
A Ipanema da Garota, de Vinícius e Tom, do Arpoador, também é a de João Fonseca. Aquele pedaço de terra espremido entre a Lagoa Rodrigo de Freitas e o Oceano Atlântico, abrigo de belezas estonteantes, berço de versos inesquecíveis, cartão postal do Brasil, também produz forehands, backhands e outros golpes do tênis. No icônico bairro carioca nasceu e vive o mais recente fenômeno do esporte brasileiro.
O tenista estreia nesta quinta-feira (6) em Indian Wells, a partir das 16h, contra o britânico Jacob Fearnley, número 81 do ranking mundial — João ocupa 80º posto na lista. A ESPN 2 e a Disney+ anunciam a transmissão. Zero Hora acompanhará em tempo real.
Se vencer, enfrentará o também britânico Jack Draper, 14º colocado no ranking da ATP. Será a segunda participação do brasileiros em torneios deste nível. Ano passado, chegou à segunda rodada no saibro de Madri.
Aos 18 anos, o menino do Rio coleciona marcas históricas em sua ascensão no tênis. Nenhuma novidade para ele. João acostumou-se a pertencer a círculos seletos. As raquetadas iniciais começaram no Country Club, nas barbas do Posto 10 em Ipanema. O clube está entre os mais exclusivos do Brasil. Não basta ser rico no nível Tio Patinhas. Algumas liturgias são essenciais para ser aceito. E ainda contar com a sorte de ter uma vaga disponível. São apenas 850 associados. Um novo entra apenas quando um antigo sai.
Pai dono de empresa que administra R$ 2,5 bilhões
Poucas contas são necessárias para entender o pertencimento entre os vips dos vips. A influência no clube recai sobre o avô, Christiano Fonseca, e os pais, Christiano Fonseca Filho, o Crico, e a ex-jogadora de vôlei Roberta. Crico, também precoce nos resultados, criou no fim dos anos 1980, aos 24 anos, a primeira gestora de recursos independente do Brasil, a Investidor Profissional. A IP Capital Partners, nome atual da firma, administra R$ 2,5 bilhões em recursos de clientes.
Levantamento feito pelo site InfoMoney aponta que da implantação do Plano Real, em 1994, até o fim do ano passado, a empresa acumulou retorno de 24.254%. A Bolsa de Valores de São Paulo, a Ibovespa, subiu 3.220% no período, e o CDI rentabilizou 8.525%. Em um exemplo prático, R$ 100 mil investidos no fundo em julho de 1994 equivaleriam a R$ 24 milhões em tempos atuais.
Nomes de peso nas quadras do Rio
As quadras dos primeiros golpes de João receberam grandes nomes do tênis. O americano Bob Falkenburg, campeão de Wimbledon em 1948 e fundador da lancheria Bob's, instalou-se no Rio de Janeiro e fez do saibro do Country a extensão de sua casa.
Semifinalista do US Open e bicampeão Pan-Americano, Ronald Barnes também usufruiu daquele espaço. O mesmo vale para o bilionário e ex-tenista profissional Jorge Paulo Lemann (guarde este nome).
Entre o tênis e o futebol
Eram outros tempos. O tênis das raquetes de madeira tinha outras exigências. Aquele quadrilátero contendo parte significativa do PIB nacional ficou pequeno para a qualidade de João, praticante do tênis e do futebol desde tenra idade. Aos 11, se machucou em uma partida de futebol e se concentrou em “espancar” a bolinha amarela.
O clube montou uma equipe de alto rendimento com João como a jóia a ser lapidada, a raquete a ser encordada. Foi quando a parceria com Guilherme Teixeira, seu atual técnico, começou.

Logo as restrições do Country se transformaram em um teto para o crescimento. Nos últimos meses de 2021, o prodígio precisava de mais espaço para se desenvolver.
— Eu conheço o João desde os nove anos. Percebi que ele tinha um enorme potencial, mas era só um garoto pequeno ainda. Depois, decidimos ser necessário expandir um pouco o espaço físico mesmo, investir em uma estrutura maior, mais garotos — conta Bruno Bonjean, diretor de esportes do Country Club e sócio da Yes Tennis, empresa responsável pela gestão de treinamentos de João.
Além das dimensões do Country, havia outro limitante. Apenas sócios são permitidos nas quadras do clube. João ficou sem adversários para testar o seu nível. Ele clamava por novos desafios.
Eu conheço o João desde os nove anos. Percebi que ele tinha um enorme potencial, mas era só um garoto pequeno ainda
BRUNO BONJEAN
Sócio da Yes Tennis, empresa responsável pela gestão de treinamentos de João
O golfe apareceu como opção. Não como esporte, mas como espaço. O Itanhangá Golf Club, na zona oeste do Rio, abriu as portas. O ex-tenista André Sá dava suas tacadas por lá e intermediou o contato inicial entre a equipe capitaneada por Bonjean. Junto aos buracos do esporte de Tiger Woods, havia três quadras de tênis abandonadas. Além da reforma delas, outras três foram construídas.

João escolhe o tênis profissional
A mudança fez um rebuliço na vida de João. Também trocou de escola. Saiu de uma instituição bilíngue com turno integral por uma com aulas até o meio-dia. Apesar da intensidade exigida pelo tênis, nunca abandonou os estudos. A vida universitária nos Estados Unidos sempre esteve no horizonte. O curso não estava definido, mas seria relacionado à área de finanças. A renomada Stanford foi analisada. A mais próxima de contar com João em seus bancos foi a Universidade de Virginia. Apenas no fim de fevereiro do ano passado desferiu o golpe para seguir de maneira direta a carreira profissional.
— Acabou não acontecendo. As conversas giravam um pouco nessa linha de que ele fosse para ficar um ano e deixasse uma porta aberta se um dia fosse para o profissional. Se descobrisse que não era aquilo que queria, teria uma alternativa de vida aberta. Isso sempre esteve na mesa — explica Bonjean.
Quando oficializou-se a decisão, em fevereiro de 2024, muito tinha acontecido na carreira de João. De lá para cá, outro tanto aconteceu. Daqui para frente, muito virá.

Título na Copa Davis Junior
Dois anos antes da definição, em 2022, o tenista integrou a equipe brasileira campeã da Copa Davis Junior, disputada na Turquia. Além de João, faziam parte do time Pedro Rodrigues e Gustavo Almeida. Ambos ainda engatinham no tênis profissional.
— É um cara superdedicado nos treinos. Tem uma personalidade humilde. O cara é gente boa, na dele, supereducado, sempre pronto para receber informação e tentar executar aquilo que a gente tava programando Já estava numa pegada um pouquinho mais profissional. Ele já consegue ter uma consciência diferente de como jogar pontos importantes — explica Rodrigo Ferrero, capitão daquela equipe.
Profissionais tarimbados do mundo das raquetes conhecem parâmetros balizadores para prever qual patamar os jovens podem alcançar. Eles indicam o quanto João pode ir longe. Dos juvenis campeões de Grand Slams, 70% ingressam na elite do tênis e ficam entre os 100 melhores do mundo — ele é o mais jovem deste grupo restrito e apenas o 28º brasileiro a ingressar nesse top. O brasileiro foi campeão do US Open Juvenil em 2023 e engrossa a estatística.

Ele já consegue ter uma consciência diferente de como jogar pontos importantes
RODRIGO FERRERO
Capitão do Brasil na Copa Davis Junior
A situação vai afunilando. O carioca ocupa a posição 80 da lista e se aproxima de ingressar entre os 55% que ficaram entre os 50 melhores do mundo. Desses jovens campões, 21% entraram no top 10.
Crescimento sustentado e o fonsequismo

O crescimento é orgânico, respeitando o tempo de João. Porém, sua velocidade é a de um ace de primeiro serviço. As etapas são transpostas sem demoras, mas nunca puladas. Ainda adolescente, João faz parte da equipe adulta da Copa Davis. Caçula da equipe, encara os rituais destinados aos novatos com tranquilidade.
Assim como no futebol, tenistas iniciantes passam por trotes, como carregar equipamento para os companheiros, buscar sanduíches e afins. Alguns, mesmo sem a qualidade dele, nem sempre encaram as tarefas com fleuma. João está sereno.
— São brincadeiras que tu começa a entrar na cabeça do cara e ver como é que ele lida com essas coisas. Tu vê de tudo. Tem os que ficam indignados, outros engolem seco. A gente via que ele meio piscava pra nós, dizendo: “Tá bem, tá tudo tranquilo” — relata o ex-tenista gaúcho Marcos Daniel, auxiliar técnico do Brasil na Copa Davis.

Temporada incomum para brasileiros
No ano passado, João chegou às quartas de final do Rio Open. Ainda sem ranking para fazer parte da chave principal, jogou com um convite. Outros surgiram para torneios robustos durante a temporada. Ele e sua equipe optaram por disputar alguns Challengers, competições de nível mais baixo e menor pontuação. Fez uma temporada nas quadras de grama incomum para tenistas brasileiros.
Depois, passou nove meses em torneios de quadra duras. A confecção calendário o deixou preparado para vencer o Next Gen, torneio com os melhores tenistas sub-20 do ano.
— A gente está sempre buscando o caminho do desenvolvimento, não o caminho mais fácil. O caminho dos pontos fáceis pode trazer às vezes uma tranquilidade, um retorno imediato, mas se você pensa no desenvolvimento de construir um jogador, não é o melhor caminho — explica Bonjean.

Fenômeno não visto desde Guga
A base construída no ano passado furou a bolha da bolinha amarela este ano. O título no ATP 250 de Buenos Aires, em 16 de fevereiro, o popularizou. Criou o fonsequismo, um fenômeno não visto no Brasil desde Gustavo Kuerten.
A gente está sempre buscando o caminho do desenvolvimento, não o caminho mais fácil, caminho dos pontos fáceis
BRUNO BONJEAN
Sócio da Yes Tennis, empresa responsável pela gestão de treinamentos de João
Após o ponto final, mais uma exclusividade vivida por João evidenciou-se. Sacou da raqueteira um relógio metálico. Um Rolex. A marca de relógios de luxo, muitos deles com mais quilates do que a idade do brasileiro, está na sua lista de patrocinadores. Em quadra, veste On Running.

Em busca do top 1
A empresa conta com Roger Federer como acionista e conta com Jorge Paulo Lemann (lembra dele?) como investidor. Há contato direito entre o ex-tenista suíço e o jovem brasileiro — quantos no mundo podem desfrutar de tanto? Ele contabiliza pelo menos outros três patrocinadores renomados.
A ladeira à frente é íngreme. A busca pelo posto mais restrita do tênis continua. João Fonseca quer ser o número 1 do mundo, restrita até mesmo para os sócios do Country Club.

João Franca Guimarães Fonseca
- Cidade: Rio de Janeiro
- Nascimento: 21/8/2006
- Idade: 18 anos
- Altura: 1m85cm
- Braço preferencial: direito
- Ranking: 80°
- Melhor colocação no ranking: 68°