O momento mais conturbado da história do esporte olímpico brasileiro completará dois anos no próximo sábado (5). Foi nesta data que, logo ao amanhecer, agentes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal prenderam Carlos Arthur Nuzman, então presidente do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e do Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016, e Leonardo Gryner, ex-diretor de operações da Rio 2016 e braço-direito de Nuzman. A ação foi desdobramento da operação Unfair Play (menção a jogo sujo), mais uma etapa da Lava-Jato no Rio.
Com seu presidente preso e suspenso pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), já que a origem das prisões era a suspeita da compra de votos para a escolha da sede dos Jogos Olímpicos de 2016, o COB passou a ser presidido por Paulo Wanderley, então presidente da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), que assumiu a entidade em sua maior crise de credibilidade.
Prestes a completar dois anos no cargo, Paulo Wanderley concedeu entrevista ao programa Gaúcha2020, da Rádio Gaúcha, e falou sobre diversos aspectos, como preparação para Tóquio, bom desempenho no Pan de Lima e, claro, a atual situação do COB, após a gestão Nuzman.
Como o senhor avalia este período à frente do COB ?
No dia 11 de outubro completo dois anos de gestão dentro do COB e o tempo passa rápido, mas nós tivemos algumas ações que impactaram muito o esporte olímpico no Brasil, como a modernidade do nosso estatuto, que foi reformado nos primeiros 40 dias de gestão, com o aumento substancial de um para 12 atletas que representam a comunidade dentro do COB, na nossa assembleia geral. Outra mudança foi a de quem pode disputar a eleição. Anteriormente para ser candidato à presidência era necessário ser membro de uma das confederações filiadas e ser indicado por dez delas. Hoje, é aberta a inscrição. Basta ser brasileiro, maior de 18 anos, que tem a oportunidade de disputar o cargo dentro do COB.
De que forma o COB passou a ser gerido ?
Instituímos nossos três pilares: austeridade, transparência e meritocracia e tem funcionado muito bem, replicando todas essas novidades dentro das confederações, que assimilaram esta postura. Fizemos cortes necessários, uma redução de 30% de salários e encargos, otimizando os recursos, controlando melhor os gastos e tivemos um avanço na administração. Foi criado um conselho de administração, no lugar do comitê executivo, que era composto por sete membros, todos indicados. Hoje são 15, todos eleitos. Criamos o comitê de ética. Ações que eram necessárias e que foram implementadas.
Após os escândalos envolvendo a gestão anterior, a situação financeira do comitê mudou muito?
Ela evoluiu bastante, está melhorando. Nós temos uma área de marketing ativa. Não atingimos o que gostaríamos, que seria o adequado, até porque houve um declínio de investimento geral, especificamente pós Rio-2016 em relação ao esporte. Muitas empresas deixaram de patrocinar, muito por conta da situação econômica do país. Mas posso dizer que estamos caminhando para a sustentabilidade.
O que ocorreu na gestão Nuzman maculou o esporte olímpico brasileiro?
Num primeiro momento sim. Houve um retrocesso, nós ficamos com uma imagem bastante negativa, o esporte olímpico como um todo. Nós estávamos numa caminhada progressiva, de sucesso, com os Jogos Pan-Americanos (Rio-2007), a própria Copa do Mundo de futebol (2014), os Jogos Olímpicos (Rio-2016) e houve esta interrupção abrupta. Mas eu posso afirmar que nós estamos em passos acelerados de recuperação. Por exemplo, num primeiro momento, houve uma sanção do Comitê Olímpico Internacional (COI), e nós nos recuperamos meses depois. Nos aproximamos da comunidade esportiva, da imprensa, da sociedade, chamamos para dentro do COB todo o sistema esportivo para tomar opiniões, discutir e chegamos a bom termo. Por isso, posso afirmar que hoje o COB está recuperado dessa mancha que aconteceu naquele período.
O senhor presidiu a Confederação Brasileira de Judô (CBJ), um dos esportes mais vitoriosos do Brasil. Quais aprendizados foram trazidos de lá para o COB?
A CBJ foi uma grande escola, e nós pegamos ela numa situação muita parecida à época, quando eu assumi, após 22 anos da chamada "dinastia Mamede", em referância a Joaquim Mamede e seu filho Joaquim Mamede Junior, que entre 1979 e 2000 se alternaram no poder, mesmo com acusações de desvios de verbas e condenções do Tribunal de Contas da União (TCU). Essa experiência no campo de batalha nos deu essa tranquilidade para assumir esse gigante que é o COB, para assumir todas essas questões que surgiram e nós transpusemos isso. A grande lição é que é um trabalho de equipe e formamos um grupo de colaboradores excelentes, verdadeiros experts nas suas áreas.
Como está a relação do COB com as confederações para que todas evoluam e sigam a mesma linha na gestão ?
Os grandes parceiros do olimpismo no Brasil são as confederações e os clubes. Como eu vim de uma filiada (CBJ), eu trouxe o conhecimento da vivência entre eles e uma das primeiras ações implementadas pelo COB foi o suporte. O comitê oferece um suporte para desenvolvimento e maturidade das gestões dentro das confederações e hoje elas entendem que é necessário. As que já tinham estão melhorando e aquelas que não tinham, sabem da necessidade de se incorporar a esse programa de gestão, ética e transparência, onde nós vamos analisar onde estão os problemas e ajudá-los a corrigir. O COB vai pra dentro das confederações e colabora com eles, dando tranquilidade no aprimoramento das suas gestões.
Houve uma queda de investimento pós-Rio, onde havia um objetivo de ser top 10 no quadro de medalhas. Porém, o que foi feito pelos atletas no ciclo anterior teve continuidade. É possível dizer que o segundo lugar no quadro de medalhas Pan de Lima ainda é um reflexo ainda disso ?
A primeira coisa que adotamos no COB foi que os programas que já existiam não iriam parar. Fizemos adequações de outras demandas, continuamos com os que existiam e investimos mais, mesmo com cortes de recursos e redução de investimentos. Canalizamos e focamos na preparação dos atletas, que é nosso objetivo principal e o resultado veio no Pan, com recorde de medalhas de ouro, de medalhas conquistadas, um número maior de esportes que fizeram medalhas — 41 em Lima contra 22 de Toronto, em 2015. Pela primeira vez, desde 1963, quando os jogos foram realizados em São Paulo, recuperamos o segundo lugar no continente, o que é uma marca espetacular.
O COB enviou 11 profissionais para realizar vistorias nas oito bases que serão utilizadas no Japão em 2020. Como está sendo feito esse processo ?
Eu costumo dizer que quando chega o ano olímpico, tudo vai depender do atleta, porque a parte de logística está sendo feita faz tempo. Em 2017 nós definimos quais seriam as nossas sedes de aclimatação. Nós temos oito cidades no Japão preparadas para acolher as nossas delegações, inclusive algumas já viajaram, competiram, treinaram. O vôlei, karatê, judô, handebol, atletismo, vela já estiveram em Tóquio. E essas bases estão preparadas de acordo com as nossas necessidades. Os atletas quando chegarem a Tóquio já vão conhecer onde vão competir, onde ficarão alojados.
É possível fazer alguma projeção de desempenho brasileiro em Tóquio, no ano que vem?
Nós iremos fazer essa projeção quando terminar o ciclo de campeonatos mundiais. Mas já temos uma visão positiva, porque até o presente nós já conquistamos mais medalhas em mundiais, em 2019, do que em 2018. E isso nos faz crer que os resultados serão melhores que os do Rio-2016, essa é a nossa perspectiva, de aumentar o número de esportes que tenham medalhas - foram 11 no Rio, de um total de 19 pódios.