da vela brasileira.
Qual a importância de estar em um evento como a Copa da Juventude?
Super interessante a Copa da Juventude, porque daqui saem os possíveis velejadores de futuras equipes olímpicas brasileiras. É bastante importante acompanhar a evolução e ver aqueles que se destacam mais para a nós termos um olhar mais atento a esses jovens que estão com possibilidades de seguir na carreira de vela. A gente tem uma equipe olímpica bem reduzida. Nós temos poucos velejadores fazendo vela olímpica no Brasil.
Os motivos são fáceis de entender. O custo é muito alto, a dedicação necessária é muito grande e isso impacta na vida pessoal de cada um e nós, como Confederação, temos tentado estimular a vela jovem. A vela de base que basicamente é a classe optimist é bastante forte, dinâmica. Mas depois do optimist tínhamos um vazio grande e por isso a confederação tem estimulado bastante a Copa da Juventude, as classes de vela jovem, na esperança de aumentar um pouco a (equipe) vela olímpica, que tem muito poucos atletas participando.
Hoje em dia temos muitas cobranças sobre jovens atletas por resultados. Como você enxerga isso e quais conselhos passa para eles?
Hoje em dia há uma pressão grande desde a vela de base, pelos resultados. Eu acho um pouco exagerado. Mas fazer (cobrança) demais quando são jovens, não sei o quanto surte efeito. A vela olímpica é super exigente em termos de dedicação e você vir desde pequeno com esse tipo de aproximação (cobrança) pode saturar. Eu acho que na vela de base temos que ter o cuidado de não colocar pressão demais. E a vela jovem é um meio caminho e não necessariamente você ter tido um resultado ruim na base ou na vela jovem, significa que você não possa ter sucesso mais à frente.
Nós temos alguns casos, como a Kahena (Kunze) que não teve grandes resultados na base, no optimist, e é uma bicampeã olímpica. O Marcelo Ferreira também (ganhou dois ouros e um bronze em parceria com Torben). É muito importante a pessoa curtir o que está fazendo. claro que é importante competir, se dedicar, mas curtir o processo senão vira um trabalho e fica uma coisa meio sem graça.
Qual o segredo das parcerias de sucesso com a sua com o Marcelo Ferreira, e de Martine Grael e Kahena Kunze, que foram bicampeãs olímpicas?
É uma coisa pessoal. Parcerias são sempre coisas que se tem cuidado, bastante latitude pra lidar um com outro. No meu caso, eu tive proeiros maravilhosos na minha carreira, sou muito amigo deles. No caso da Martine e da Kahena também e isso facilita, porque a gente passa muito tempo viajando juntos.
Então, é importante essa parceria ser algo que te dê prazer. Porque você fazer vela, do jeito que hoje, com uma pessoa com uma pessoa que você não se dá muito bem, é um fardo muito grande para se carregar. Então isso faz parte e ajuda bastante as coisas a darem certo.
O ciclo Los Angeles terá Martine e Kahena? Na última semana, no Rio de Janeiro, o Jorge Bichara (consultor de esportes do Comitê Olímpico do Brasil) disse que irá conversar com elas para que sigam.
O ciclo de Paris, elas estavam na dúvida de fazer ou não. Acabou por ser um ciclo curto de três anos, facilitando fazer. o ciclo foi intenso demais. Acho que elas exageraram demais na preparação e chegaram cansadas nos Jogos e eles foram numa condição difícil onde precisava estar com a cabeça fresca, aberta e acabou não dando muito certo. O Sail GP (competição de vela por equipes), são três anos de contrato. Então ele vai ir junto com esse ciclo, acabando um pouco antes, o que daria a oportunidade de fazer uma campanha diferente, sem pressão.
Mas elas vão avaliar e acho que tem uma possibilidade de acontecer. Mas quando elas pararam depois de Paris não havia a intenção de continuar. A diferença de intensidade das campanhas delas para as que eu fiz com o Marcelo é imensa. A quantidade a mais, de competições e treinamentos, de dedicação que elas tiveram é algo que eu não conseguiria lidar com uma intensidade tão alta. Então é bom dar essa desligada, ocupar a cabeça com outra coisa que é bastante interessante e abre horizontes e quem sabe não tenhamos elas de volta.
A família, com você e Martine (filha de Torben) tem sete medalhas. Isso sem contar o Lars (irmão de Torben e dono de dois bronzes olímpicos). Qual a medalha que mais te emocionou ?
A maior emoção sem dúvida foram as medalhas delas (ouro no Rio e em Tóquio no 49er FX). Porque quando você está competindo, você está tomado pela competição e sobra pouco espaço para a emoção. Mas de fora, assistindo os filhos competir, a emoção aflora muito mais. E elas competindo na Rio 2016, em casa, pressão grande, chegando como favoritas, peso do nome. Foi uma competição difícil para elas.
Eu estava lá na Medal Race e era um Maracanã na Marina da Glória. É o grande feito da vela brasileira ?
Elas foram campeãs mundiais, velejadoras do ano naquele ciclo. Ganharam as três competições pré-olímpicas e estavam velejando em caso, com peso do nome. Foi a última classe a decidir, a última que o Brasil tinha chances de medalha.
As outras infelizmente tiveram dois quartos lugares. O peso era imenso e mesmo assim elas conseguiram ir muito bem sob pressão e depois repetiram Tóquio, onde elas não começaram bem, foram se recuperando e fizeram uma ótima regata final. Então são duas competições que tive a oportunidade de estar presente e que a gente se emocionou muito.
Os jovens estão preparados para substituir grandes nomes como Torben (Grael), Robert (Scheidt), Martine e Kahena e outros velejadores tão vencedores que o Brasil teve nos últimos anos ?
O pensamento dos jovens não tem que ser de substituir, mas de que nós mostramos que é possível. Antes de nós, teve o Reinaldo Conrad, primeiro medalhista da vela brasileira, com o Burkhard Cordes, no México (1968), depois com o Peter Ficker em 1976 (Montreal). Depois a excelente participação em Moscou (1980) com os dois ouros do Eduardo Penido e Marcos Soares e o Alex Welter e o Lars Bjorkstrom, mostando que era possível e isso que é legal.
E hoje você tem um apoio bem melhor do que na minha época. Quando você começa a ter resultados, tem mais apoio através dos programas das forças no esporte (forças armadas), Bolsa Atleta, Bolsa Pódio, apoio do COB, da CBVela. São coisas que eram muito incipientes. Nós tínhamos que correr atrás de tudo.
Quando eu comecei não havia patrocínio, que só começou no ciclo de Barcelona-1992. Muita coisa mudou. De certa é forma é, em teoria mais fácil, mas nunca foi fácil fazer uma medalha olímpica, mas é possível, Os resultados estão aí. A vela é um dos melhores esportes olímpicos brasileiros e isso é um icentivo para eles.
Qual a importância do Rio Grande do Sul para a vela brasileira ?
A vela nacional tem alguns polos fortes. Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre muito fortes. Os clubes aqui tem muita estrutura e dão muito apoio à vela. Sempre tivemos velejadores fortes aqui, nas classes pan-americanas e olímpicas. Temos outros polos que flutuam como Florianópolis e Brasília, onde não tem muito vento, mas tem muita gente competindo com clubes com muita infraestrutura.
Eu iniciei minha carreira começando em Brasília. E temos alguns clubes no Nordeste que desenvolvem bastante a vela, principalmente Pernambuco e Bahia. O Brasil tem uma costa maravilhosa, onde se pode fazer vela o ano todo. Isso é uma bênção. O desafio é desenvolver ainda mais o esporte para fora dessas fronteiras.
Você competiu aqui no Rio Grande do Sul e quais as recordações ?
Um dos meus primeiros campeonatos brasileiros foi aqui, nesse clube mesmo (Veleiros do Sul). Ganhei aqui também um Sul-Brasileiro de Snipe. É uma raia diferente, com água doce. O comportamento do barco é um pouco diferente. Mas é sempre muito acolhedor o clube, as pessoas sempre recebem bem, campeonatos muito bem organizados. É um excelente lugar para velejar.
Qual das tuas cinco medalhas te traz as melhores lembranças?
Cada uma foi importante a seu tempo. Sem a primeira (prata) em Los Angeles-1984, talvez não tivesse tido o impulso que tive na minha carreira. Aquela medalha foi bastante importante neste sentido. Mas se você tirar essas coisas, esse contexto, acho que a mais bacana foi a de Atenas.
Antes dela tínhamos apenas um bicampeão olímpico que era o Adhemar Ferreira da Silva (atletismo) e o segundo ouro foi maravilhoso. Atenas, a Grécia é o berço do olimpismo, tem muito significado para a Olimpíada. Eu tive a honra de levar a bandeira do Brasil na Cerimônia de Abertura. Então foi uma Olimpíada bem especial pra mim.