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Profissão Gauchão traz uma série de reportagens com profissionais que trabalham nos clubes que disputam o Gauchão 2025. Ao longo da primeira fase, GZH contará a história de personagens que fazem a diferença no cotidiano das equipes. Neste sábado (15), último dia da série, confira a história de Chico, motorista do São José.
O estereótipo do jogador de futebol apresenta um homem atraído por carrões. É verdade, mas não são só os possantes capazes de chamarem atenção da boleirada. Cândido Francisco Pereira, o Chico, é um exemplo vivo disso. O veículo particular do motorista do São José, 68, chamou atenção de muito boleiro nos 19 anos de trabalho prestados ao clube. Muitos tentaram. Um quase conseguiu. Mas ninguém levou a sua relíquia.
Chico vive uma vida ao volante. Foram décadas sentado no comando de uma lotação pelas ruas de Porto Alegre. A quilometragem nesses anos todos se tornou uma conta impossível. Sequer tem chance de fazer uma estimativa.
— Não tenho ideia. Só nesse mês, eu fiz 2,8 mil quilômetros, só duas idas a Santiago e uma ida a Ijuí — explica.
Em quase duas décadas de trabalho no São José, percorreu cada quilômetro da malha do Rio Grande do Sul. Nos últimos anos, transporta mais as categorias de base, do infantil ao júnior. As viagens com os profissionais são mais esparsas.
Nascido gremista, Chico virou torcedor do São José. Embora não entenda muito de futebol, sempre fica perto do gramado para ver o desempenho dos seus passageiros.
— Hoje eu torço pro São José, eu fui gremista, mas hoje em dia eu torço sempre pro São José, é onde eu ganho o feijão e o arroz — enfatiza.
Nos bancos atrás de si, presenciou silêncios ensurdecedores após derrotas e barulhos tranquilizantes após vitórias. Tem festas eternizadas na memória. Mesmo que os profissionais não sejam passageiros constante, foi uma vitória desse pessoal que mais o marcou. Foi o responsável por conduzir o micro-ônibus do Beira-Rio até o Passo D’Areia depois da conquista da Chave Sul da Copa Valmir Louruz no Beira-Rio, em 2015.
— O Guilherme, esse que está jogando hoje tá no Santos ele que fez o gol lá dentro do Beira-Rio. Nós trouxemos a taça naquela noite. Foi só coisa boa. Pessoal deu uma encharcada — conta.
Com seu Chico no volante, a segurança é constante. Responsável pela manutenção dos veículos do clube, fala orgulhoso de seu histórico de acidentes e perrengues na estrada.
— Nunca (deu problema). Eu trabalhava com um ônibus velho aqui, um Volvo velho. Aconteceu uma vez de furar um pneu, mas eu vim com o pneu furado. Era pneu traseiro, é duplo. Nunca parei na estrada. Nunca pifei na estrada. Nunca bati — assegura.
O carro mais cobiçado
História profissional passada a limpo, vem a pergunta repousada na ponta da língua desde os cumprimentos iniciais, quando revelou ser o proprietário de uma preciosidade.
— Pensa em vender o seu carro?
— Não, para ninguém — afirma, peremptório.
Protegido dos mil sóis que pairavam sobre o Passo D’Areia naquela tarde de início de fevereiro, o Fiat 147 de Chico estava estacionado sob a arquibancada do Passo D’Areia. O ano dele é 1986. Parece ter saído da fábrica. A lataria cinza está tinindo.
Não foram poucos os boleiros interessados em fazer uma propostas pelo carro. O mais perto de comprá-lo foi o ex-gremista Rodrigo Gral.
— Um dia, eu disse para ele trazer o dinheiro que eu vendia para ele, mas o irmão dele não foi buscar o dinheiro. Naquela sexta-feira, eu vendi o carro para o meu sobrinho. Mas depois comprei de novo — conta.
Todo serelepe, Chico faz questão de mostrar os detalhes do carro. Levanta o capô. Deu partida. Posa para fotos. Um booking completo. Depois de recuperado o seu xodó, nunca mais pensou em se desfazer dele.
— Isso aí não tem valor. Como é que eu vou te dizer? É um valor sentimental, entendeu? Não tem valor, não tem preço.
Muitos jogadores ainda virão, tantos se apaixonarão, mas nenhum levará o Fiat 147 de Chico.